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planetamarcia

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Junho 12, 2016

As Viúvas de Dom Rufia - Carlos Campaniço - Opinião

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Não houve uma página deste livro que eu lesse sem um sorriso nos lábios. O início, lido ainda numa livraria, tal era a curiosidade com Dom Rufia, elevou a fasquia das expectativas e aguçou a vontade de o levar.

Senti este livro mais próximo de Os Demónios de Álvaro Cobra do que do anterior Mal Nascer, contudo As Viúvas de Dom Rufia é um livro diferente de qualquer um dos anteriores. Assenta num registo cómico muito bem conseguido, que não cansa, tendo também uma pitada bem jogada de malandrice. Dom Rufia, ou Firmino Pote, é uma personagem incrível que atravessa todo o livro com os holofotes na sua direcção. Um pantomineiro de bom coração, que pisca o olho ao leitor e lhe conquista a simpatia, apesar das mil e uma (ou mais) invenções para se tornar rico à custa das mulheres que vai enganado por várias localidades do Alentejo.

Dom Rufia, apesar de analfabeto, tanto se faz passar por médico como por advogado. Descontraído por natureza, sai em beleza das situações mais complicadas, encontrando sempre uma forma de deixar as mulheres (e as famílias, já agora) a seus pés. Nasceu para ser rico e tudo inventa para não ter de voltar ao trabalho duro dos campos. Procura ser visto em locais de prestígio, onde se relaciona com influentes homens de negócios que enrola nas suas patranhas. Firmino tem um enorme jogo de cintura, mantendo as suas mulheres felizes e apaixonadas, todas achando que são a única. O seu charme estende-se ao leitor que, sabendo de todas as suas falcatruas, se mantém ao seu lado, defendendo-o, mesmo sabendo que é inútil, pois a história começa no funeral de Firmino.

Mas mais do que a história encantou-me a escrita. Frases bonitas e criadoras de cenários imaginados, que reli até quase se desfazerem de sentido, tanto as fui desmanchando e repetindo. Senti que as personagens foram planeadas e criadas com esmero, evidenciando um romance pensado e estruturado. O interesse constante na história é mantido com deliciosas guloseimas para os sentidos, sempre com um sentido de humor inabalável.

Pessoalmente acho que é difícil ter graça, talvez por achar poucas coisas engraçadas e me fartar depressa da piada fácil. Valorizo muito quem consegue ser cómico sem cair no ridículo, e acho a comédia mais difícil do que o drama. Carlos Campaniço mostra a sua versatilidade, criando um romance diferente dos anteriores, mas mantendo o estilo que já conhecemos. Estão lá os regionalismos e as expressões de época (início século XX), conjugados com detalhes de vestuário, ambientes e tradições. As Viúvas de Dom Rufia oferece, não só horas de aprazível leitura, como uma verdadeira viagem no espaço e no tempo.

Recomendo sem qualquer reserva!

Sinopse

“Conhecido por Dom Rufia desde moço, Firmino António Pote, criado sem recursos numa vila alentejana, promete a si mesmo tornar-se rico. Negando-se à dureza do trabalho do campo, divide durante anos a sua sobrevivência entre o ócio e alguns negócios frugais. Mas, já nos trinta, munido de assombrosa imaginação, bonito como poucos e gozando de uma enorme capacidade de persuasão, sobretudo entre as mulheres, lobriga várias maneiras de alcançar o seu objectivo, fingindo continuamente ser quem não é. Para isso, porém, é obrigado a viver em vários lugares ao mesmo tempo, dando a Juan de los Fenómenos, um velho chileno em busca de proezas sobre-humanas, a ilusão da ubiquidade.
Quando o corpo sem vida de Dom Rufia é encontrado no meio do campo, a recém-empossada Guarda Republicana não imagina as surpresas que o funeral reserva. O aparecimento de uma estranha carta assinada pelo tio do morto é só o princípio da desconfiança de que ali há mão criminosa.
Depois do muito aplaudido Mal Nascer, finalista do Prémio LeYa em 2013, Carlos Campaniço regressa à ficção com um romance irresistível e cheio de humor, cuja acção decorre no início do século XX, num Alentejo onde pululam personagens fascinantes e inesquecíveis.”

Casa das Letras, 2016