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planetamarcia

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Abril 25, 2009

Português Suave

 

 

Este é o quarto livro que leio da Margarida Rebelo Pinto; desde que saiu que o queria ler e achei logo que seria uma leitura interessante; não me enganei.
Confesso não ter gostado do “Sei lá”, nem do “Não há Coincidências” e muito menos do “Alma de Pássaro”. Não gostei mas li porque para se poder falar (mal ou bem) tem de ser com conhecimento de causa. Nunca entendi bem o fenómeno de vendas destes livros pois achei-os sempre fúteis e ocos, não acrescentaram nada à minha vida.
Este “Português Suave” marca uma diferença. Encontrei uma Margarida que escreve com menos raiva pela vida em geral e pelos homens em particular, mas que contínua crítica e mordaz. Poderei também ser eu, que já tenho mais uns anitos desde as últimas leituras desta autora, que vejo agora certas situações da vida com outros olhos…sei lá… (esta foi boa!).
Esta história é contada em várias vozes, de várias gerações. Não vou explorar muito a história, para isso deixo a sinopse, pois o que eu gostei mesmo foi da descrição da nossa sociedade desde os anos 30 até a actualidade. É aqui que eu acho que a autora fez um belíssimo trabalho, mantém as suas descrições cruas e por vezes violentas das situações e das personagens, é uma escrita simples e muito livre, do género “eu escrevo o que e como me apetece, quem gosta gosta e quem não gosta azar”. Eu gosto, é incisiva e nada meiga.
Por vezes as descrições parecem desabafos, apontamentos de relações mal sucedidas, dos constantes erros praticados pelas mulheres e das suas buscas pela felicidade e procura do amor, cada uma à sua maneira.
Gostei da diversidade de opiniões, da mistura entre personagens de meios e com educações diferentes, da sátira social sempre presente e oportuna que nos faz pensar se realmente, ao longo dos anos, o nosso país mudou alguma coisa ou está exactamente na mesma; não teremos mantido a mesma mentalidade tacanha de que as origens ditam o sucesso e a riqueza? De que nada de obtém por mérito?
Faz uma análise política superficial mas interessante. Criou personagens que pensam, têm e manifestam opiniões. Um livro que se lê a bom ritmo, nem precisei de um dia inteiro.
E quem se identifica com este excerto?
“E lembro-me do anúncio da Pasta Medicinal Couto, um preto a fazer habilidades com uma cadeira e a dentadura de aço, no tempo da televisão a preto e branco. Lembro-me da laca Sunsilk, do depilatório Taky, que tinha um cheiro medonho, do creme de pele Tokalon e do sabão Clarim, o preferido da Alzira, do restaurador Olex, que o Américo, o marido dela, ainda deve usar, e do Omo lava mais branco. No chão de cimento da garagem jogávamos à macaca e, nas festas de anos, ao lenço, ao bom dia senhorita e à cabra-cega.
Lembro-me de a Naná, que sempre foi dada a disparates, numa tarde ociosa, lhe ter dado para despejar uma embalagem inteira de detergente Presto num alguidar com água para ver os glutões, tal como apareciam no anúncio, sorridentes e vorazes, a comer as nódoas da roupa em grande animação.” (pág.97)
Sinopse
“Temos de enfrentar os nossos fantasmas...pelo menos uma vez na vida.
Na década de quarenta, Mercês Perestrello é dada como louca e afastada dos seus filhos. Nos anos sessenta, as gémeas Maria Teresa e Maria Luísa seguem caminhos opostos em busca da (mesma) felicidade. Quarenta anos depois, as primas Leonor e Naná desvendam segredos nunca antes imaginados. São três gerações de mulheres a desafiar os brandos costumes, mas apenas uma a descobrir a verdade.
Num país em que a prudência aconselha a seguir a máxima uma coisa de que não se fala não existe, a vontade de subverter todas as regras irá mudar o destino de uma família.”
"Confesso que cheguei a invejar-lhes a vida organizada e ordeira, os filhos sossegados e disciplinados, aquele modelo muito burguês, muito português suave, a que o Alexandre O'Neill chamava a alegria sonâmbula, a vírgula maníaca do modo funcionário de viver, tão morno, tão brando, tão baseado nas aparências e em tudo como deve ser, porque o parecer está ainda e sempre acima do ser, e o dever, acima do prazer, do sentir, de tudo."
Oficina do Livro, 2008

 

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