Junho 02, 2013
Debaixo de Algum Céu - Nuno Camarneiro - Opinião
Quero escrever sobre este livro mas não sei o quê. Sinto que se trata de um livro tão especial que me vai fazer (por incompetência minha, claro) cair num abismo de banalidades e lugares-comuns.
Dizer que é especial, que a escrita é cuidada e me maravilhou, que ainda gostei mais deste do que do outro, que é um livro sobre pessoas, sobre nós, todos nós, que estamos tristes e zangados com a vida, que não conhecemos quem vive na casa ao lado, por vezes não conhecemos quem vive na nossa casa. Que estamos perdidos. Que seguimos os dias todos uns atrás dos outros sem parar. Porque não sabemos. Parar. Já não sabemos.
Paramos quando há uma catástrofe. Quando as terríveis notícias na televisão nos lembram que só se vive uma vez. E que é esta. Esta vez. Esta vida. E que pode acabar. Mesmo agora.
Vivemos zangados. Insatisfeitos. Fartos. Desumanizados.
“Debaixo de Algum Céu” é a voz de uma sociedade de jovens cansados como velhos, com vidas rotineiras e sem brilho, sem vontade. Em crise, sempre em crise. Em crise de tanto estar em crise.
“Uma história são pessoas num lugar por algum tempo.” (pág. 13)
Acho que o Nuno aprendeu a escrever do que observa, aprimorou a qualidade da escrita pelo muito que lê. E depois há mais uma coisa. Que faz toda a diferença entre quem conta uma história e quem escreve. Chama-se Dom.
E mais não digo. Há que ler.
“Talvez amemos só pelo que o amor nos traz, ou pelo que podemos ser quando nos ama. Seremos assim tão tortos? É possível que só saibamos dar a nós mesmos? Orgulho, respeito, altruísmo, abnegação. São coisas que atiramos porque sabemos que hão-de voltar, como um pau que um cão nos há-de devolver.
Já não sei nada, que se foda o amor, andamos todos para aqui a estragar as vidas uns aos outros com os melhores propósitos. “Eu sempre te amei”, “És a mulher da minha vida”. O caralho é que és, o caralho é que amei. Quis prazer como tu quiseste, serenidade, certeza, posse. Sim, quisemos isso tudo e pensámos que nos ficava de graça, uns beijos e algumas palavras, tudo por amor, mas não se trata de amor. Trata-se de outra merda qualquer que nos faz falta e não tem nome, é simplesmente outra merda qualquer.” (pág. 82)
Sinopse
“Num prédio encostado à praia, homens, mulheres e crianças - vizinhos que se cruzam mas se desconhecem - andam à procura do que lhes falta: um pouco de paz, de música, de calor, de um deus que lhes sirva. Todas as janelas estão viradas para dentro e até o vento parece soprar em quem lá vive. Há uma viúva sozinha com um gato, um homem que se esconde a inventar futuros, o bebé que testa os pais desavindos, o reformado que constrói loucuras na cave, uma família quase quase normal, um padre com uma doença de fé, o apartamento vazio cheio dos que o deixaram. O elevador sobe cansado, a menina chora e os canos estrebucham. É esse o som dos dias, porque não há maneira de o medo se fazer ouvir.
A semana em que decorre esta história é bruscamente interrompida por uma tempestade que deixa o prédio sem luz e suspende as vidas das personagens - como uma bolha no tempo que permite pensar, rever o passado, perdoar, reagir, ser também mais vizinho. Entre o fim de um ano e o começo de outro, tudo pode realmente acontecer - e, pelo meio, nasce Cristo e salva-se um homem.
Embora numa cidade de província, e à beira-mar, este prédio fica mesmo ao virar da esquina, talvez o habitemos e não o saibamos.
Com imagens de extraordinário fulgor a que o autor nos habituou com o seu primeiro romance, Debaixo de Algum Céu retrata de forma límpida e comovente o purgatório que é a vida dos homens e a busca que cada um empreende pela redenção.”
Leya, 2013