Março 17, 2013
Esteja eu onde estiver - Romana Petri - Opinião
Tenho uma sensação estranha agora que me preparo para escrever sobre este livro. A minha primeira leitura deste ano foi de Romana Petri: “O Fabuloso destino de Dagoberto Babilónio”. Livro que não concluí, infelizmente. Não que não tivesse apreciado a escrita da autora, mas a verdade é que não me identifiquei com as personagens nem com o desenrolar dos acontecimentos, pareceu-me um conto fantasioso e inverosímil.
“Esteja eu onde estiver” tem essa mesma escrita rica e bela, quase uma canção que nos leva pelas páginas das vidas de três mulheres, que é praticamente uma saga familiar, uma ode ao amor pelos filhos e à força única das mulheres. O palco é Lisboa. Descrita de forma magnífica, desde paisagens a acontecimentos históricos, hábitos característicos, e pormenores como marcas de produtos bem portugueses utilizados no dia-a-dia.
Espantava-me a cada página quando pensava que o livro foi escrito por uma Italiana. Incrível a forma como absorveu a nossa cultura e modo de estar, não só na atualidade mas também no passado, enquadrando esta saga nos pormenores mais marcantes da nossa história recente. Conflitos políticos, hábitos pitorescos da nossa gente, espantosas descrições da cidade de Lisboa, da sua luz única, dos cheiros, das pessoas, as calçadas gastas todas a descer em direção ao Tejo. Senti-me sempre em Lisboa, ao longo de 70 anos, sempre em Lisboa. Se calhar um livro que pode surpreender mesmo quem lá vive, pelas descobertas que proporciona.
Os portugueses são um povo triste e as mulheres umas sofredoras. Neste livro, em que a doença e a morte estão presentes muitas vezes, é percetível a nossa nostalgia em relação a tudo. As desilusões e “tombos” da vida, aliados a uma certa forma “negra” de ver as coisas, têm feito de nós um povo deprimido e triste. A conjuntura não ajuda mas esta tendência para o “fado” tem-nos mantido sempre dentro do buraco.
Divertido pelo ironia da desgraça e por um leque de personagens brilhantes, descritas de uma forma completa, com perfis coerentes que facilmente identificamos com alguém conhecido, ou de quem já ouvimos falar, “Esteja eu onde estiver”, cativa por ser verosímil, por fazer acreditar que tais vidas são reais, tão certo como uma das personagens ver a telenovela “Vila Faia”, cozinhar com tomate “Guloso” ou massas “Nacional”. Já para não falar na D. Custódia, essa típica beata avessa ao banho e aos rituais de higiene, esposa honrada e sofredora com as traições do seu marido, Belmiro, um macho latino cheio de conversa e habilidades na arte da conquista.
D. Custódia é viciada em Dolvirans, pormenor que achei simplesmente delicioso. Uma mulher tolhida pela dor e pelo medo de viver que a certa altura assume que decidiu morrer.
As peregrinações a Fátima, a fé cega no divino e algumas superstições regem muitos dos passos do dia-a-dia. Só faltou o devido destaque ao futebol, essa doença nacional, para a perfeição das descrições ser total.
Um livro tão completo e tão vasto que deixo apenas a sinopse como resumo da verdadeira ação. Pois que com tantos pormenores e tantas reviravoltas não saberia nem por onde começar. Deixo escrito o que senti, as emoções que vivi, e como tudo conjugado me fez ler centenas de páginas de seguida, me fez desejar que nunca mais acabasse, me irritou, me encantou e me fez viver literalmente a história.
Excelente.
Sinopse
“Custódia, Margarida e Maria do Céu são as três mulheres de uma emocionante saga familiar que tem início nos anos quarenta e termina nos nossos dias. Situada numa Lisboa de beleza mágica, mas oprimida por uma ditadura que parece interminável, os seus trágicos destinos entrecruzam-se para sempre. Belmiro, Carlos e Tiago são os homens que, passadas as suas falsas esperanças, as empurram para o sofrimento e o sacrifício. Esteja eu onde estiver, acima de tudo, a história de uma maternidade sem limites, a frase que uma mãe profere antes de morrer aos filhos que não quer abandonar. Fresco de um Portugal fechado, dolente e trágico, do longo caminho percorrido pelo povo que, depois de forçado ao silêncio, encontrará a coragem de ser moderno escolhendo a liberdade.”
Bertrand, 2011
Lido através da Roda dos Livros - Livros em Movimento.