Fevereiro 02, 2016
Os Interessantes - Meg Wolitzer - Opinião
Fico sempre intimidada quando penso em escrever sobre livros longos. Os Interessantes tem quase seiscentas páginas, mas na verdade tem tanto conteúdo dentro dessas páginas que, olhando para trás e recordando a leitura, até parecem poucas.
Quem é que pensava, quando era criança, que crescer seria o máximo e que o futuro estava cheio de coisas fabulosas à sua espera? Muita gente, suponho, mas para o caso importa o grupo de adolescentes que cresce pelas páginas deste livro. Jules, Cathy, Jonah, Goodman, Ethan e Ash conhecem-se num campo de férias e decidem, um pouco por acaso, entre charros e divagações, que serão Os Interessantes, um grupo único e especial, que estará sempre ligado às artes. Todos eles terão carreiras de sucesso, e não aceitarão nada menos do que isso. Serão sempre amigos. Permanecerão sempre juntos.
O livro, que é, acima de tudo, extraordinariamente real, leva-nos exactamente para onde imaginamos. Os anos passam, a vida segue, e Os Interessantes vão perdendo o interesse, ou pelo menos alguns deles, pois que a vida reserva sempre lugares especiais para uma escolhida minoria. A amizade poderá sobreviver aos planos falhados? A frustração e a cobiça poderão adulterar esse sentimento nobre? E se este grupo se tivesse conhecido mais tarde, na idade adulta, haveria alguma coisa que o ligasse?
E quem nunca pensou onde poderia estar agora se, em determinada altura do passado, se tivesse desviado ligeiramente da rota? Jules pensa nisso quando olha para a sua casa modesta, para a sua carreira de terapeuta, tão distante dos sonhos de viver para pisar o palco. E quando, inevitavelmente, olha para a vida grandiosa da melhor amiga Ash que, ao casar com Ethan, assinou o contrato que lhe trouxe uma vida financeira folgada e plena de realização profissional (sim, sabemos que o dinheiro não é tudo, mas que abre muitas portas lá isso abre), Jules deve recordar com alguma amargura o dia em que rejeitou namorar com Ethan. E Ethan saiu-se bem, foi o único que verdadeiramente levou a cabo o projecto dos interessantes e se tornou um deles. Os outros, à excepção de Ash, que como já disse casou com Ethan, ficaram no patamar dos normais.
Mas como a vida é feita de pessoas normais, com alguns interessantes para fazer sonhar e abrilhantar a coisa, aqui temos um livro que, sem se tornar chato e mantendo sempre vivo o interesse (é pecaminosa a quantidade de vezes que se pensa na palavra “interessante” e suas derivadas durante a leitura ou conversas sobre este livro), descreve os altos e baixos das vidas de pessoas ditas normais. Pois até quando descreve as rotinas dos mais privilegiados, o faz, muitas vezes pelos olhos de quem não chegou lá, de quem acreditava nos sonhos da juventude e queria mais, muito mais da vida.
Não é um livro deprimente que apele ao sentimento de pena ou comiseração. É um livro escrito com uma inteligência que merece reconhecimento, com o realismo cruel da vida de todos os dias, que aborda temas com que o leitor se identifica, que atravessa décadas com uma coerência extraordinária, podendo mesmo ser encarado como uma homenagem ao final do século XX e início do século XXI, pela contextualização dos acontecimentos, modas, estilos de vida, aspirações e sonhos (os que se mantêm atravessando décadas e os que, inevitavelmente, ficam pelo caminho).
Mais do que dizer-vos quem é quem, quem faz o quê, quem casa, separa, tem filhos, vive ou morre, quero dizer-vos que este é um livro a ler porque nos faz acreditar que é tudo verdade, que assim aconteceu, porque é tão verosímil como o dia-a-dia de cada um de nós, do mais ao menos interessante.
“Gostaria só de apreciar mais o que faço para ganhar a vida. Ficar realmente desejoso de ir trabalhar todos os dias. Estou sempre à espera de que isso aconteça, mas não acontece.“ Pág. 328
Sinopse
“Numa noite de verão de 1974, seis adolescentes planeiam uma amizade para toda a vida. Jules, Cathy, Jonah, Goodman, Ethan e Ash ensaiam a atitude cool que (esperam) os defina como adultos. Fumam erva, bebem vodka, partilham os seus sonhos.
E, juram, serão sempre Os Interessantes.
Ao longo da adolescência, o talento artístico destes seis amigos foi sempre satisfeito e encorajado. Mas o tipo de criatividade que é celebrada aos 15 anos nem sempre é suficiente para impulsionar a vida aos 30 - para não falar dos 50. Nem todos vão conseguir manter viva a chama que os distingue na juventude.
Décadas mais tarde, a amizade mantém-se embora tudo o resto tenha mudado. Jules, que planeava ser atriz, resignou-se a ser terapeuta. Cathy abandonou a dança. Jonah pôs de lado a guitarra para se dedicar à engenharia mecânica. Goodman desapareceu. Apenas Ethan e Ash se mantiveram fiéis aos seus planos de adolescência. Ethan criou uma série de televisão de sucesso e Ash é uma encenadora aclamada. Não são apenas famosos e bem-sucedidos, têm também dinheiro e influência suficientes para concretizar todos os seus sonhos. Mas qual é o futuro de uma amizade tão profundamente desigual? O que acontece quando uns atingem um extraordinário patamar de sucesso e riqueza, e outros são obrigados a conformar-se com a normalidade?”
Teorema, 2014
Tradução de Raquel Dutra Lopes