Março 06, 2016
Rio do Esquecimento - Isabel Rio Novo - Opinião
Há livros que não têm nada a ver connosco. Pode ser por não nos identificarmos com a escrita, por não nos sentirmos bem nos ambientes criados, ou até mesmo pela história, demasiado trágica, demasiado cómica, demasiado longe de nós.
Acontece-me. Como a todos os leitores. São livros que deixo de lado. Desinteresso-me e, sem qualquer culpa, passo a outro.
Isso não aconteceu com o Rio do Esquecimento. Apesar de ter estranhado o início. Sim, li o primeiro parágrafo e temi por o achar tão longo. Li outra vez, só para ver se tinha fôlego. Fechei o livro e pensei no que me estava a meter. Mas na verdade eu acho que soube logo que me estava a meter num livro que me ia levar, com todas as letras, direitinha para o Porto do século XIX. E fui. Primeiro a medo, porque as frases nunca mais acabavam. Longas, descritivas, com palavras difíceis e desconhecidas (para mim, entenda-se). Depois, movida pelo desafio. E por fim, sendo que por fim significa logo na segunda página, por uma clara vontade de continuar.
E foi com essa vontade de prosseguir que o li todo.
Fui movida por algo mágico, a que talvez possa chamar ritmo, porque me deu uma sensação constante de cadência, como os passos de uma dança que só se quer aperfeiçoar. E aperfeiçoou. O Rio do Esquecimento fez-me uma leitora melhor, só os bons livros melhoram quem os lê. E só os livros mesmo muito bons nos levam até à última página pela mão, explicando e demonstrando que não interessa se a escrita não é a que estamos acostumados ou a que habitualmente procuramos, se histórias de amor desencontradas e complicadas não são para a nossa paciência, ou se o detalhe das descrições se pode tornar exaustivo. Tudo isso é insignificante e desaparece quando quem escreve tem a inteligência e o dom de o transformar no simples, mas enorme, prazer de ler.
Por isso vos aconselho a leitura deste romance denso, que é bem capaz de vos elevar o nível de vocabulário, já para não falar na forma com ensina a ler com calma, apreciando, verdadeiramente, o seu conteúdo.
O texto já vai longo, mas não posso deixar-vos a pensar que este livro é, todo ele, histórias de amor romântico e sofrido que me convenceu tão somente pela magia das palavras. Não. Há um traço fundamental e constante que me agarrou (também) às páginas, este já tendo muito a ver com as minhas preferências. A maldade. Sim, a maldade ganha pela forma como é dada a quem lê. De origens perfeitamente sustentadas, a maldade tem um nome, e como tantas vezes sucede basta uma só pessoa para envenenar quem está em redor, manipulando e atirando com tudo numa espiral de traição, crime e morte.
Agradavelmente soturno, pesado, mas sem nunca verdadeiramente resvalar para o negro, o Rio do Esquecimento equilibra o bem e o mal em doses ponderadas. A balança é muito real e o resultado vem no fim. Excepto, claro, se forem como eu e lerem o fim antes do tempo…
Sinopse
“Inverno de 1864. Sentindo a morte a aproximar-se, Miguel Augusto regressa do Brasil, onde enriqueceu, e instala-se no velho burgo nortenho, no palacete conhecido como Casa das Camélias, com a intenção de perfilhar Teresa Baldaia e torná-la sua herdeira. No mesmo ano, Nicolau Sommersen pensa em fazer um bom casamento, não só para recuperar o património familiar que o tempo foi esfarelando, mas sobretudo para fugir à paixão que sente por Maria Adelaide Clarange, senhora casada e mãe de três filhos. Maria Ema Antunes, prima de Nicolau e governanta da Casa das Camélias, hábil e amargurada com a sua vida, urdirá entre todos uma teia de crimes, segredos e vinganças.
Subvertendo as estratégias da narrativa histórica, com saltos cronológicos que deixam o leitor em suspenso mesmo até ao final, Rio do Esquecimento descreve com saboroso detalhe a sociedade portuense de Oitocentos e assinala o regresso à ficção portuguesa de uma escrita elegante que consegue tornar transparente a sua insuspeitada espessura.”
Romance Finalista do Prémio Leya
D. Quixote, 2016