Dezembro 01, 2013
A Segunda Morte de Anna Karénina - Ana Cristina Silva - Opinião
“A Segunda Morte de Anna Karénina” agarrou-me nas primeiras páginas. Fiquei presa à narrativa e à história de Rodrigo. Apesar desta ser a história de Violante, foi Rodrigo, o seu filho morto que me conquistou. A voz de Rodrigo chega pelas cartas que escreveu ao amante durante a I Grande Guerra. A dor e o conflito interior de ser homossexual no início do século XX em Portugal é um tema extremamente bem exposto e explorado, para mim, sem dúvida o ponto forte deste livro.
Com Rodrigo a autora aborda dois grandes temas. Um deles é a homossexualidade no contexto familiar, o preconceito, o medo e a vergonha de assumir, bem como as formas de encobrir a verdade através de um casamento dito normal e de uma vida conjugal de fachada. O outro é a participação de Portugal na I Guerra Mundial. Uma participação tão sofrida quanto esquecida, a que Ana Cristina Silva deu a devida importância e soube conjugar com a luta interior de Rodrigo. A solidão e mágoa de Rodrigo por ser abandonado por Eduardo, desiludido por sentir que não é correspondido na vontade de aceitar e viver este amor, conciliado com o pavor da guerra e as descrições das condições nas trincheiras, compõem um cenário de horror físico e mental muito bem conseguido.
Para mim, a partir deste ponto, foi como se o livro fosse perdendo força. A vida de Violante é deveras interessante mas banal quando comparada com a dor e a força de Rodrigo. Não me lembro nunca de me acontecer gostar de tal modo de uma personagem secundária, que a personagem principal e todo o propósito do livro fossem para mim perdendo o interesse até ao final. Mas assim aconteceu. Depois de Rodrigo a história da menina de província que se torna a diva do teatro em Lisboa pareceu-me banal. O decrescente interesse dissipou a minha atenção, o que nitidamente se notou no final, que sinceramente não estou certa de ter percebido.
Um livro que vale pelo seu início. Um começo brilhante que infelizmente o final não acompanhou.
“Nas trincheiras os homens andam sempre enregelados e sujos. Não há sujidade mais impertinente do que a lama que transforma a pele e os uniformes numa massa castanha e enrugada. Os soldados nunca levantam a cabeça nestas geleiras sombrias, inclinam-na apenas, embrulhados em mantas encharcadas. O tamanho do mundo está assim reduzido aos túneis escavados nas entranhas da terra, nos quais mal se respira e cujas fronteiras são definidas por sacos de areia. A vida prossegue dentro destas tocas. Ninguém precisa que lhes digam quem são, nestas circunstâncias, os animais acossados.” (Pág. 79)
“Voltava para o meu quarto muito tarde. Os meus pensamentos desenvolviam-se na penumbra até o fogo arrefecer na lareira. Lisboa inteira já dormia, enquanto eu recordava como sentira um arrepio de excitação perante este ou aquele cavalheiro. Lembrava-me da forma como dançavam e tentava imaginar motivos que os fizessem mover-se na minha direcção. De seguida, recuava, horrorizado. Em vez de me tentar libertar pela força da renúncia e da fé, consolava-me a ideia do suicídio como um sedativo acalma um homem atormentado pela insónia. De pé, dava voltas e mais voltas, abria a janela, suportando a nortada gélida que soprava das profundezas da noite.” (Pág. 82)
Sinopse
“Violante tinha, desde criança, um talento raro para a representação e, com a ajuda de Luís Henrique, um grande actor com quem acabou por se casar, tornou-se uma das mais aplaudidas actrizes portuguesas do princípio do século XX. Contudo, os que a vêem brilhar e afirmar o seu génio no palco dos maiores teatros nacionais desconhecem o terrível segredo que minou a sua vida e levou para longe o marido numa noite que podia ter acabado em tragédia. Agora, que Violante visita, longe da multidão, o jazigo de Rodrigo - um jovem oficial português caído na guerra das trincheiras em França -, espera finalmente sentir o desgosto da mãe que não chegou a ser, mas descobre que o filho que não criou carregava, afinal, no peito um peso tão grande ou maior do que o seu. E, com o espectro das recordações que essa revelação desencadeia, regressa também inesperadamente o próprio Luís Henrique, desejoso de obter, ao fim de tantos anos, a resposta que Violante não lhe pôde dar. O problema é que, numa conversa entre dois actores de excepção, nunca se sabe exactamente o que é verdade.
A Segunda Morte de Anna Karénina é um romance sobre o amor sem limites, a traição e os custos da vingança - e também uma obra arrojada sobre as tensões homossexuais reprimidas, sobre as vidas desperdiçadas de tantos portugueses na Primeira Guerra Mundial e sobre as diferenças - se é que existem - entre o teatro e a vida real.”
Oficina do Livro, 2013