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planetamarcia

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Setembro 25, 2013

Último Acto em Lisboa - Robert Wilson - Opinião

 

Muitas podem ser as razões para interromper a leitura de um livro. Contudo devemos deixar sempre em aberto a hipótese de um dia a retomar. Se algumas vezes senti que investi em livros que não foram escritos para eu os ler, há livros que comecei a ler em momentos pouco propícios para chegar à última página.

Não sei qual a explicação para ter desistido de ler o “Último Acto em Lisboa” da primeira vez que lhe peguei. Mas depois de agora o ter concluído, tendo-o praticamente devorado em dois dias, dou por mim com ainda menos explicações do que as que tinha antes.

A verdade é que este é sem dúvida dos melhores livros que li este ano. Um policial histórico (não sei se tal coisa existe) com uma estrutura inteligente e sólida, bem pensado, com um trabalho de investigação admirável e, muito importante, surpreendente até ao final.

Um livro que me manteve presa à leitura muitas mais horas seguidas do que aquelas que é suposto, no sentido de ter uma vida normal, e fazer coisas tão fundamentais como comer ou dormir. Pode dizer-se que este livro me alimentou. Que me tirou o sono não há dúvida nenhuma.

É a segunda vez este ano que me surpreendo por um autor estrangeiro escrever tão bem sobre Portugal. O primeiro caso foi “Esteja eu onde estiver” de Romana Petri, e agora Robert Wilson, que se destaca largamente do primeiro exemplo pois vai muito além daquilo que é possível interpretar estudando comportamentos e pessoas. Wilson escavou a nossa história recente, e não aquela que (pouco) vem nos livros. Sabe quem foi Salazar e investigou a sua linha de pensamento, foi além dos seus actos e expõe as suas motivações, estratégia política e mentalidade.

Wilson começa a narrativa com saltos cronológicos. Da Alemanha em plena II Grande Guerra para Portugal na década de noventa. O lapso temporal vai reduzindo à medida que os capítulos avançam, sabe-se que as personagens têm de estar relacionadas, sente-se que tudo podem ser pistas e, na verdade, um nome aqui, um detalhe ali, vão fazendo sentido. Encontra-se um fio condutor, uma razão para a especulação do volfrâmio na zona da Guarda na década de 40, ter ligação com um homicídio em Paço d’Arcos na década de noventa.

A vinda de Klaus Felsen para Portugal por ordem das SS, o volfrâmio das nossas minas, o ouro dos Judeus fruto das pilhagens Nazis, a Gestapo, a PIDE e a perseguição política em Portugal, os presos políticos, a Revolução de Abril. Tudo se explica de forma admirável e relaciona de forma óbvia em alguns pontos. Noutros pontos cabe a Zé Coelho, Inspector da Polícia Judiciária, juntar as peças e estudar os suspeitos; percorrer um caminho sinuoso de estórias e história, e chegar à conclusão certa.

Bem pensado e bem escrito. Brilhante. É sinceramente de se lhe tirar o chapéu.

“No caos que se seguiu à nossa gloriosa revolução abundavam as ideias, os ideais, as visões. Foram murchando.” (Pág. 83).

“- Quero eu dizer que o professor Salazar não vai deixar que isto continue assim. O Governo não vai permitir que as pessoas saiam das suas casas e deixem de cultivar as suas terras. Não pode deixar que os salários e os preços disparem e se descontrolem. Salazar tem medo da inflação.

- Inflação?

- É uma doença dos bolsos.

- Explique-me isso.

- É uma doença que mata o dinheiro.” (Pág. 128)

“Por isso estou nesta profissão, porque com os anos comecei a acreditar nela. A caça à verdade ou pelo menos a busca da verdade. Gosto das conversas. Maravilha-me o génio natural que as pessoas têm para falsificar. Quem pensa que os futebolistas são uns artistas a representar, com os seus truques, quedas e fintas devia assistir à representação dum assassino.” (Pág. 186)

Sinopse

“1941
Klaus Felsen, o proprietário de uma fábrica em Berlim, é forçado a alistar-se nas SS e a dirigir-se a Lisboa, cidade de luz, onde ao ritmo dos dias convergem nazis e aliados, refugiados e especuladores, todos dançando ao compasso do oportunismo e do desespero. A sua missão é infiltrar-se nas geladas montanhas do Norte de Portugal, onde se trava uma luta traiçoeira pelo volfrâmio, elemento essencial à blitzkrieg de Hitler. Aí encontra Manuel Abrantes, o homem que põe em movimento a roda de ambição e vingança que irá girar até ao final do século.
Final dos anos 1990.
O inspector Zé Coelho, da Polícia Judiciária, investiga o crime sexual cometido contra uma jovem adolescente em Lisboa. Esta pesquisa conduzirá Coelho por terrenos lodosos da História a um crime mais antigo - enterrado com os ossos de um passado de fascismo - e a um pavoroso motivo enterrado ainda mais fundo. E, uma vez à superfície, o passado e o presente irão convergir com implicações arrepiantes e consequências insondáveis.”

Gradiva, 2002