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planetamarcia

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Dezembro 10, 2017

Os Loucos da Rua Mazur, de João Pinto Coelho - A minha leitura

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Página 304. Descanso. Só falta um capítulo mas quero parar. O pior já passou, penso. Ou não. O mal, primitivo, que insistimos em achar que não entendemos, fará sempre parte de nós, humanos. Abraço-me e, deitada de lado, com as mãos ao redor dos joelhos, penso. Penso neste livro, que esperei que fosse publicado, mesmo quando o autor dizia que se iria ficar pelo fantástico “Perguntem a Sarah Gross”. Esperei por um livro assim, ainda melhor, muito mais bem escrito (céus, parece obra do diabo a forma como o homem se pôs a escrever), com uma história que sai muito do que eram (provavelmente) as expectativas da maioria, e que surpreende por essa mesma história se converter em muitos temas-filhos (que são o que realmente importa) do aparente tema principal: perseguição aos judeus durante a segunda guerra mundial.

“Os Loucos da Rua Mazur” agrediu-me com a violência dos livros mais bem escritos, que estão por trás das mentes mais iluminadas. Distancia-se do anterior com uma qualidade que eu queria mas não sei se esperava, pois teria de esperar tanto… e, se calhar, o tempo vai-nos ensinando que é melhor esperar pouco.

Estou certa que não agradará a alguns leitores, por não ser tão fácil nem tão imediato como Sarah Gross, por dar tanto, mas só a quem gostar de escavar bem fundo e não tiver medo do que possa encontrar. Aos destemidos garanto material para reflexão, mas ficam por vossa conta no campo da dor; se souberem lidar com o sofrimento fica mais fácil.

Esta é uma leitura muito pessoal, que partilho por não poder não escrever estas linhas. Ando afastada do blogue e das opiniões e, apesar de continuar a descobrir livros, leio-os de outra forma. Se calhar agora é que estou a aprender a ler a sério. Este espaço fica guardado para quando me apetecer voltar.

E agora vou ler o último capítulo. Para já acredito que é o amor incondicional que nos salva. Quando terminar o livro… logo se vê no que acredito.

Sinopse

“Quando as cinzas assentaram, ficaram apenas um judeu, um cristão e um livro por escrever.
Paris, 2001. Yankel - um livreiro cego que pede às amantes que lhe leiam na cama - recebe a visita de Eryk, seu amigo de infância. Não se veem desde um terrível incidente, durante a ocupação alemã, na pequena cidade onde cresceram - e em cuja floresta correram desenfreados para ver quem primeiro chegava ao coração de Shionka. Eryk - hoje um escritor famoso - está doente e não quer morrer sem escrever o livro que o há de redimir. Para isso, porém, precisa da memória do amigo judeu, que sempre viu muito para além da sua cegueira. 
Ao longo de meses, a luz ficará acesa na Livraria Thibault. Enquanto Yankel e Eryk mergulham no passado sob o olhar meticuloso de Vivienne - a editora que não diz tudo o que sabe -, virá ao de cima a história de uma cidade que esteve sempre no fio da navalha; uma cidade de cristãos e judeus, de sãos e de loucos, ocupada por soviéticos e alemães, onde um dia a barbárie correu à solta pelas ruas e nada voltou a ser como era.
Na senda do extraordinário Perguntem a Sarah Gross, aplaudido pelo público e pela crítica, o novo romance de João Pinto Coelho regressa à Polónia da Segunda Guerra Mundial para nos dar a conhecer uma galeria de personagens inesquecíveis, mostrando-nos também como a escrita de um romance pode tornar-se um ajuste de contas com o passado.”

Prémio Leya 2017

Novembro 12, 2017

Uma Coluna de Fogo - Ken Follet

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Há livros que correspondem ao que esperamos deles, e não nos colocam nos braços as desilusões habituais quando as expectativas são demasiado elevadas. Não que não tivesse boas expectativas em relação a este livro, não é isso, mas Ken Follet sabe jogar com a sua própria receita vencedora. E muito bem.

“Uma Coluna de Fogo” é um livro competente, fruto de uma pesquisa exaustiva e metódica que, além de nos apresentar os factos históricos, lhes encaixa habilmente a ficção narrativa. Regressamos a Kingsbridge, o que é fantástico, dado que “Os Pilares da Terra” continua a ser dos meus preferidos do autor, e mesmo voltando ao mesmo local pela terceira vez (“Um Mundo sem Fim” foi a primeira sequela), trabalhando a mesma fórmula que orienta o progresso das personagens, continua a ser um prazer ler um livro (desculpem, um calhamaço) de 767 páginas.

Séculos XVI e XVII, de Kingsbridge para o mundo (mesmo). Os Tudor, guerras religiosas, traição, violência, morte e, claro, amor. Ned e Margery amam-se desde muito novos, sabemos desde a primeira página que vão ser separados (não é spoiler, é óbvio) mas, apesar dos seus percursos diferentes a tantos níveis, não irá o leitor torcer por eles até à última réstia de esperança? É assim gostar de Ken Follet, leva-se umas sovas com as reviravoltas, a tristeza chega quando as hipóteses estão contra o herói, mas há qualquer coisa que nos faz acreditar sempre no impossível. E isso é saber contar uma história.

Sinopse

“Natal de 1558. O jovem Ned Willard regressa a Kingsbridge e descobre que o seu mundo mudou. As velhas pedras da catedral de Kingsbridge contemplam uma cidade dividida pelo ódio de cariz religioso. A Europa vive tempos tumultuosos, em que os princípios fundamentais colidem de forma sangrenta com a amizade, a lealdade e o amor. Ned em breve dá consigo do lado oposto ao da rapariga com quem deseja casar, Margery Fitzgerald.

Isabel Tudor sobe ao trono, e toda a Europa se vira contra a Inglaterra. A jovem rainha, perspicaz e determinada, cria desde logo o primeiro serviço secreto do reino, cuja missão é avisá-la de imediato de qualquer tentativa quer de conspiração para a assassinar, quer de revoltas e planos de invasão. Isabel sabe que a encantadora e voluntariosa Maria, rainha da Escócia, aguarda pela sua oportunidade em Paris. Pertencendo a uma família francesa de uma ambição brutal, Maria foi proclamada herdeira legítima do trono de Inglaterra, e os seus apoiantes conspiram para se livrarem de Isabel.
Tendo como pano de fundo este período turbulento, o amor entre Ned e Margery parece condenado, à medida que o extremismo ateia a violência através da Europa, de Edimburgo a Genebra. Enquanto Isabel se esforça por se manter no trono e fazer prevalecer os seus princípios, protegida por um pequeno mas dedicado grupo de hábeis espiões e de corajosos agentes secretos, vai-se tornando claro que os verdadeiros inimigos, então como hoje, não são as religiões rivais. A batalha propriamente dita trava-se entre aqueles que defendem a tolerância e a concórdia e os tiranos que querem impôr as suas ideias a todos, a qualquer custo.”

Editorial Presença, 2017

Tradução de Isabel Nunes e Helena Sobral

Outubro 05, 2017

Orgulho e Preconceito - Jane Austen

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Sim, é verdade, nunca tinha lido Jane Austen. E está a custar-me escrever sobre esta leitura, não por não ter gostado (que adorei), mas porque me intimida dizer seja o que for acerca de uma mulher que escrevia desta forma há mais de duzentos anos.

Quem sou eu, no terceiro milénio, profissionalmente independente, com ideias claras (acho eu) de igualdade, persistente e resiliente (assim espero), consciente do meu papel no meu próprio futuro (mais ou menos), porque sempre tive todas as condições para ser como sou, para opinar ou comentar sobre uma mulher que já pensava e agia como eu (ou como nós mulheres de hoje) há duzentos anos?

Pois eu que opino sem grande problema sobre o trabalho de escritores vivos, sabendo que alguns deles passam por aqui e me leem, não me sai uma linha sobre este livro tão interessante e que me marcou de uma forma tão especial. Para ser sincera tudo me surpreendeu, desde a escrita à história, as personagens consistentes e envolventes (principalmente Elizabeth e Mr. Darcy, o meu personagem masculino preferido de sempre e se calhar para sempre), a ironia e a acutilância, o subtil sentido de humor.

Li com uma rapidez que me surpreendeu nos meus dias actuais de leitora lenta, sem interrupções para saltar para outros livros. Pois parece que sim, que está tudo nos clássicos. Tenho de me perder mais vezes neles.

Depois da leitura vi o filme. Nada mau mesmo.

Sinopse

“A chegada de vários jovens marca uma profunda transformação na vida de uma família de classe média rural, os Bennets, e em particular na das suas filhas.
Um desses jovens é Darcy, membro da alta sociedade que se distingue pelo seu orgulho. Desenvolve-se uma série de desafios, de equívocos, de julgamentos apressados, que conduzem à mágoa e ao escândalo, mas também ao auto-conhecimento e amor.”

Relógio D’Água, 2014

Tradução de José Miguel Silva

Setembro 17, 2017

Ensaio sobre o dever (Ou a Manifestação da Vontade) - Rute Simões Ribeiro - Opinião

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Quando vi informação no site escritores.online acerca do livro de Rute Simões Ribeiro fiquei de imediato muito curiosa. Uma obra finalista do Prémio Leya (o que inevitavelmente lhe confere um selo de qualidade) em edição de autor não se vê todos os dias. Fiz alguma pesquisa e encontrei o livro na amazon, curiosamente nesse dia o ebook estava disponível para download gratuito e eu não hesitei. E (talvez) porque nestas coisas dos livros acontecem coincidências engraçadas, passados um ou dois dias recebi um e-mail da autora a sugerir-me a leitura de um exemplar físico e uma opinião honesta.

Troco sempre, excepção feita aos calhamaços, uma leitura digital pelo prazer de sentir o livro nas mãos. Quando o livro chegou fiquei muito satisfeita, não sabia que a kindle fazia livros tão bonitos e agradáveis ao toque. A paginação pareceu-me mesmo muito boa e a cor das páginas perfeita. Sim, eu estava impressionada.

Iniciei a leitura. Senti grande semelhança com José Saramago. Animei-me com a perspectiva distópica da narrativa. Embalei-me na história e segui caminho. Rute Simões Ribeiro escreve de forma bastante madura e segura, tem uns apontamentos de humor algo inesperados que muito me agradaram. É incisiva nessas “farpas” que lança à sociedade e requer alguma atenção por parte do leitor, o que não é difícil pois o livro impõe entrega desde a primeira página.

Não me alongo na descrição do enredo pois para isso deixo-vos a sinopse, mas adianto que uma ordem vinda não se sabe de onde exige aos cidadãos a escolha de apenas um sentido em vez dos cinco até então disponíveis (foi reconhecido pelo júri do Prémio Leya como “Os Cegos e os Surdos”). Apesar de nunca nos ser dada orientação geográfica a cronológica, para mim a acção poderia muito bem passar-se em Portugal, na actualidade. Acho muito interessante a opção imposta aos cidadãos (para efeitos literários, claro está) e a forma como o estado os “acompanhou” na escolha do sentido, opção essa tomada sempre considerando o papel de cada um na sociedade, ou seja, como é apanágio de qualquer estado (distópico) sempre em prol do bem comum. Como daqui se vai ali, e das dificuldades nascem forças, a tendência das pessoas acaba por ser a de se unirem de novas formas, como que criando um prolongamento de si próprias apoiando-se nos sentidos disponíveis uns dos outros. Uma ideia bonita, sem dúvida, não fosse esse apoio necessário para consumir as novidades à disposição destas pessoas des-sensoriadas (perdoem-me a invenção, não resisti).

Em suma, um livro com uma ideia bem esgalhada, apoiada em José Saramago, é certo, mas que prova ter pernas para andar sozinha. O desenvolvimento do tema é admirável. Li com constante interesse e espanto. Não é que uma edição de autor tem uma revisão bem melhor do que muitos livros das melhores editoras?

Leiam-no. É só clicar aqui.

Sinopse

“Os cidadãos do mundo inteiro são chamados a tomar uma decisão por uma entidade desconhecida. Têm de escolher um sentido apenas, «a saber», pode ler-se na misteriosa mensagem, «visão, audição, olfacto, tacto, paladar, com exclusão do apelidado sexto sentido, dado que, neste último caso, é o sentido que escolhe o portador, em caso algum podendo ocorrer o inverso». Receando o impacto da escolha livre na organização da sociedade, o governo decide obrigar os cidadãos eleitores a escolherem o sentido determinado em conselho de ministros, sob pena de penalização no rendimento, chamando as pessoas, em nome da nação, ao exercício de um dever colectivo de reorganização após a «extracção dos sentidos». Perante a ordem do governo, os partidos da oposição apresentam moções de censura e os auto-apelidados «guerrilheiros da liberdade» formam «brigadas dos sentidos», ainda que acabando estas por «forçar as pessoas a serem livres». Três personagens principais entrecruzam-se na história, um primeiro-ministro, um guerrilheiro da liberdade e uma mãe, partilhando, de algum modo, sentimentos de dever e de vigilância constante. Após a instituição de novos hábitos, ajustados à nova «ordem de sentidos», o primeiro-ministro depara-se com um inusitado e perturbador pedido do país vizinho, em nome de um antigo acordo a que está vinculado.”

Kindle Edition, 2017

Setembro 10, 2017

O Ladrão que Estudava Espinosa - Lawrence Block

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Os policiais são, quanto a mim, livros de eleição para descomprimir. Como intervalos de leituras mais exigentes (não que estes não o sejam), ou simplesmente porque sim. Adaptam-se sempre a qualquer circunstância. Não leio tantos como gostava, e alguns deles nem chego a trazer aqui para o blogue, mas é um género que me interessa pois, mesmo a relaxar, mantém a cabeça em ebulição.

O que ainda não me tinha acontecido era ler um policial tão bem escrito como este. Literariamente falando. Tenho este tipo de livros como lineares ao nível da escrita, que permitem uma leitura rápida, e trato-os como entretenimento que tanta falta faz.

Percebi que Lawrence Block escreveu um rol de livros de meter inveja e que é muito apreciado pelos fãs (que são muitos). Uma das suas séries mais famosas é a do detective Bernie Rhodenbarr, um ex-ladrão em recuperação, dono de uma loja de livros usados (como não gostar de Bernie?), com um talento nato para abrir toda a espécie de fechaduras. Tive o prazer de conhecer Bernie nesta leitura.

Este livro foi escrito em 1980, e foi engraçado regressar a uma época em que as pessoas contactavam por telefone fixo, não enviavam e-mails nem sms, e marcavam encontros sem dezenas de chamadas de confirmação.

Bernie e a amiga Carolyn vão assaltar uma casa (sim, eu disse que Bernie estava a tentar deixar o vício de roubar) e, a partir daí (como sempre acontece) tudo corre ao contrário do previsto.

Bernie é ardiloso e inteligente, apesar de não parecer está sempre uns passos à frente da polícia (a quem tem de convencer que não matou a dona da casa assaltada que regressou mais cedo do que o previsto) e dos supostos verdadeiros homicidas.

Uma viagem que vai para além do mundo do crime, que apresenta ao leitor um certo glamour em ser ladrão e que o presenteia com detalhes interessantes sobre o (sub)mundo dos receptadores dos valiosos objectos roubados. Tudo isto com uma pitada de sentido de humor muito particular.

A edição é da Cotovia num lindíssimo azul que se estende à parte de fora das páginas. Foram editados mais dois livros do autor, suponho que a colecção não tenha vingado por cá. Garanto-vos que é uma pena.

Sinopse

“Bernard Rhodenbarr é um detective com uma particularidade única: é obrigado a investigar crimes para provar à polícia que não foi ele que os cometeu. Livreiro em Nova Iorque, Bernie cultiva outras paixões, mais lucrativas — como abrir fechaduras sem usar chaves e pilhar a propriedade alheia. Desta vez, o que faz é apropriar-se de uma moeda de cinco centavos — mas um V-Nickel, raridade estimada em meio milhão de dólares. Depois do roubo ocorrem dois assassinatos relacionados com o desaparecimento da peça. De quem desconfia a polícia? Enquanto administra os conflitos entre Carolyn, sua cúmplice, e Denise, sua amante, Rhodenbarr põe em prática um plano para se salvar. Terá de usar todo o seu talento com fechaduras e de procurar nos escritos do filósofo Espinosa as chaves para desvendar o caso, isto é: para continuar apenas com fama de ladrão.”

Cotovia, 2011

Tradução de Maria Helena Rodrigues de Souza

Setembro 03, 2017

O Nome das Árvores - Rui Miguel Fragas

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Poesia. Não costumo ler. E levei mais tempo a ler este livro de setenta e uma páginas do que muitos calhamaços. Em cada frase encontrei tantas coisas que me detive nos contornos das palavras. Deve haver uma magia estranha nestes poemas, que a cada regresso me contavam algo novo. Um livro pequeno que esconde segredos a descobrir em próximas releituras. Um livro que é um poema.

Dos contos fantásticos aos poemas mágicos, fica a vontade de continuar a descobrir o autor.

Recomendo sem reservas.

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 Poética Edições, 2014

Agosto 12, 2017

Todos os Fogos o Fogo - Julio Cortázar

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Há o antes e o depois dos acontecimentos que nos marcam e eu, de alguma forma, saí da leitura de Todos os Fogos o Fogo diferente daquilo que entrei. Haverá sempre o tempo em que eu não conhecia Cortázar e os livros que se seguem. E agora, que o meu olhar mudou, como vai ser?

Diz que é isto a literatura.

Sinopse

“Imagine-se uma dessas longas filas de automóveis parados na auto-estrada às portas de uma grande cidade para desespero dos automobilistas; e que os minutos e as horas de espera se transformam em dias, e estes em semanas e depois em meses, convertendo o espaço circundante numa espécie de não-lugar familiar; neste tempo e lugar suspenso, nascem amizades e disputas, os automóveis transformam-se em hospitais de campanha, em alcovas, em bares, organiza-se uma nova sociedade. É este o tema do famoso conto, «A Auto-estrada do Sul», adaptado ao cinema por Jean-Luc Godard, que abre o presente volume. Seguem-se outros não menos famosos, num total de oito, onde Julio Cortázar demonstra, uma vez mais, a sua enorme mestria em (con)fundir passado e presente, sonho e realidade, criando ambientes ficcionais únicos, onde as tensões e os medos da vida quotidiana se sublimam em aparentes novas realidades.”

Cavalo de Ferro, 2017

Tradução de Alberto Simões

Agosto 06, 2017

O Motorista de Autocarro que queria ser Deus - Etgar Keret - Opinião

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Depois de Sete Anos Bons, em que me estreei com a escrita de Etgar Keret, avancei para a aventura de O Motorista de Autocarro que queria ser Deus. E que aventura. Depois de uma leitura que me remeteu para o círculo mais pessoal do autor, a família, e que me sensibilizou bastante em algumas das fantásticas descrições, sinto que caí de cabeça naquilo que é a reconhecida escrita de Keret, os contos (muito) curtos em que o insólito acabou por me apanhar sempre desprevenida.

Keret é surpreendente e dono de uma imaginação única. Alguns dos contos são agradavelmente desconcertantes e o rumo das histórias completamente imprevisível. Ideal para quem quer levar um abanão, ficar de boca aberta, e não tiver medo de surpresas.

Há de tudo um pouco, principalmente daquilo que nunca viram. Não agradará a todos mas vale bem a pena o risco.

Espero sinceramente que a Sextante continue a publicar a obra do autor em Portugal.

Sinopse

“Minimalistas, fantásticas, provocadoras, estas quarenta e oito «histórias-clip» de Etgar Keret são outros tantos mergulhos num universo literário surpreendente. Escritas em estado de urgência, de respiração suspensa, elas brincam com a verosimilhança, fazem explodir as deixas esperadas, confundem pistas, e a sua temível brevidade só as torna mais aptas para abraçar o inquietante absurdo de um mundo à deriva.
Etgar Keret, o escritor israelita mais insolente e salutar da sua geração, inventou uma escrita realmente singular: a da violência instantânea, quotidiana, que anda a par do seu antídoto - um punhado de valores sem os quais não poderemos falar de Humanidade.”

Sextante Editora, 2017

Tradução de Lúcia Liba Mucznik

Julho 24, 2017

O Homem Domesticado - Nuno Gomes Garcia - Opinião

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Foi com grande expectativa que comecei a ler O Homem Domesticado. Não só por ter gostado bastante do livro anterior do autor, O Dia em que o Sol se Apagou, mas porque a temática me interessa bastante.

Com linguagem mais simples, O Homem Domesticado, lê-se rapidamente. Confesso que a linguagem algo complexa do livro anterior me agradou muito. Mas percebo que um livro com uma temática distópica tenha de chegar ao leitor de forma diferente, mais realista e de acordo com a época em que se passa a acção.

Gosto de livros arriscados, e este tem uma componente de risco significativa. Vejamos, representa uma mudança de direcção em relação ao livro anterior, é arrojado, pois apesar de as histórias distópicas terem uma boa aceitação por parte dos leitores (pelo menos dos leitores que eu conheço), não há muitos autores portugueses que se aventurem por tais cenários.

Nuno Gomes Garcia sai de uma zona mais cómoda e arrisca (muito bem) numa história em que os homens são domesticados pelas mulheres. Eles fracos e frágeis, elas dominadoras, uma espécie de donas destes homens todos iguais, como que fabricados em série. Não há sexo, não há carinho, amor ou amizade. Há regras para tudo, que têm de ser criteriosamente respeitadas. Há, obviamente, o controlo característico de narrativas deste género.

Não sei até que ponto este livro pode sair prejudicado pela série The Handmaid’s Tale, baseado no livro de Margaret Atwood, dado que as semelhanças são óbvias, apesar de aqui os “servos” serem os homens. Se assim for, tenho pena, pois mais do que A História de uma Serva versão masculina, O Homem Domesticado tem uma amplitude diferente. A liberdade que é vedada aos homens, atinge aqui as mulheres de modo subtil, arrastando-as para uma escravatura diferente da dos homens, mas escravatura na mesma. Espero que os leitores lhe deem o benefício da dúvida antes de o rotularem como cópia invertida. Que não é.

A história tem um desenvolvimento interessante e inverso ao que se poderia supor, pois se nem sempre uma voz solitária consegue ser ouvida, poderá ser suficiente para faze ruir toda esta construção de sociedade? O pensamento e a liberdade, aqui de mãos dadas, poderão atacar as fragilidades desta estrutura? Como se reaprende a pensar? Ou perdeu-se tudo aquilo que entendemos como humanidade?

Um livro que pergunta mais do que responde, que levanta questões às quais não damos atenção suficiente. Não estaremos nós, nas nossas correrias, afazeres e compromissos, desviados cada vez mais do essencial? Se optarmos por continuar a adiar a reflexão e o pensamento, não estaremos a caminhar, de livre vontade, para a nossa própria distopia?

Leiam-no e pensem.

Sinopse

“Desde o tempo em que Marine alcançou o poder, dando início a uma nova era, a sociedade foi-se progressivamente desumanizando: os conceitos de amor e de amizade deixaram de fazer sentido, os prazeres são malvistos e o sexo está proibido pelo novo regime totalitário, até porque a reprodução passou a ser padronizada e desenvolvida artificialmente em laboratórios. 
As mulheres tornaram-se senhoras do mundo e submeteram os homens à condição de escravos - machos domesticados que, vivendo no medo e na ignorância, lavam, cozinham, obedecem, calam, saem à rua cobertos da cabeça aos pés.
A cidadã Francine Bonne é aconselhada pelas autoridades a escolher um segundo marido, depois de Pierre ter sido considerado um peso morto; mas desconhece que, ao trazer para casa um macho que foge ao cânone e cuja origem está envolta em mistério, a sua vida e a de Pierre sofrerão uma absoluta transformação. A ponto de o regime se sentir abalado com a possibilidade de um suposto retrocesso civilizacional…
Amores proibidos, subversão, crime, reeducação coerciva - tudo se combina magnificamente neste romance a um tempo sensual e cerebral: uma distopia à maneira de 1984, de George Orwell, que reflete de forma lúcida e desafiante sobre as problemáticas que caracterizam a sociedade atual.”

Casa das Letras, 2017

Julho 23, 2017

Eu Confesso - Jaume Cabré - Opinião

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Eu Confesso foi, sem dúvida, a minha melhor compra da Feira do Livro de Lisboa deste ano. Numa noite de passeio, sem expectativas de compras, passei pelo stand da Tinta-da-China durante a Hora H (sim, sempre a viver no limite).

Ora, o Eu Confesso com 50% de desconto? Quem é que o deixava lá? Eu não. Ainda não tinha lido Cabré, as referências eram (e são) fenomenais, e estava na minha lista há tempo suficiente para pegar nele sem hesitar. Mas ainda hesitei um pouco, fiz-me difícil com o livro, lamentei-me de estar a ficar sem espaço, dei mais uma voltinha, e voltei, fraca, para consumar o inevitável.

Despois desta introdução e depois da leitura, escrever sobre este livro é uma tarefa muito complicada. É tão complexo e sensacional que nem sei por onde começar. E mesmo que soubesse não saberia como o fazer. Cabré abusa de uma liberdade que eu não conhecia. Eu nem sequer sabia que era possível escrever assim, sem medo, sem regras (pelo menos as regras que eu sabia), desrespeitando espaço e tempo num jogo constante com o leitor em que este ganha. Ganha a leitura da sua vida se se souber (ou se deixar) entregar a Eu Confesso como se mais nada houvesse na vida.

Disseram-me que não é para todos os leitores. E não é. É preciso merecer ler esta história, fazer por merecer, deixar que se entranhe um pouco mais a cada página para ficar lá, no lugar dos livros da nossa vida.

Adriá lá ficará para sempre. Assim como esta história sobre conhecimento, sabedoria, amor, dor, guerra, morte. Espanha e o mundo. Presente e passado, muitos passados. E um violino.

Gostava de vos contar mais, de o descrever melhor (enfim, de o descrever simplesmente), mas não sei como. Por isso fica o desafio, não o deixem escapar.

Preparem-se e leiam-no. Merece todo o vosso empenho.

Sinopse

“Na Barcelona franquista, o pequeno Adrià cresce num amplo e sombrio apartamento; o pai está determinado a transformá-lo num humanista poliglota, a mãe, num violinista virtuoso. Brilhante, solitário e tímido, o rapaz procura satisfazer as ambições desmesuradas que depositam nele, até ao dia em a morte violenta e misteriosa do pai o leva a questionar a origem da fortuna familiar. Meio século depois, Adrià recorda a sua vida, indissociável do turbulento percurso de um violino excepcional. Da Inquisição ao nazismo, de Barcelona ao Vaticano, vai-se desvelando a cruel história europeia: uma cadeia de eventos iniciada na Idade Média, com repercussões trágicas até à actualidade.”

Tinta-da-China, 2016

Tradução de Maria João Teixeira Moreno