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planetamarcia

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Setembro 19, 2011

Cartas Vermelhas - Ana Cristina Silva - Opinião

 

Quando tive conhecimento da edição deste livro soube logo que o queria ler. Por um lado já tinha lido boas opiniões sobre “Crónica do Rei-Poeta Al-Um Tamid” e queria conhecer o trabalho da autora, por outro lado o tema deste “Cartas Vermelhas” chamou logo a minha atenção.

“A história de uma militante comunista que se apaixona por um inspector da PIDE”. Uma frase que espicaçou a minha curiosidade mas que representa apenas uma parte deste livro, a história de Carol, uma mulher de convicções fortes e muito determinada, é muito mais do que isso.

Conhecemos Carol desde a infância em Cabo Verde, acompanhamos as suas primeiras observações do mundo, aquelas que acabam por estar na base daquilo em que acredita e que a virão a moldar como indivíduo. “Desde que se conhecia como pessoa, Carol sempre sofrera com as misérias da condição humana” (pág.25). O seu temperamento e as suas crenças, a sua mudança para Lisboa e as pessoas com que se relaciona, acabam por ser marcantes na construção dos seus ideais sociais e políticos.

Fervorosa e determinada, Carol coloca paixão e fé em todos os seus actos. Entrega-se com toda a sua alma à causa comunista e acredita, durante toda a sua vida (mesmo nos momentos em que é traída e forçada a abandonar a própria filha num país estrangeiro), que todos os esforços são por um futuro melhor para todos. Luta por esses ideais de forma ardente mas é também impulsiva e inconsequente, tanto no seu percurso político como na sua vida pessoal. Uma mulher que tem perfeita noção do seu poder e da atracção que suscita nos homens, joga muitas vezes com a beleza a seu favor e a favor da causa. Viajou por todo a Europa, conheceu a clandestinidade e a prisão, foi espia, foi mãe, amou intensamente, foi amada, foi incompreendida, foi traída, foi posta de parte, causou dor e preocupação à família. Viveu intensamente e pagou caro o abandono da filha, Helena aos 4 anos.

Sofreu uma vida inteira sem saber se a filha estava viva, martirizando-se com a culpa e com os muitos dedos acusatórios. Por fim, após anos de procura localiza Helena. Mas como poderá uma filha receber uma mãe que não vê desde os 4 anos, que não participou do seu crescimento, que no fundo é uma estranha? Carol procura agora esse caminho para o coração de Helena, põe a sua história nas mãos da filha, já com 27 anos, e espera por redenção.

Gostei muito de ler. Escrito de forma simples mas muito envolvente, Ana Cristina Silva mantém o leitor interessado de uma forma constante ao longo de todo o livro. Não é uma leitura compulsiva mas muito interessante e agradável. As personagens são descritas de forma simples mas consistente, não há necessidade de voltar páginas atrás para recordar seja o que for, uma leitura que flui e que quando nos apercebemos já acabou, porque a verdade é que só se pára de ler no fim!

Senti-me transportada para a época de glamour dos tempos da espionagem, com mulheres lindíssimas e homens poderosos; perigo, excitação, sensualidade, conspiração; Carol podia ser uma personagem de Ken Follett, exímio (quanto a mim) em teorias da conspiração, espionagem e afins.

Muito recomendado!

“Em certa medida, nunca te abandonei, tornaste-te o meu fantasma. Vivias dentro de mim como uma menina permanentemente fechada num canto do meu espírito, refugiada num espaço paralelo que nada tinha a ver com incidentes da guerra. Não houve dia algum que não pensasse nas minhas promessas quebradas. O meu amor por ti subsistia, mas era incompatível com os acontecimentos do mundo. Pensava que talvez fosse melhor ignorar a minha saudade até ser possível ir buscar-te. Acredito que não me possas perdoar. Imagino também que nada disto pudesse interessar a uma criança que chorava insistentemente pela mãe.” (pág.191)

“Como o seu estado de confusão a forçasse a pensar por pequenos passos, Carol deu a si mesma um prazo para entender onde começava e acabava o impossível. No geral, inclinava-se para a passividade. A possibilidade de estar apaixonada por um agente da PVDE era tão absurda como a ideia de uma criatura se soltar de repente de um espelho. Uma vida inteira dedicada à causa revolucionária não a autorizava a perder de um dia para o outro o discernimento.” (pág. 221)

Sinopse

“Nascida em Cabo Verde de família branca e abastada, Carol nunca se resignou à miséria das ilhas. E, movida pelo sonho de construir uma sociedade mais justa, ingressou ainda jovem no Partido Comunista. Não se importando de usar a beleza como arma ideológica, abraçou a luta revolucionária, apaixonou-se por um camarada e ficou grávida pouco antes de ser presa. Foi a sua mãe quem tratou de Helena nos primeiros tempos, mas, depois de libertada, Carol levou-a para Moscovo, onde trabalhou nas mais altas esferas do Comintern. Aí, o contacto com as purgas estalinistas não chegou para abalar as suas convicções, mas o clima de denúncia e traição catapultou-a para o cenário da Guerra Civil espanhola, obrigando-a a deixar Helena para trás; e, apesar de ter escapado aos fuzilamentos franquistas, a eclosão da Segunda Guerra Mundial impediu Carol de voltar à União Soviética para ir buscar a criança. Será apenas vinte anos mais tarde que mãe e filha se reencontrarão em Berlim; mas a frieza e o ressentimento de Helena farão com que, na viagem de regresso a Lisboa, Carol decida escrever um romance autobiográfico com o qual a filha possa, se não perdoar-lhe, pelo menos compreender as circunstâncias do abandono, a clandestinidade, a prisão, a guerra, a espionagem e o inconcebível casamento com um inspector da polícia política. Inspirado na vida de Carolina Loff da Fonseca, este romance extremamente empolgante vai muito além dos factos, confirmando Ana Cristina Silva como uma das mais dotadas autoras de romance psicológico em Portugal.”

Oficina do Livro, 2011

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