Janeiro 03, 2015
Firmin - Sam Savage - Opinião
Firmin é um livro maravilhoso. Já muitos o disseram, não é novidade. Foi exactamente o que eu esperava, uma delícia sem surpresas nem desilusões. Um livro para quem vive as leituras de modo intenso e sabe o que pode significar encontrar o livro da sua vida. Eu ainda não encontrei, mas Firmin fez-me sentir mais perto.
Firmin é um rato. Talvez o verdadeiro “rato de biblioteca”, neste caso de livraria. Nasceu na Pembroke Books, um espaço que imagino paradisíaco, salas repletas de livros velhos, novos, raros e até proibidos. Um mundo inesgotável de descobertas, seria talvez como ir sempre ao mesmo alfarrabista e, de cada vez, fazer novas descobertas. Vendo bem, isto até acontece frequentemente nos alfarrabistas.
Firmin sabe ler. Apanhou o encantamento dos livros, foi o único da ninhada a desenvolver essa espécie de poder ou característica humana, aprendeu a ler. Com as leituras desenvolveu uma devoção pelos livros, pelo poder de o transportarem para tantos locais diferentes com a força da imaginação. O curioso é que esta personagem, apesar de ser um animal, ainda por cima um animal pouco simpático, para muitas pessoas até assustador, desenvolve uma capacidade de observar e reflectir quase humana, ou pelo menos comum a alguns seres humanos, aqueles que se predispõem a pensar, a descobrir, a amar.
Muito bonito e quase poético sem ser lamechas, emociona pela busca constante, pela forma como um rato ou ratazana, como por vezes é tratado, penso que, para aumentar o fosso entre homens e ratos, procura a felicidade. Aprendendo lendo. Acreditando no poder da amizade. Desiludindo-se. Sofrendo. Um bicho que encarna o que todos nós procuramos, gostando de livros ou não. Mas é claro que, nós os que adoramos livros, vamos sempre encontrar um (grande) pedaço de nós em Firmin.
“(…) foi-me muito difícil aceitar a pura estupidez de uma vida vulgar, sem história, de modo que comecei bastante cedo a consolar-me com a ideia ridícula de que tinha um Destino. E resolvi viajar pelos livros, no espaço e no tempo, à procura dele. (…) Deixei os livros entrar nos meus sonhos e por vezes sonhei que eu é que estava nos livros” (Pág. 54, 55, 56)
Sinopse
“Nascido na cave da Pembroke Books, uma livraria da Boston dos anos 60, Firmin aprendeu a ler devorando as páginas de um livro. Mas uma ratazana culta é uma ratazana solitária.
Marginalizado pela família, procura a amizade do seu herói, o livreiro, e de um escritor fracassado.
À medida que Firmin desenvolve uma fome insaciável pelos livros, a sua emoção e os seus medos tornam-se humanos. É uma alma delicada presa num corpo de ratazana e essa é a sua tragédia.
Num estilo ora sarcástico ora enternecedor, Firminé uma história sobre a condição humana em que a paixão pela literatura, a solidão e a amizade, a imaginação e a realidade, fazem parte de um mundo que acarinhava os seus cinemas de reprise, os seus personagens únicos e a glória amarelada das suas livrarias. Firmin é divertido e trágico. Como todos nós.”
Planeta, 2014
Tradução de Sofia Gomes
Ilustrações de Fernando Krahn