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planetamarcia

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Dezembro 10, 2016

Uma Terra Prometida, Contos sobre refugiados - Vários autores - Opinião

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Gostava apenas de deixar algumas linhas sobre este livro. Poucas, para não correr o risco de escrever demais, dado que o tema a isso se proporciona.

Acima de tudo quero dizer, mais uma vez, que me agrada ver publicados livros de contos de autores portugueses. São poucos, para já, mas acredito (ou gosto de acreditar) que surjam mais.

Gosto bastante deste tipo de antologias que reúnem várias vozes em redor de um tema comum. Gosto de ler várias perspectivas de uma mesma situação, ou descobrir novas visões de um mesmo tema.

O tema dos refugiados dá pano para mangas e este livro é disso demonstrativo. Actualmente pensamos de imediato, e inevitavelmente, na situação da Síria, mas qualquer um de nós pode, a dada altura, precisar de refúgio*.

*Espaço físico que oferece condições de segurança e estabilidade.

Desafio-vos a ler este livro. Não é muito conhecido, nem teve a merecida divulgação, mas existe. E ainda bem.

Não gosto muito de me pronunciar sobre contos preferidos, ainda por cima com uma panóplia de autores fabulosos, como é o caso, mas tenho de destacar o conto da Cristina Carvalho. Encheu-me as medidas.

Sinopse

“A IN apresenta a sua primeira recolha de contos, dedicados à temática dos refugiados e da autoria de: Afonso Cruz, Ana Margarida de Carvalho, Carlos Vaz Ferraz, Cristina Carvalho, Filomena Marona Beja, José Fanha, Miguel Real, Nuno Camarneiro, Sérgio Luís de Carvalho. Nove histórias que nos conduzem pelas galerias subterrâneas do medo e do desespero, sobre a fuga e a perda, o caminho e o perigo, sobre o recomeço, ou o fim definitivo. Histórias que, por nos falarem dos limites do humano, muito além dos laços culturais, geográficos ou religiosos, poderiam, afinal, ser sobre qualquer um de nós.”

IN Edições, 2016

Uma leitura Roda dos Livros - Livros em Movimento

Fevereiro 23, 2014

Que Importa a Fúria do Mar - Ana Margarida de Carvalho - Opinião

 

Recentemente disseram-me que não consigo falar mal de um livro. Eu consigo mas não perco o meu tempo a ler livros que não me agradem.

Mas admito as minhas limitações a comentar um livro como “Que Importa a Fúria do Mar”. E pronto, aqui fico a olhar para o cursor a piscar e apenas dois pensamentos me vêm à mente: 1. Dificilmente lerei um livro melhor este ano (e ainda só estamos em Fevereiro); 2. Sinto-me uma completa nulidade perante a grandeza da escrita de Ana Margarida de Carvalho. É nestas alturas que eu, pequenita humilde aspirante a escritora, perco toda e qualquer esperança de lá chegar. Isto é mais que escrever bem. É escrever, isto é realmente saber escrever. Sinto inveja (da boa) e sorte por este livro me ter escolhido. E sinto orgulho por se escrever tão bem em Portugal, e claro, por ser uma Senhora a segurar a pena. Pronto, com esta da pena aniquilei mesmo o sonho remoto de escrever, que saída tão parva.

Acho que me saía melhor a escrever mal de um livro. Até teria sido mais fácil ler um só para escrever um texto de jeito. Mas o prazer de ler um livro com uma escrita de topo, que me deixou sem palavras e me fez perder a capacidade de articular frases com lógica, tem o seu preço. E eu pago. Pago com a fúria que me pegou este livro de fúrias, escrito com fúrias e em vários andamentos. Pago ao sujeitar-me a deixar que este livro fizesse de mim o que bem quis, me tratasse como uma marioneta em que as emoções foram sendo injectadas sem ritmo certo ou previsível, que me torturou de prazer por ser uma misturada caótica de factos reais e delirantes, imaginação, pensamentos, divagações e dissertações.

Pago tudo e sujeito-me a ler mais vezes as minhas passagens preferidas, que são quase todas, pois que mal pude largar o lápis com tantas ganas de sublinhar.

Do início confuso, com capítulos aparentemente independentes ao final angustiante, compulsivo e marcante, senti um misto de coisas que não se podem descrever. Um livro que tanto nos bate como abraça. Lindo até provocar dor. Deixou-me admiravelmente de rastos. Surpreendida. Feliz.

“Gosta desta ideia a jornalista, do rio como um caminho. É a metáfora perfeita para a vida, acha ela. Nasce e corre para a morte. Para a dissolução da salinidade, da indiferenciação e do esquecimento. Do pó ao pó. Da água às águas. Os rios nunca voltam para trás. (…) Gosta de pensar que num pingo de água da chuva pode estar diluído, na mais ínfima proporção, um resíduo de Niágara ou da Foz do Iguaçu.” (Pág. 55)

“(…)levava a semana a acumular maçadorias, vulgaridades, substâncias tóxicas e outras impertinências, e depois chegava-lhe a tristeza à sexta-feira. Desabava o céu inteiro em cima dela. É o que dá ter tempo para pensar.

Estava farta de gente medíocre, conversas parvas, faltava-lhe a indulgência para com os pobres de espírito, também não era nenhuma Rainha Santa Isabel para andar a distribuir papos-secos aos indigentes…Que se lixem. Que se lixem todos.” (Pág. 90)

“O mar é a mais líquida, a mais extensa e a mais habitada das metáforas. Transparente, mas parece azul por reflexo do céu. Também pode ser verde, depende das algas transportadas ou do grau de poluição. Tem os abismos do subconsciente, a metamorfose contínua da superfície. Tem grutas e recifes de coral. Destroços de naufrágios, despojos da humanidade a boiar. Às vezes, convulsiona-se, outras, estagna-se. Erguem-se vagas que se elevam a dezoito metros de altura, outras calmarias de tédio e sudação. Em poucos minutos ensaia-se uma tempestade, emissária das fúrias dos deuses, depois tudo se dissipa como uma bruma imponderável. Recomeça sempre, ondulação sem repouso, em cada onda um reinício do ciclo eterno, com a cadência de um verso. Tudo transita, tudo recomeça, tudo se dissolve, tudo se funde na ambivalência. É povoado por excêntricas criaturas, cardumes, espécies comedoras e espécies comidas, anémonas, medusas, crustáceos, florestas submarinas, sereias, baleias gigantes. É navegada por Caronte, Jonas devorado pela baleia e depois vomitado, por Ulisses, Calipso e outros argonautas. O mar é literariamente arável.” (Pág. 137)

Sinopse

“Numa madrugada de 1934, um maço de cartas é lançado de um comboio em andamento por um homem que deixou uma história de amor interrompida e leva uma estilha cravada no coração. Na carruagem, além de Joaquim, viajam os revoltosos do golpe da Marinha Grande, feitos prisioneiros pela Polícia de Salazar, que cumprem a primeira etapa de uma viagem com destino a Cabo Verde, onde inaugurarão o campo de concentração do Tarrafal. Dessas cartas e da mulher a quem se dirigiam ouvirá falar muitos anos mais tarde Eugénia, a jornalista encarregada de entrevistar um dos últimos sobreviventes desse inferno africano e cuja vida, depois do primeiro encontro com Joaquim, nunca mais será a mesma. Separados pelo tempo, pelo espaço, pelos continentes, pela malária e pelo arame farpado, os destinos de Joaquim e Eugénia tocar-se-ão, apesar de tudo, no pêlo de um gato sem nome que ambos afagam e na estranha cumplicidade com que partilham memórias insólitas, infâncias sombrias e amores decididamente impossíveis. Que Importa a Fúria do Mar é um romance de estreia com uma maturidade literária invulgar que coloca, frente a frente, duas gerações de um Portugal onde, às vezes, parece que pouco mudou. Brilhante no desenho dos protagonistas e recorrendo a um estilo tão depressa lírico como despojado, a obra foi finalista do Prémio LeYa em 2012.”

Teorema, 2013