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Um livro que suscitou a minha curiosidade quando foi editado em Junho deste ano. No entanto, como tantos outros, foi vendo a sua vez de ser lido protelada por outros.
Nunca tinha lido nada de Sérgio Luís de Carvalho nem conhecia o seu trabalho. No entanto vi-me perante uma interessante investigação histórica sobre as lutas Liberais em Portugal, ao mesmo tempo que a ação da personagem principal, Salvador, decorre em Londres onde está exilado.
A história de Salvador vai sendo desvendada aos poucos. Com algumas referências à sua infância e juventude no nosso país o puzzle vai sendo montado, habilmente pelo autor diga-se. A sua linha de pensamento, as suas crenças e desejos são coerentes com o seu passado, com o percurso político que iniciou em Coimbra, onde estudou medicina.
O autor apresenta uma pequena resenha histórica dos acontecimentos da época que influenciam a história. Muito útil mas, quanto a mim, mal localizada no final do romance. Eu, curiosa no que toca aos livros, gosto de verificar capas, contracapas, badanas, prólogos, posfácios, etc. antes de iniciar a leitura. Ler a cronologia dos fatos históricos da página 329 antes de iniciar a leitura foi fundamental. Leitores menos atentos a estes detalhes têm a perder, a não ser claro, que perfeitamente familiarizados e conhecedores do enquadramento histórico.
O que achei verdadeiramente interessante neste livro foi a forma como o autor “salta” entre o presente e o passado, entre a vida de Salvador em Portugal e em Inglaterra. Achei excecional a forma simples como o faz, muitas vezes sem qualquer parágrafo ou paragem gramatical. Parece estranho mas resulta, é como se uma espécie de pensamento sobre o passado afluísse à mente de Salvador oferecendo ao leitor mais um pouco da sua história. De resto a escrita não trás nada de novo, apesar de simples, concisa e muito agradável.
Em fuga desde Portugal por estar em luta contra o regime absolutista de D. Miguel, Salvador tenta sobreviver em Londres, numa época conturbada para o avanço da anatomia/medicina. Graças aos seus conhecimentos médicos trabalha como assistente do Dr. White, no que seria o início da medicina legal. A dissecação de cadáveres é malvista, principalmente por motivos religiosos, a profanação do corpo humano é entendida como um mal pior que a morte e um destino a evitar por aqueles que se encontram doentes e/ou perto do final da vida.
No “Teatro Anatómico” O Dr. White ensina ao seu grupo de alunos as técnicas do que, no futuro, serão as autópsias, mas que na época não é mais do que o tentar entender o funcionamento do corpo humano, procurar respostas para doenças, enfim, avançar na medicina.
Não é fácil conseguir cadáveres, na verdade os corpos vão parar à mesa de dissecação de forma ilegal, profanadas as suas campas e roubados dos cemitérios. O ressurrecionismo foi algo completamente novo para mim; este paralelismo que os livros, ou pelo menos alguns livros conseguem proporcionar entre entretenimento e aprendizagem é algo que me motiva e que foi, sem dúvida o grande impulsionador desta leitura.
Ao mesmo tempo o autor explora os sentimentos e a humanidade das personagens criando um romance cheio de percalços entre Salvador e Rose. Este ponto, algo previsível, não tirou contudo interesse à leitura e veio mesmo, no final proporcionar um desfecho interessante do bem sobre o mal, da morte sobre a vida, do crime como algo que agrada, quando praticado pelos considerados “os bons”.
Um livro que acrescenta saber e me proporcionou uma leitura agradável, mesmo estando sempre relacionado com a morte. Interessante e com uma escrita direta, lê-se muito rapidamente sem cansar. Recomendo a sua leitura.
Sinopse
“O livro
A história de O Exílio do Último Liberal decorre entre Londres (1832) e Lisboa (1833) e assenta num labirinto de mistérios, de segredos, de ameaças e de paixões, enquadrado pelo fog de Londres e pelas brumas de uma nação envolta em progresso e em miséria. É aí, um ambiente marcado pela Revolução Industrial, que se move um jovem exilado português às voltas com um terrível segredo: foi membro da Irmandade dos Divodignos, um grupo liberal radical que os partidários absolutistas de Dom Miguel perseguem com encarniçado ódio. Mas este é apenas o primeiro segredo dado a conhecer ao leitor… Outro há e é ainda mais obscuro e clandestino.
Por entre as sombras e os nevoeiros, movem-se vultos suspeitos. São os odiados ressurrecionistas à cata de corpos acabados de sepultar numa atividade que provoca medo e revolta.
Factos Reais
Os divodignos foram uma sociedade secreta, composta maioritariamente por estudantes, que via na ação armada a forma de resistir contra o absolutismo, ou o poder soberano (iluminados pela revolução francesa).
Os ladrões de túmulos, popularmente chamados ressurrecionistas, também existiram. De noite, invadiam os cemitérios, retiravam os corpos recém-sepultados das urnas e iam entrega-los nas faculdades de medicina onde eram usados nas aulas de anatomia.”
Clube do Autor, 2012