Dezembro 01, 2013
Para onde vão os guarda-chuvas - Afonso Cruz - Opinião
Não sei o que escrever sobre este livro. Sinceramente. Tenho consciência de que não há nada que eu escreva que possa demonstrar o quanto gostei, o quanto senti tratar-se de um livro especial e completo. Por isso ando há cerca de uma semana a pensar como posso transmitir em palavras o que é “Para onde vão os guarda-chuvas”. E não sei. Gostava de ser como Badini que, sem falar, diz tudo. Mas não sou. Gostava de contar sobre o que é este livro. Mas este livro é sobre tantas coisas, tão bonitas e tão importantes que me perco na imensidão de temas que se interligam com outros temas.
É um livro sobre a perda e sobre o que resta quando o nosso mundo desaba com a morte. É um livro que sara a dor, que acalma o tormento e preenche o vazio de uma forma peculiar e única, é sobre a tolerância, sobre o respeito das diferenças, e sobre a possibilidade de vivermos todos num espaço em que nos aceitamos mutuamente.
É um livro que tem estas coisas todas dentro dele. Mas no fim acreditamos que fora do livro também pode ser assim.
Afonso Cruz continua a surpreender-me pela forma como com frases lineares e muito simples consegue revelar pensamentos tão profundos, ser tão filosófico e proporcionar tanta reflexão. Muito palavroso, utiliza palavras que se conjugam de forma brilhante e que faz com que a leitura seja feita de lápis na mão. Dá vontade de sublinhar tanto mas tanto… na certeza de voltar a pegar no livro muitas vezes e encontrar as passagens preferidas. O risco mais que certo é o de querer reter tudo, sublinhar demais é uma tentação grande.
As ideias e linha de pensamento do autor chegam ao leitor através de uma escrita limpa e sem artifícios desnecessários. Saber simplificar é um dom e quando se faz bem não há necessidade de dizer mais nada. Está tudo dito. Escrito. Em “Para onde vão os guarda-chuvas”.
“Que infelicidade. Os dias esticam e ficam mais longos, o relógio diz que não, mas, com licença, o que sabem os relógios sobre a alma humana? Não sabem nada, Alá me perdoe. O tempo demora mais a passar, muito mais, é assim que se sofre. Quando se está feliz esse mesmo tempo passa a correr, parece que vai atrasado para uma festa, mas, se vê uma lágrima, pára e fica a ver o acidente, dá voltas à nossa desgraça e não anda para a frente como os relógios dizem que ele faz.” (Pág. 118).
“- Como não falas, ouves mais. Isso é que faz a sabedoria. Os homens deviam ser mudos até certa altura e depois rebentavam. Seria uma coisa ensurdecedora. Um homem explodir toda a sabedoria que havia acumulado durante uma vida.” (Pág. 154).
“Badini disse que as coisas mortas vão com a água, naturalmente, seguem a corrente do rio, é isso que fazem os paus, as pedras, as folhas, os cadáveres, todos são empurrados para a foz, todos eles, enquanto os sábios e os salmões procuram a nascente, as causas das coisas, e, assim, tudo o que contraria a corrente está vivo, e a educação também é isso, é ir contra tantas coisas, não nos deixarmos arrastar para não nos tornarmos um pau seco a boiar nas águas.” (Pág. 249).
“Ele olhou para mim e disse-me que quem vive nas ruas tem o maior quintal do mundo. Eu disse que sim com a cabeça, porque gostei daquela frase. Repito-a muitas vezes, e olho para isto tudo à minha volta e vejo o meu quintal. Um dia dará flores.” (Pág. 377)
“Para onde vão os guarda-chuvas? São como as luvas, são como uma das peúgas que formam um par. Desaparecem e ninguém sabe para onde. Nunca ninguém encontra guarda-chuvas, mas toda a gente os perde. Para onde vão as nossas memórias, a nossa infância, os nossos guarda-chuvas?” (Pág. 493).
Sinopse
“O pano de fundo deste romance é um Oriente efabulado, baseado no que pensamos que foi o seu passado e acreditamos ser o seu presente, com tudo o que esse Oriente tem de mágico, de diferente e de perverso. Conta a história de um homem que ambiciona ser invisível, de uma criança que gostaria de voar como um avião, de uma mulher que quer casar com um homem de olhos azuis, de um poeta profundamente mudo, de um general russo que é uma espécie de galo de luta, de uma mulher cujos cabelos fogem de uma gaiola, de um indiano apaixonado e de um rapaz que tem o universo inteiro dentro da boca.
Um magnífico romance que abre com uma história ilustrada para crianças que já não acreditam no Pai Natal e se desdobra numa sublime tapeçaria de vidas, tecida com os fios e as cores das coisas que encontramos, perdemos e esperamos reencontrar.”
Alfaguara, 2013