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planetamarcia

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Julho 07, 2019

O que leio: A Carne, de Rosa Montero

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Sim, comecei nova leitura sem terminar a anterior, assim se constrói uma pilha gigante na mesa de cabeceira. E entretanto "A Carne" já está lido. Se gostei? É Rosa Montero, pessoas! Gostei muito, claro.

"Numa noite, Soledad contrata um gigolô para que a acompanhe a um espetáculo de ópera, um ardil, na verdade, que não é mais do que uma tentativa de provocação a um ex-amante.
No entanto, um violento e imprevisível incidente alterará por completo o curso daquela noite e marcará o início, entre ambos, de uma relação vulcânica, inquietante, e talvez perigosa. Ela tem sessenta anos; o gigolô, trinta e dois. Começa o jogo…
A narração desta aventura irá mesclar-se com as histórias dos escritores malditos da exposição que Soledad se encontra a preparar para a Biblioteca Nacional - e ser maldito é «desejarmos ser como os outros mas não conseguirmos, querer que nos amem mas só causarmos medo, talvez riso, não suportarmos a vida e, sobretudo, não nos suportarmos a nós próprios».
Como a própria Soledad, talvez?
Devorar ou ser devorado: A Carne é um romance audaz e surpreendente, o mais livre e pessoal de todos os que Rosa Montero já escreveu, que nos fala do passar dos anos, do medo da morte, da necessidade de amar e da gloriosa tirania do sexo. Tudo através da voz de uma eterna sedutora, apanhada de surpresa pelo seu próprio envelhecimento."

Porto Editora

Tradução de Helena Pitta

Agosto 23, 2015

A Louca da Casa - Rosa Montero - Opinião

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A necessidade de escrever. A experiência de escrever. Viver intensamente o que se escreve como se escrever um romance fosse habitar uma vida paralela que se afunila na vida real consumindo tudo.

Ler “A Louca da Casa” é entrar na espiral de loucura de escrever um romance, ou pelo menos, ter uma visão bastante real da necessidade de entrega à escrita. Mas, acima de tudo, da necessidade da necessidade de entrega, da constante sede de imaginar e criar. De, mesmo quando se está a ler, deixar a imaginação, a louca da casa, à solta, e reescrever linhas que se soltam sozinhas dos livros.

Disseram-me que não há nada que se compare ao tempo em que se está a escrever um romance. Nada como os anos que se dedicam a um projecto que permite uma fuga tão intensa. Nada como as saudades de voltar a esse lugar e começar tudo de novo. É isso que alimenta a fonte que seca no fim da viagem. A vontade de voltar. A necessidade de quem não pode viver sem querer cair mais uma vez nesse abismo.

“Tenho saudades de estar a escrever. De viver a pensar que saio do trabalho e vou escrever. De dedicar todos os minutos do meu dia, acordado ou a dormir, a imaginar o que vai acontecer.” Isto também me disseram.

Neste livro Rosa Montero convenceu-me definitivamente que é tudo verdade.

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O que mais gosto em ler livros emprestados é passar pelas linhas que foram do leitor anterior. Tentar perceber onde demorou mais tempo, comparar passagens favoritas através das marcas ou sublinhados. É descobrir, não só o livro, mas também os sentimentos que o livro provocou. O que menos gosto é a separação. É deixar ir um livro que já guardo num lugar especial. Que enchi de marcas daquilo que me encheu cá dentro.

Uma leitura Roda dos Livros – Livros em Movimento

Sinopse

“Um romance? Um ensaio? Uma autobiografia? A Louca da Casa é, em qualquer dos casos, a obra mais pessoal de Rosa Montero: uma viagem através do misterioso universo da fantasia, da criação artística e das recordações mais secretas da própria autora.
Rosa Montero empreende uma viagem ao mais profundo do seu ser através de um jogo narrativo pleno de surpresas, onde literatura e vida se misturam num cocktail afrodisíaco de biografias alheias e de autobiografia romanceada. E assim descobrimos, por exemplo, que Goethe adulava os poderosos, que Tolstoi era um energúmeno, que Rosa, ela própria, em criança, se julgava anã, e que, com vinte e três anos, manteve um extravagante e arrebatador romance com um actor famoso. Todavia, não devemos fiar-nos por completo em tudo o que a autora conta sobre si mesma: as recordações não são sempre o que parecem. Um livro sobre a fantasia e os sonhos, a loucura e a paixão, os medos e as dúvidas dos escritores – mas, também, de cada um de nós –, A Louca da Casa é, sobretudo, a tórrida história de amor que existe entre Rosa Montero e a sua própria imaginação.”

Asa, 2004

Fevereiro 08, 2015

A ridícula ideia de não voltar a ver-te - Rosa Montero - Opinião

A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te_14-01-20

Primeiro foi a grande vontade de voltar a ler um livro de Rosa Montero. Depois conhecer o tema. A vontade cresce. Apenas com um livro lido da autora já a considerava uma das minhas escritoras preferidas ou, numa perspectiva mais realista, com um enorme potencial para isso.

Rosa Montero a escrever sobre a vida de Marie Curie. A admirável Curie, cujo percurso descobri tarde, que me interessa, como só pode interessar a entrega total, até extrema, ao que se acredita, de quem faz da paixão o seu modo de vida.

Rosa Montero a escrever sobre a morte. Sobre a morte de Pierre Curie. Sobre o luto e a dor de Marie Curie. E sobre ela própria, sobre a sua dor depois da perda de Pablo, o marido.

Um livro sobre a morte. Cheio de verdades sobre a vida. A vida da autora, de Curie, de todos os leitores deste livro, de todos os que acreditam em livros emotivos, descargas de emoções confusas, meio loucas, com saltos temporais, com visitas ao passado sem saudade só porque existiu e faz parte. Um livro sem regras. Uma biografia de uma Senhora da Ciência do século XX, misturada com sensações vindas do âmago de quem escreve. Um livro humano, do lado bom da humanidade, das memórias boas que fazem bem, apesar das partes tristes e mesquinhas que narra.

Das mulheres fortes. Que seguem em frente pisando o conceito gasto de “mundo de homens”, e lutam, e trabalham, e sofrem, e riem para chegar lá. Com descobertas inovadoras. Escrevendo magníficos livros. Com o poder de sempre a seguir em frente que os anos lhes deram.

Exemplos para pensar e seguir. Por mulheres e homens.

“A ridícula ideia de não voltar a ver-te” marcou-me como leitora. Fez-me feliz. Recomendo.

“Para conseguir escrever um romance, para aguentar o tempo longuíssimo e aborrecido que esse trabalho implica, mês após mês, ano após ano, a história tem de manter bolhas de luz na nossa cabeça. Cenas que são ilhas de emoção candente. E é pelo desejo de chegar a uma dessas cenas que, não sabemos porquê, nos deixam a tiritar, que atravessamos talvez meses de soberano e insuportável aborrecimento ao teclado.” (Pág. 14)

“A criatividade é justamente isso: uma tentativa alquímica de transmutar o sofrimento em beleza. A arte em geral, e a literatura em particular, são armas poderosas contra o mal e a dor. Os romances não os vencem (são invencíveis), mas consolam-nos do horror. Em primeiro lugar, porque nos unem ao resto dos humanos: a literatura torna-nos parte do todo e, no todo, a dor individual parece que dói um pouco menos. Mas o sortilégio também funciona porque, quando o sofrimento nos parte a espinha, a arte consegue transformar esse dano feio e sujo numa coisa bela.” (Pág.92)

Sinopse

“Quando Rosa Montero leu o diário que Marie Curie começou a escrever depois da morte do marido, sentiu que a história dessa mulher fascinante era também, de certo modo, a sua. Assim nasceu A ridícula ideia de não voltar a ver-te: uma narrativa a meio caminho entre a memória pessoal da autora e as memórias coletivas, ao mesmo tempo análise da nossa época e evocação de um percurso íntimo doloroso. 
São páginas que falam da superação da dor, das relações entre homens e mulheres, do esplendor do sexo, da morte e da vida, da ciência e da ignorância, da força salvadora da literatura e da sabedoria dos que aprendem a gozar a existência em plenitude.
Um livro libérrimo e original, que nos devolve, inteira, a Rosa Montero de A Louca da Casa - talvez o mais famoso dos seus livros.”

Porto Editora,2015

Tradução de Helena Pitta

Passatempo para 1 exemplar a decorrer. Saibam tudo aqui.

Outubro 27, 2013

Instruções Para Salvar o Mundo - Rosa Montero - Opinião

 

Por vezes penso que devia parar de ler livros que constantemente me recordam o caos social, a ignorância e pobreza de espírito das pessoas. E devia. É necessário sair desta constante e doentia realidade. Fazer um intervalo, pelo menos nos livros.

“Instruções para salvar o mundo” não muda nada mas denuncia e demonstra. Aquilo que já sabemos é certo, que o ser humano regrediu, se tornou malvado e maquiavélico, “desevoluiu” dos ancestrais primatas. Certamente é mais fácil ser mau do que bom, de outra forma a humanidade seria uma onda perfeita de bondade. Mas a verdade verdadinha é que estamos sós, cada vez mais sós e medrosos, desconfiados e rodeados de conhecidos, mas sem amigos.

São quatro as personagens centrais deste livro. Todas com vidas dolorosas, experiências de tristeza e desilusão. Quando a dor começa e toma conta de tudo é difícil manter a cabeça à tona, então o percurso é descendente, o sofrimento tolda a visão, e uma série de acontecimentos aleatórios coloca Matias, Daniel, Fatma e Cérebro envolvidos em situações bizarras. Daí a perder-se o controlo e a noção da lógica é um pequeno passo numa espiral para o abismo.

Adorei a escrita de Rosa Montero, crua, incisiva e sem “paninhos quentes”. Explora sentimentos de vidas frustradas, dos azares que magoam e marcam novos percursos, a forma quase científica como faz pensar nas coincidências, que realmente fazem parte do nosso dia-a-dia e têm um papel determinante em algumas decisões irreversíveis. Um romance urbano em que em cada página se sente a frieza de uma selva de pedra, a solidão de ter dezenas de vizinhos por todos os lados das casas e sentir que se vive numa caverna isolada.

Um livro cheio de infelicidade e com pouca esperança como cada vez mais achamos que é a vida. Não me deixou feliz e deu-me uma injecção de realidade que me doeu e deixou danos colaterais. A nossa sociedade é podre e doente. O ser humano assim quis.

“A Humanidade divide-se entre aqueles que gostam de se meter na cama à noite e aqueles a quem ir dormir desassossega. Os primeiros consideram que os seus leitos são ninhos protectores, enquanto os segundos sentem qua a nudez do dormitar é um perigo. Para uns o momento de deitar implica a suspensão das preocupações; aos outros, pelo contrário, as trevas provocam um alvoroço de pensamentos daninhos e, se fosse por eles, dormiriam de dia, como os vampiros. Sentiste alguma vez o terror das noites, a angústia dos pesadelos, a escuridão a sussurrar-te na nuca com o seu hálito frio que, embora não saibas o tempo que te resta, não passas de um condenado à morte? E, no entanto, na manhã seguinte a vida volta a explodir com a sua alegre mentira de eternidade.” (Pág. 7)

“Circulou lentamente ao longo da franja fronteiriça do território bárbaro e chegou à passagem subterrânea sob os carris da via férrea, um túnel estreito inconcebivelmente sujo entre cujos detritos de latas esmagadas, cadáveres de ratazanas e indiscerníveis farrapos se podiam encontrar inúmeros documentos pessoais, cartões de piscinas municipais ou de clubes de vídeo, porta-moedas abertos e carteiras de senhora estripadas, uma avalancha de restos descartados por uma legião de ladrões. E aí, justamente à saída do túnel, leu um grafitti que dizia: A vingança far-te-á livre. Ao fundo voltava a ver-se a linha reluzente da cidade, com o seu sonho de luxuosos arranha-céus e o seu pesadelo ameaçador de sujidade e miséria.” (Pág. 45)

“E agora estava encalhado num terreno remoto, sem filhos, sem sucesso profissional, sem verdadeiros amigos, sem amor. A lembrança de Fatma e de Marina cruzou-lhe o pensamento e o corpo doeu-lhe. Porque a tristeza doía fisicamente. Era um mal-estar difuso, oco e surdo, que se sentia nos joelhos, nos cotovelos, na nuca, no esterno. A tristeza era como um ataque de reumatismo, um lento tormento que chegava a parecer insuportável (…) Tinha a sensação de estar a perder o controlo a uma velocidade vertiginosa. De estar a destruir a sua vida cada dia um pouco mais. As articulações voltaram a doer-lhe. Era um sofrimento fantasmagórico, intolerável. Desejava embrutecer-se, anestesiar-se, perder a consciência, esquecer-se de tudo. Dormir eternamente e fugir de si próprio.” (Pág. 174)

Sinopse

“Num cenário de subúrbio, onde a noite reclama o seu território e os fantasmas reivindicam o seu espaço, um taxista viúvo que não consegue superar a perda da mulher, um médico desiludido, uma cientista anciã e uma belíssima prostituta africana sedenta de vida cruzam os seus caminhos, para nos obsequiarem com uma visita guiada ao mundo vertiginoso e convulso que cada um encerra dentro de si.
Mas esta não é uma história de horrores, é antes uma fábula de sobreviventes, de quatro personagens que reúnem todos os elementos necessários para serem considerados uns desgraçados, que se movem nos mundos limítrofes à máfia, ao tráfico de mulheres brancas, e a universos virtuais como Second Life, mas que conseguem encontrar um apoio que lhes permite a remição e a saída das trevas que os mantinham prisioneiros.
Uma intensa e hipnótica história de esperança que deambula entre o humor e a emoção e nos mergulha na sociedade caótica dos nossos dias. Uma história que pode ser a de qualquer um de nós.”

Porto Editora, 2008