Novembro 16, 2014
Gostas do que vês? - Rute Coelho - Opinião
Eu e este livro começámos mal. Ignorei-o completamente por causa da capa, que me remeteu de imediato para essas séries de romances eróticos que aparecem por todo lado como uma praga. Admito aqui a minha total ignorância por nunca ter lido nenhum desses títulos, mas correndo o risco de estar a perder uma grande coisa e até, quem sabe, revolucionar a minha vida sexual, vou continuar a passar ao lado.
“Gostas do que vês?” tem uma capa sugestiva que mostra corpo e uma roupa sensual, mas à medida que avançava na leitura, a minha visão da capa foi mudando. Na verdade, e olhando mais atentamente, o que temos na capa é um espartilho. E lendo, cada vez me fui sentido mais apertada, experimentando a sensação de desconforto de quem não gosta do seu corpo.
Apesar de “Gostas do que vês?” ser sobre duas mulheres tamanho XXXL que encaram a gordura e vivem o seu corpo de formas opostas, Cecília, que vive bem com o físico e tem uma relação saudável consigo própria, não me convenceu. Não que não hajam gordas felizes, de bem com a vida e com o seu aspecto, nada disso, mas porque sempre senti que Cecília, por ser exactamente o oposto de Natália, por vezes até de forma exagerada, seria tão só a pessoa que Natália desejaria conseguir ser.
Natália usa constantemente o espartilho da culpa e da mágoa, sentindo-se cada vez mais infeliz e apertada pelas sua inseguranças e incapacidades de ultrapassar as dificuldades do dia-a-dia. Usa a comida em doses exageradas para afastar a dor, uma satisfação momentânea que acaba por lhe causar mais sofrimento, insatisfação e culpa. Coloca-se em situações que a fazem sentir um lixo, como ser amante do patrão em pensões escondidas e de mau nome. Parece viciada em momentos de infelicidade, convicta de não merecer felicidade ou dignidade.
“Gostas do que vês?” é suficientemente real para ser lido. A pergunta do título é enganosa, não é feita aos leitores ou ao público, mas sim a qualquer um de nós quando se olha ao espelho. E é bom que se goste, pois não gostando, ninguém mais vai gostar.
Sinopse
“Natália e Cecília não se conhecem. São duas mulheres jovens muito diferentes, uma introvertida e amargurada, a outra confiante e determinada. Mas têm a irmaná-las o excesso de peso - e, apesar de cada uma lidar com ele à sua maneira, fugindo do espelho ou assumindo o corpo, a verdade é que nem sempre é fácil viver numa sociedade com os cânones de beleza instituídos e na qual se convive diariamente com o preconceito.
Natália está convencida de que não merece ser feliz; Cecília, pelo contrário, numa atitude desafiante, defende a beleza das suas curvas e o seu direito à felicidade, independentemente da diferença e da discriminação social.
Num mundo em que se mascara a felicidade com plásticas e dietas loucas, Rute Coelho construiu uma história realista e surpreendente sobre a forma como podemos e devemos assumir o nosso corpo, aprendendo a gostar dele através das mudanças necessárias.”
Oficina do Livro, 2014