Janeiro 22, 2017
Nem Todas as Baleias Voam - Afonso Cruz - Opinião
Será possível vencer uma guerra com a música?
Esta é uma premissa interessante e verídica, pois o plano Jazz Ambassadors (CIA) tinha o objectivo de cativar a juventude de Leste para a causa americana. Está na sinopse, não é spoiler, e no último FOLIO Afonso Cruz revelou que este plano fora o ponto de partida para o novo livro. Para mim foi uma novidade, desconhecia tal plano, e fiquei verdadeiramente entusiasmada com o livro.
Agora que o li, o Jazz Ambassadors parece-me muito pequeno e sem graça ao pé de tudo o que o Afonso construiu neste livro. São as pequenas coisas que nascem ao redor do fio condutor que é o plano, que guardo. As frases que reli, permanecendo na mesma página, as reflexões que me seguem, mesmo depois de fechar o livro, a sensação de brincar com os limites, quando se esbate a linha que separa a crueldade da beleza.
Há muito para descobrir nas profundas camadas que as palavras formam nas páginas de Nem Todas as Baleias Voam. Desconfio que não haverá uma releitura igual e, de cada vez, virão novos pontos de vista à superfície.
Há uma cadência de dor que arrepia e, ao mesmo tempo, envolve. Há uma vontade de parar e uma necessidade de prosseguir. É, para mim, mais um livro fantástico do Afonso Cruz.
“- Gostava daquele bar, do Delon, e gostava da sua flor, porque as tulipas raiadas são flores doentes. A sua beleza vem de uma doença. A normalidade nunca fez bem a ninguém, mas a anomalia, aquelas estranhas cores que pintavam as pétalas, como se Van Gogh fosse o autor do Universo, elevavam a flor a um estatuto artístico, era a doença que a fazia mais bela do que o habitual. A arte é uma doença, a humanidade nasceu de um macaco doente, como uma tulipa raiada. Foi um desvio que o levou a erguer-se na savana e a sentar-se mais tarde num bar de Montmartre. Abençoadas doenças, Tristan.
- E não matam?
- Matam, são a coisa mais triste do mundo.” (pág. 254)
Sinopse
“Em plena Guerra Fria, a CIA engendrou um plano, baptizado Jazz Ambassadors, para cativar a juventude de Leste para a causa americana. É neste pano de fundo que conhecemos Erik Gould, pianista exímio, apaixonado, capaz de visualizar sons e de pintar retratos nas teclas do piano. A música está-lhe tão entranhada no corpo como o amor pela única mulher da sua vida, que desapareceu de um dia para o outro. Será o filho de ambos, Tristan, cansado de procurar a mãe entre as páginas de um atlas, que encontrará dentro de uma caixa de sapatos um caminho para recuperar a alegria.”
Companhia das Letras, 2016