Junho 24, 2012
Verão Quente - Domingos Amaral - Opinião
Já referi diversas vezes como gosto de divulgar os autores nacionais. Editam-se muitos livros diariamente mas o equilíbrio entre o que se escreve por cá e as traduções é pouco justo, a meu ver. Ainda por cima com tanto potencial nacional e com uma língua tão bonita como é a língua portuguesa. Fico feliz quando leio mais um livro que representa uma aposta nos “nossos” e, principalmente quando me agrada, o que é o caso.
Na quarta-feira passada assisti à sessão de apresentação deste livro. Saí de lá com a sensação que se tinha falado demais sobre o livro, pelo menos para quem ainda não o tinha lido. Confesso que preferia ter iniciado a leitura sabendo menos, ou talvez tivesse sido preferível ter ido ao lançamento com o livro lido. Mesmo agora, ao escrever este texto, receio deixar-me influenciar pelos comentários desse dia.
Este é o segundo livro que leio de Domingos Amaral. Achei-o consideravelmente melhor do que “Enquanto Salazar Dormia”. “Verão Quente” manteve o meu interesse constante, li as cerca de 300 páginas durante este fim-de-semana. O poder que um livro tem de nos prender, de nos agarrar realmente, é único.
A escrita do autor é simples e fluída, nada de “berlicoques” nem invenções, o que é, é. Gosto disso. O melhor é a história, reveladora de uma imaginação e criatividade muito ricas, que associadas aos conhecimentos da nossa História recente, tece uma teia de mistério num livro que é uma espécie de romance policial.
Um crime ocorreu em 3 de Agosto de 1975, na Arrábida. Julieta, uma jovem mãe na altura, é considerada culpada e fica 16 anos presa. Julieta sofre um acidente na cena do crime e não se recorda do que se passou nesse dia. Fica magoada e em coma. Recupera de todas as maleitas físicas menos de uma cegueira que dura 28 anos. Inexplicavelmente a sua visão recupera e, é pelos “novos” olhos de Julieta que vamos também nós vendo as mudanças que, em 28 anos, ocorreram em Portugal.
Confesso que, a partir de certa altura, achei ter descoberto a identidade do assassino. Mas a verdade é que só a partir de uma certa fase (muito perto do final) é que é possível identificar o culpado, o que é bom.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, não foi o enredo que mais me tocou neste livro. Foi sim a forma como o autor nos oferece um pedaço importante da nossa História, tão pouco divulgada junto dos mais jovens, mas tão importante e tão marcante para a geração anterior, a dos meus pais, a quem tantas vezes ouvi contar o que aconteceu nesses anos que antecederam e seguiram a revolução de 1974.
Apreciei a imparcialidade e o rigor. O facto de haver personagens para “contar” todas as versões dos factos, à luz das várias ideologias e tendências políticas. Eu não vivi essa época e a escola nada me ensinou sobre ela. O que sei foi o que me contaram, o que fui ouvindo, o que fui comparando conhecendo pessoas de diferentes partidos políticos, e o que livros como este vão acrescentando e ligando algumas pontas soltas. Este livro é um documentário histórico que se lê com a envolvência de um romance. Está de facto muito bem conseguido pelo que o recomendo sem reservas.
Confesso que as personagens femininas de Julieta e Redonda, sua filha, me irritaram por diversas vezes. Gosto quando as personagens me irritam, significa que não me são indiferentes. Ficam comigo depois de fechar o livro e continuo a remoer nas suas atitudes. Como mulheres achei-as por diversas vezes parvas e tontas, fúteis e idiotas. Mas não é menos verdade que, com o decorrer da ação, vão surgindo os motivos para determinadas atitudes. Os homens, principalmente o narrador, sucumbe com demasiada facilidade às investidas e manipulações da ala feminina. Enfim, há uma espécie de “guerra de sexos” constante, o que é algo intemporal, e desconfio que até eterno! Ora cá está mais um facto histórico muito bem desenvolvido pelo autor!
“Verão Quente” começa-se e acaba-se. Lê-se com sofreguidão, quer chegar-se ao fim, e depois lamenta-se já ter acabado. Gostei muito.
Sinopse
“Em 1975, no auge do Verão Quente, com Portugal à beira de uma guerra civil, Julieta é encontrada inanimada e cega, depois de cair pela escada, na sua casa de família na Arrábida. E, num dos quartos do primeiro andar, são descobertos, já mortos, o seu marido, Miguel, e a sua irmã, Madalena. Seminus e ambos atingidos com duas balas junto ao coração, as suas mortes levam o tribunal a condenar Julieta pelo duplo homicídio. Vinte e oito anos depois, em 2003, a cegueira traumática de Julieta desaparece e ela volta a ver. Começa também a recordar-se de muitos pormenores daquela tarde trágica em que aconteceu o crime, e em conjunto com Redonda, a sua bonita filha, e o narrador da história, vão tentar reconstituir e desvendar o terrível segredo da Arrábida, que destruiu aquela família para sempre. Quem matou Miguel e Madalena e porquê? Será que eles eram mesmo amantes, como a polícia suspeitou? Será que Julieta descobriu a traição infiel do marido e da irmã? Ou será Álvaro, ex-marido de Madalena e um dos «Capitães de abril», o mandante daquele crime?”
Casa das Letras, 2012