Novembro 01, 2016
Arquipélago - Joel Neto - Opinião
Já não se escrevem livros assim. Foi o que me disse um amigo acerca deste Arquipélago. E é verdade.
Comecei a lê-lo algum tempo antes de ir aos Açores, na expectativa de iniciar uma leitura que levaria a cabo na ilha Terceira, no cenário do livro. O facto de o ter iniciado algum tempo antes da viagem não me levou a imaginar que o livro se esgotaria antes da partida, ou que me sobrariam apenas meia dúzia de páginas para entreter parte do percurso. Leio sempre vários livros ao mesmo tempo e gosto de “saltar” entre romances, contos e novelas gráficas, portanto um romance de mais de quatrocentas páginas iria durar com certeza.
Mas na verdade aconteceu-me o que já não sucedia há muito tempo. Dediquei-me à leitura de Arquipélago em exclusivo. Não que o tivesse escolhido (ao contrário), mas parece que o livro me escolheu. Não o consegui largar até chegar ao fim, dando por mim muitas vezes, durante o dia, ansiando pelo regresso às suas páginas. Não houve outros livros. Não era possível tirar-me do cenário, arrancar-me da história, demover-me da escrita elegante e envolvente de Joel Neto. É bom encontrar, finalmente, um livro que me leve com ele. É essa sensação de resgate que procuro incansavelmente, e tão poucas vezes encontro.
Gostava de vos contar esta história. Falar sobre as personagens, os seus percursos e encontros. Revelar mistérios e, em surdina, segredar uma história de amor. Mas seria tão pouco, estaria tantos degraus abaixo de experiência que é ouvir as aves, sentir a chuva, e até os abalos, percorrer os anos passados em revelações surpreendentes, conhecer as famílias da trama, e até a intimidade secular de uma ilha surpreendente.
Arquipélago parece um romance de outros tempos, que se abre numa tábua de personagens. Oferece de imediato os nomes e algumas pistas a que voltei, continuamente. Não estava preparada para uma estrutura tão forte e um argumento tão bem elaborado, com acção, reviravoltas imprevistas, histórias dentro de histórias e, acima de tudo, não estava preparada para as palavras feitas de sentimentos. Não imaginava que Joel Neto escrevesse assim, e a maior surpresa foi a emoção que algumas frases me proporcionaram.
Já regressei da viagem. Da viagem aos Açores, porque ainda passeio nas palavras do livro com as memórias desta leitura extraordinária. E também pelas páginas do mais recente A Vida no Campo, por não resistir a continuar embalada pelas avassaladoras paisagens.
Partilho duas fotografias de uma pequena expedição, não por páginas, mas por caminhos. Como não visitar a Terra Chã, estando lá?
Pode um livro publicado há um ano ser um clássico?
Não sei. Contudo, para mim será. Não o vou esquecer. Ficará comigo.
Sinopse
“Açores, 1980. Uma criança desaparecida. Um homem que não sente os terramotos.
Quando um grande terramoto faz estremecer a ilha Terceira, o pequeno José Artur Drumonde dá-se conta de que não consegue sentir a terra tremer debaixo dos pés. Inexplicável, esse mistério há-de acompanhá-lo durante toda a vida. Mas, entretanto, é hora de participar na reconstrução da ilha, tarefa a que os passos e os ensinamentos do avô trazem sentido de missão.
Já professor universitário, carregando a bagagem de um casamento desfeito e uma carreira em risco, José Artur volta aos Açores. Durante as obras de remodelação da casa do avô, é descoberto um cadáver que o levará em busca dos segredos da família, da história oculta do arquipélago e de uma seita ritualista com ecos do mito da Atlântida. Mas é nos ódios que separam dois clãs rivais que o professor tentará descobrir tudo o que os anos, a insularidade e os destroços do grande terramoto haviam soterrado…
Usando a mestria narrativa e o apuro literário dos clássicos, bem como um dom especial para trazer à vida os lugares, as gentes e a História dos Açores, Joel Neto apresenta o romance Arquipélago, em que a ilha é também protagonista.”
Marcador, 2015