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planetamarcia

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Maio 27, 2012

o apocalipse dos trabalhadores - valter hugo mãe - opinião

 

Segundo livro que leio de Valter Hugo Mãe. O primeiro foi o último, “O Filho de Mil Homens. Posso dizer que comecei ao contrário, isto é, li primeiro o livro mais recente que, curiosamente, é o primeiro em que o autor “abandona” a escrita em minúsculas.

Achei “o apocalipse dos trabalhadores” simplesmente genial. Mas tenho de confessar que a escrita do autor me fez, algumas vezes, uma certa confusão. Não é apenas a questão das minúsculas, é toda uma forma de escrever muito particular e diferente; a maneira como são apresentados os diálogos por exemplo, sem os habituais parágrafos ou travessões, para tudo é praticamente e só utilizada a vírgula. Esta assume um papel crucial nas pontuações do texto, e cabe ao leitor entrar no jogo e dar a entoação à leitura consoante o decorrer na ação. A atenção terá de ser constante, o que é fácil dado o interesse que o livro suscita.

Não me é muito fácil descrever este livro, mas agora, uns dias depois de o ter concluído, encaro-o como uma espécie de sátira, uma descrição por vezes cómica, outras vezes trágica e dramática, recheada de alguma ironia, da situação de uma “fatia” da classe trabalhadora no nosso país.

A ação desenrola-se em redor de três personagens, três trabalhadores que personificam, não só as suas profissões, como também as condições e o estado do nosso país. Duas mulheres-a-dias e um trabalhador da construção civil vindo do Leste que vêm as suas vidas envolvidas pelas casualidades dos encontros e desencontros da vida. Maria da Graça e Quitéria fazem limpezas e também “uma perninha” como carpideiras em velórios, que a vida está difícil e um dinheirinho extra a acompanhar mortos solitários que não têm quem os chore, é até um ato de caridade. Fiquei curiosa de saber se realmente ainda se contratam mulheres para carpir nos dias de hoje ou se foi o autor que se deixou levar por esta ideia para acentuar a ironia das tarefas destes “trabalhadores”.

Maria da Graça fica sem o seu trabalho certo na casa do Sr. Ferreira, onde não só lhe mantinha a casa limpa mas também a cama quente, o que de início parece ser um abuso por parte do patrão, depressa se percebe tratar-se de um ato aceite e desejado por Maria da Graça, cujo marido anda embarcado e por quem não nutre particular afeição. Quando o Sr. Ferreira morre Maria da Graça perde o seu emprego e vai fazendo o que aparece, como é o caso de carpideira através dos contatos de Quitéria. Esta última envolve-se com o jovem ucraniano, recém-chegado a Portugal que, sem saber uma palavra da nossa língua, procura emprego e personifica a massa de emigrantes que procuram por cá uma vida melhor.

Exploração, mentiras, enganos, interesses, saudades e outras sensações sobejamente conhecidas, desfilam pelas páginas deste livro fazendo o leitor recordar situações semelhantes que aconteceram a alguém conhecido ou da qual ouviu falar.

Um livro sério mas que faz rir, de tão tristes histórias as suas personagens lá vão encontrando forma de viver com alguma alegria, ou não fôssemos nós o povo do “desenrasca”. A cereja no topo do bolo é, para mim, um cão desobediente e cheio de pulgas chamado Portugal.

Só lido! Vale mesmo a pena!

Sinopse

“A resistência de Maria da Graça e de Quitéria, duas mulheres-a-dias e carpideiras profissionais que, a braços com desilusões e desconfianças várias acerca dos homens, acabam por cair de amores quando menos esperam. Com isso, mudam radicalmente o que pensam e querem da vida.
Este é um romance sobre a força do amor e como ela se impõe igual a uma inteligência para salvar as personagens das suas condições de desfavor social e laboral.
Passado na recôndita cidade de Bragança, este livro é um elogio à força dos que sobrevivem, dos que trabalham no limiar da dignidade e, ainda assim, descobrem caminhos menos óbvios para a mais pura felicidade.”

Alfaguara

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