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planetamarcia

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Abril 25, 2016

Gramática do Medo - Maria Manuel Viana e Patrícia Reis - Opinião

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Mais um para o grupo dos livros que me deixa no vazio das palavras. Contudo os sentimentos que vivi ao lê-lo são reais, e é através deles que espero chegar às palavras.

Senti muito amor e muito medo. O amor de Sara e Mariana enche todas as páginas, um amor sincero e familiar, da família que a vida oferece, normalmente de forma casual, como aconteceu com elas. Um amor que escolhe e acolhe, e que as fez escolher uma à outra.

E depois o medo. O medo começa na capa, como um aviso de sombras, um alerta aos sentimentos mais belos, pois nem esses dão imunidade ao sofrimento. Mesmo sem saber do que havia de ter medo, já tinha, porque ele está sempre lá, até nas descrições dos sorrisos e confidências das amigas, esperamos que chegue, o medo, se calhar já na próxima página.

Por vezes deixava o marcador do livro, esquecido, ao meu lado. Imagem da capa focada na intensidade dos olhares de duas mulheres. São parecidas. Talvez como Sara e Mariana, que se misturam, e confundem, passando uma pela outra devido, possivelmente, a uma parecença feita do conhecimento mútuo e profundo. A força da imagem fazia-me virar o marcador ao contrário. É uma capa extraordinariamente bem conseguida, a arte tem de incomodar.

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Mariana desaparece. Depressa chega a prometida página do medo.

A história tem de ser lida, por isso não me alongo por aqui com ela. Comigo ficou a força de um livro escrito de forma hábil por duas mulheres que admiro e de quem acompanho o trabalho. Maria Manuel Viana e Patrícia Reis não desiludem, escrevem com a força das mulheres que sabem o que querem, sobre mulheres que assumem o medo, sabendo que não havendo medo (mesmo que só um pouco) não haveria coragem.

“Só que o elemento primordial, o que aqui está em causa, não é tanto o ser e a sua essência, o ente e a existência, a radicalidade da questão ontológica, o jogo de linguagem, mas a palavra fundamental, medo, o medo que tudo cobre, porque ela sabe que no princípio está o medo e no fim, quem poderá sabê-lo?” Pág. 113.

Sinopse

“Amigas inseparáveis, Mariana e Sara partilham tudo desde que se conhecem (um curso de teatro e cinema, uma carreira difícil, amigos, ex-namorados, dinheiro e um quotidiano nem sempre fácil), até ao dia em que uma delas desaparece, misteriosamente, durante um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Poucas são as pistas que deixa atrás de si mas, numa demanda que a irá levar a correr mais de metade da Europa, Sara tenta encontrá-la. O que vai descobrindo leva-a a perceber que, afinal, há muita coisa na vida da amiga que desconhece. Porque desapareceu Mariana, que fantasmas a perseguiam, do que quis fugir? Numa viagem simultaneamente interior e geográfica, esta é também a história do desaparecimento do sujeito na civilização actual, da dissociação da vida comum, da fragmentação da memória e da ténue fronteira entre ficção e realidade.”

D. Quixote, 2016

Conheçam aqui o trabalho de Dino Valls, autor da imagem da capa.

Março 08, 2015

Teoria dos Limites - Maria Manuel Viana - Opinião

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Escrever uma opinião sobre este livro deixa-me em pânico. Não escrever deixa-me triste e frustrada, porque gostei tanto e é justo que o diga e escreva.

A parte do pânico é mesmo por se tratar de um livro genial, e sei que nada do que eu escreva será suficiente. Além de que é um livro complexo, tão complexamente interessante, que não me atrevo sequer a tentar explicar do que se trata. Pois consigo imaginar o fracasso de me aventurar a delirar sobre Leibniz, teorias matemáticas e filosofias, as gaffes, os erros, os ovos podres na minha cara.

Sim. Sim, confirmo que não entendi tudo. Tenho pena mas é verdade. A Teoria dos Limites sugere-me tantas dúvidas e novas questões sobre a sua aplicação às personagens deste livro, à acção, ao enredo, à vida real, que me sinto esmagada pela minha própria ignorância e pela felicidade de tudo o que existe para aprender.

Como leitora (acho que) reconheço o brilhantismo quando o encontro, ou quando o brilhantismo vem ter comigo, que foi o caso. A perícia da escrita. A magnífica construção da narrativa em diferentes perspectivas da acção. A habilidade de manter o interesse no livro contando o mesmo ao longo de tantas páginas, focando o mesmo momento através de olhares e sensações diferentes. Eu vivi tantas vezes a mesma coisa e senti sempre tudo como se fosse a primeira vez. Por vezes foi algo cinematográfico, visto do lado da realização (como imagino que possa ser), a sequência de cenas, a construção do todo, os cortes e novas tentativas até chegar a este livro, a este todo feito de peças, que vale, acima de tudo, para mim, pela escrita diabolicamente perfeita.

Imperdível para todos os que buscam formas de se maravilharem.

Sinopse

“A realidade é muito mais inverosímil do que a ficção, diz, a certa altura, uma das personagens deste romance. O aqui narrado parte da concepção fantasmática de um génio, uma espécie de mundo de ficção científica, com dois universos paralelos habitados por mónadas, essas substâncias simples, esses pontos metafísicos, essas individualizações infinitamente pequenas, como quartos sem portas nem janelas dentro de uma pirâmide cuja base tenderia ao infinito, onde bastaria uma ínfima coisa para passar de uma realidade para outra, e onde cada um de nós vê o seu duplo e pode escolher entre ser herói ou banal, amar ou resignar-se, sentir prazer ou raiva com a felicidade alheia, lutar pela liberdade ou jogar as regras do jogo, viver com dignidade ou ser passivo, aceitar a ignomínia ou revoltar-se, julgar o outro pondo-se no lugar dele, adoptar muitas perspectivas para perceber o todo, perguntar-se em que é que a ficção supera a realidade, se na beleza ou na construção não tão utópica quanto poderia parecer do melhor dos mundos possíveis.”

Teodolito, 2014

Lido através de Roda dos Livros - Livros em Movimento