Fevereiro 08, 2016
O Paraíso Segundo Lars D. - João Tordo - Opinião
A O Luto de Elias Gro segue-se O Paraíso Segundo Lars D.
Tinha consciência da dificuldade que seria igualar o prazer que senti ao ler o primeiro e, portanto, preferi manter as expectativas baixas. Enfim, não propriamente baixas, pois na verdade as expectativas eram altíssimas, ou não fosse um livro do João Tordo, mas tentei não me deixar levar pelo entusiasmo e pelo desejo de me envolver da mesma forma.
E fiz bem. Gostei mais de O Luto de Elias Gro. Mas a continuidade ou, talvez, a sensação de regresso fizeram com que me envolvesse de igual forma. Talvez até tenha sido embalada, sim, julgo que a palavra é essa, embalada pela beleza do ambiente sombrio, melancólico e soturno para onde Tordo me leva. Ao invés de medo, sobressalto, angústia, insónias, como alguns leitores que partilharam opiniões comigo viveram, eu senti-me alerta, viva, feliz. Não porque goste que as personagens sofram ou lamentem a sua sorte, mas porque é muito raro ler um livro que apaga tudo, um livro que, quando se abre se torna tudo o que existe. Sim, posso ter gostado mais das personagens do primeiro livro, ou até do rumo da narrativa, mas quando me apaixono assim pelas palavras, todas as histórias são belas.
E gosto dos diálogos. Muito. São uma espécie de transferências imperceptíveis sem início anunciado mas intuitivos e fáceis de identificar.
Tenho de falar da voz. Sim, a voz deste livro é a mulher de Lars, o escritor do Luto de Elias Gro. É uma voz que cresce, que parece estar na sombra do marido até ao dia em que ele vai embora com uma rapariga que acaba de conhecer. É uma voz que ganha identidade na solidão, que se encontra, avança e recua. Que desaparece para a segunda parte em que o narrador revela o que pode ter acontecido (ou aconteceu mesmo?), e que regressa para, até ao fim do livro tentar descobrir se o que encontrou era o que procurava.
“É possível que todos os livros sejam inúteis, se lemos para nos esquecermos de nós, para debelarmos a ferida de existir. Se formos previdentes, os livros também nunca nos magoam. Salvem-se de ler Kafka de madrugada, ou Virgínia Wolf se estiverem internados com uma pancreatite. As pessoas, sim, essas magoam-nos: são uma dádiva mas também agravam a nossa ferida, escarafuncham nela e fazem-na sangrar.” (Pág. 15);
“Dizemos que a solidão é estarmos sozinhos, mas a solidão é uma presença fortíssima de nós próprios nas coisas que nos rodeiam. Olha aqueles vasos na varanda despidos de plantas, olha as almofadas desarrumadas em cima do sofá, olha a fotografia de família na cómoda junto da cama e o espaço sem ninguém, os lençóis franzidos, tudo isto somos nós, tudo isto respira a nossa respiração e é dotado dos nossos sentimentos, por isso nunca estamos sozinhos, quando muito estamos cheios de nós, e é isso que a solidão faz, enche tudo com a nossa presença e, se acaso nos apanha melancólicos ou derrotados, então tudo é melancolia e derrota, sem mais ninguém para dotar as coisas de uma outra cor.” (Págs. 36 e 37);
Sinopse
“Numa manhã de Inverno, Lars sai de casa e encontra uma jovem a dormir no seu carro. Ele é um escritor sexagenário e, poucas horas mais tarde, parte em viagem com a jovem deixando para trás um casamento de uma vida inteira e um romance inédito: O luto de Elias Gro.”
Companhia das Letras, 2015
Uma leitura Roda dos Livros – Livros em Movimento