Janeiro 14, 2017
O Czar do Amor e do Tecno - Anthony Marra - Opinião
As leituras de 2017 começam muito bem com O Czar do Amor e do Tecno. Confesso que não gosto do título. Também não gosto da capa. Mesmo assim o meu interesse manteve-se, a vontade de descobrir esta história era enorme. E ainda bem, pois revelou-se uma leitura entusiasmante que, apesar das quase quatrocentas páginas, decorreu a um bom ritmo. Interessante e misterioso, pelas pontas que vai deixando em aberto, e que urge decifrar, é um livro com uma estrutura admirável e muito bem pensado.
A viagem começa em 1937 e apresenta-nos Leopardo, um censor em Leningrado que apaga (literalmente) pessoas. Não pode haver vestígios daqueles que a história apagou, e Roman Markin dá veracidade histórica a quadros e fotografias. Esta é a premissa a que se juntam outras histórias, de outras pessoas e outros tempos. É um livro que, mesmo não parecendo, segue uma linha orientativa constante, em redor da qual vão surgindo novas personagens. Tudo está relacionado, e o que ao início parece ser demasiada gente e demasiados nomes, vai-se reduzindo à medida que o leitor junta vidas como se construísse um puzzle.
Encantou-me a estrutura deste livro, como já referi. Penso que se pode considerar um conjunto de histórias que, aparentemente isoladas, se relacionam em alguns pontos dando continuidade, com saltos temporais, às tais pontas em aberto. É como uma viagem de comboio com muitas entradas e saídas de passageiros. Há sempre alguém que regressa ao percurso para alinhar a narrativa num sentido, que muitas vezes, parecia já estar esgotado. Não sei se se poderão considerar Contos, dado que alguns são bastante extensos, mas o que importa é que esta espécie de capítulos longos, confere uma dinâmica inovadora ao livro.
As histórias dentro da história são muitas, e cheias de detalhes. Da Sibéria, à Chechénia, passando por Moscovo, e até pela imensidão do espaço, o leitor percorre a recente história russa nas vidas de pessoas banais. Realista e, por vezes, bastante cruel, não por aquilo que é escrito, mas pela forma como as palavras marcam e permanecem na mente, O Czar do amor e do Tecno é uma leitura fantástica, que recomendo com entusiasmo.
Sinopse
“Em 1937, um promissor pintor de Leninegrado vê-se reduzido à tarefa ingrata de "apagar", de pinturas e fotografias, os dissidentes do regime soviético. Entre os inúmeros rostos que faz desaparecer, está o do seu próprio irmão, condenado à morte.
Na atualidade, uma historiadora de arte dedica-se a estudar o mistério que se esconde na obra desse censor. Nas centenas de imagens que alterou, ele introduziu obsessivamente um rosto. Quem foi essa figura anónima, a um tempo dissimulada e omnipresente na História da Rússia?
O segredo do criador de rostos atravessa décadas e fronteiras e confunde-se com a memória do país. Cruza as trajectórias de uma bailarina caída em desgraça, espiões polacos, mercenários, um aprendiz de mendigo, uma beldade siberiana, e até um lobo. E como pano de fundo, uma cidade com um lago de mercúrio, um céu sem estrelas e uma floresta de plástico.
Um livro profundamente original, que nos leva de S. Petersburgo aos confins da Sibéria e à Chechénia, e consolida Anthony Marra como um dos jovens escritores americanos mais aclamados da atualidade.”
Teorema, 2016