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planetamarcia

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Junho 23, 2013

O Sentido do Fim - Julian Barnes - Opinião

 

Um livro de que esperava bastante e que não me desiludiu. A escrita de Julian Barnes é quase perfeita, são alinhamentos de palavras cheios de sentido e significado, frases contundentes que quero reler muitas vezes.

Um estilo muito próprio, que já me tinha convencido em “Nada a Temer”, e se mantém neste “Sentido do Fim”. Escrito na primeira pessoa, esta é uma dissertação sobre a vida e sobre o passado, quando se chega ao ponto em que se sabe que já se viveu mais do que o que se tem para viver.

Tony medita sobre o passado, tem tempo pois está reformado. Recorda situações da juventude e as suas implicações nos amores e na amizade. Sabe que não pode voltar atrás mas quer voltar, redimir-se dos erros, encontrar paz e verdade. Questiona o seu percurso, coloca em causa o seu casamento falhado e pondera se não terá deixado a vida passar calmamente por ele enquanto assistia, acomodado, aos seus dias todos iguais.

Um estranho testamento vem acordar estas dúvidas e a procura de respostas levam-no de encontro a um Tony que ele já não tinha presente. Um Tony que foi maldoso, fez sofrer, mas que também se deixou esmagar sob a força das outras pessoas.

Não tanto sobre a temática da morte como “Nada a Temer”, mas sem dúvida sobre o fim que nos espera a todos, que neste livro Barnes não chama de morte. Sobre a certeza de que tudo termina e a consciência que o tempo nos faz ganhar desse destino que podemos ter como certo.

Um livro que recomendo sem reservas pelo seu conteúdo pleno de sentido, e também pela admirável forma que está escrito.

“Nessa altura eu já tinha saído de casa e começado a trabalhar como estagiário em administração. Depois conheci Margaret; casámos e três anos depois nasceu Susie. Comprámos uma casa pequena com uma hipoteca grande; eu ia e voltava de Londres todos os dias. O meu estágio transformou-se numa carreira longa. A vida foi passando: Um Inglês qualquer disse uma vez que o casamento é uma refeição longa e sem sabor com o pudim servido como entrada. Acho que é excessivamente cáustico. Gostei do meu casamento, mas era talvez demasiado parado – demasiado pacífico – para me ser benéfico.” (Pág.60)

“E é assim a vida, não é? Alguns êxitos e algumas deceções. Para mim foi interessante, mas não lamento nem me espanto por outros acharem menos do que isso. Talvez, de certa maneira, Adrian soubesse o que fazia. Mas por nada eu deixaria fugir a minha vida, creiam.

Sobrevivi, “Ele sobreviveu para contar a história” – é o que as pessoas dizem não é? A história não são as mentiras dos vencedores, como uma vez, sem hesitar, garanti ao velho Joe Hunt; agora sei-o. São mais as memórias dos sobreviventes, dos quais a maioria não é vitoriosa nem vencida.” (Pág.62)

“Parece-me que pode ser esta uma das diferenças entre a juventude e a idade: quando somos jovens, inventamos futuros diferentes para nós; quando somos velhos inventamos passados diferentes para os outros.” (Pág.86)

“Do ponto de vista de Adrian, eu desistia da vida, desistia de a examinar, tomava-a como a vida. E assim, pela primeira vez, comecei a sentir um remorso mais geral – um sentimento algures entre autopiedade e aversão a mim próprio – em relação à minha vida toda. Toda. Tinha perdido os amigos da minha juventude. Tinha perdido o amor da minha vida. Tinha desistido das ambições que acalentara. Tinha querido que a vida não me incomodasse demasiado, e tinha conseguido – e como isso dava pena!” (Pág.104)

“Os que negam o tempo dizem: quarenta é nada, aos cinquenta estamos na flor da idade, sessenta são os novos quarenta, e por aí fora. Uma coisa eu sei: que existe o tempo objetivo, mas também o tempo subjetivo, aquele que se traz no interior do pulso, junto ao lugar da pulsação. E este tempo pessoal, que é o tempo verdadeiro, é medido na nossa relação com a memória. Por isso, quando aconteceu esta coisa estranha – quando estas novas memórias de repente me caíram em cima – foi como se, durante esse momento, o sentido do tempo se invertesse. Como se, durante esse momento, o rio corresse para a nascente.” (Pág.125)

Sinopse

“Tony Webster e a sua clique só conheceram Adrian Finn no fim do liceu. Famintos de livros e de sexo, e sem namoradas, viviam esses dias em conjunto, trocando afetações, piadas privativas, rumores, e mordacidades de todo o género. Talvez Adrian fosse mais sério do que os outros, e seria certamente mais inteligente. Mesmo assim juraram que ficariam amigos para o resto da vida. Tony está agora reformado. Teve uma carreira, um casamento e um divórcio amigável. E nunca fez nada para magoar ninguém - ou pelo menos acredita nisso. Mas a chegada da carta de uma advogada desencadeia uma série de surpresas e acontecimentos inesperados que lhe vão mostrar que a memória é afinal uma coisa altamente imperfeita O Sentido do Fim, o mais recente romance de Julian Barnes e livro recém-galardoado com o Man Booker Prize 2011 - é a história de um homem que se confronta com o seu passado mutável. Com marcas da literatura inglesa clássica - na apreciação do júri que o distinguiu - O Sentido do Fim constrói, com grande delicadeza e precisão, uma trama tensa, forte, e revela a mestria de um dos maiores escritores dos nossos tempos.”

Quetzal, 2012

Janeiro 20, 2013

Nada a Temer - Julian Barnes - Opinião

“O Sentido do Fim” é provavelmente o livro mais conhecido de Julian Barnes. Ainda não li. Mas tendo surgido a oportunidade de ler outro título do autor, aproveitei para me dar a mim própria a conhecer o que é “considerado um dos mais relevantes escritores britânicos do nosso tempo”.

Na capa uma expressão quase como uma imposição: “Quando se tem medo da morte, há um romance que se deve ler: este.”

Eu não sei bem se tenho medo da morte. Quer dizer, acho que todos temos medo do que desconhecemos. Apesar de sabermos que vamos morrer, o que aqui está em causa é o como. Será que vamos sofrer durante muito tempo? Estaremos sozinhos? Deve haver qualquer coisa que não nos faz pensar demasiado nisso, caso contrário estaríamos em constante sobressalto a temer o fim, pois que para morrer só uma coisa é necessária: estar vivo.

“Nada a Temer” é uma espécie de ensaio, uma dissertação sobre a morte, que acaba por ser um livro sobre a vida, sobre a forma como se vive com a perspetiva da morte.

O autor partilha algumas situações bastante pessoais, e estas foram as minha partes preferidas deste romance. Conhecemos alguns episódios da sua vida e da sua experiência, dá exemplos da vida familiar e da sua própria infância; se calhar só possíveis de partilhar por já ter os pais mortos, aqui senti que a morte funciona, para ele, como algo libertador. Os filhos poderão ser um prolongamento da vida? Surgem questões sobre como agradar e estar à altura do que é esperado de nós, como filhos, e do que esperamos dos nossos filhos como o futuro, como o que fica de nós depois de desaparecermos.

Apreciei menos as partes ilustradas com exemplos de vida de outros escritores ou de figuras que não conhecia, talvez por não me sentir à vontade e por não estar a par das vidas e do trabalho dessas figuras, achei estas partes um pouco maçadoras.

Por vezes senti que tudo poderia servir de base a Barnes para escrever sobre a morte, mas não como uma obsessão, até porque o tema acaba por se tornar estranhamente positivo, morrer como uma necessidade da natureza e todos vamos contribuir. Estranho? Doentio? Acho que não. Acima de tudo o brilhantismo literário que alguém que acredito possa escrever sobre qualquer coisa, aprofundar qualquer tema e fazer o leitor pensar, e até sentir que está a participar, tal a intensidade com que tenta acompanhar o ritmo e a exposição de pensamentos.

Um livro que li devagar, concentrada, só quando tinha total silêncio. Não parei de me surpreender a cada página com a sublime construção de frases e forma particular de expor ideias.

Sinopse

“Nada a Temer é, entre muitas coisas, uma memória de família, um diálogo com o irmão filósofo, uma meditação sobre a mortalidade e o medo da morte, uma celebração da arte, uma discussão com e sobre Deus e uma homenagem ao escritor francês Jules Renard. E aos pinguins.”

Quetzal, 2011