Agosto 20, 2010
Artigo de 2 Novembro 2009 do New York Times sobre o crescente sucesso de "As Serviçais"
O romance de estreia da norte-americana Kathryn Stockett, As Serviçais, tem vindo a revelar se um inesperado sucesso entre o público norte-americano. Mesmo enfrentando uma concorrência feroz com autores de bestsellers como Dan Brown, Nicholas Sparks e Patricia Cornwell, mantém-se no top 5 de ficção em capa dura do New York Times desde Agosto. As Serviçais tem vindo a apaixonar os seus leitores e a ganhar cada vez mais admiradores com uma descrição da América sulista e das relações entre as criadas afro-americanas e as suas patroas de famílias brancas. Um retrato intimista, com grande sentido de humor e sensibilidade que capta na perfeição as vozes de uma época histórica que originou grandes transformações na América.
Uma janela que reflecte a América sulista
As Serviçais, um romance sobre as relações entre criadas afro-americanas e as suas patroas brancas no Mississípi dos anos 60, tem os elementos clássicos de um livro capaz de agradar a multidões: retrata várias mulheres corajosas envolvidas numa narrativa viciante, com vilões e algumas lições de história.
O livro, o romance de estreia de Kathryn Stockett, também tem uma história que é um sonho de publicação tornado realidade: inicialmente rejeitado por cerca de 50 agentes, o manuscrito foi comprado por uma chancela da Penguin e agressivamente publicitado junto dos livreiros, que se apaixonaram pelo romance. Desde que foi publicado em Fevereiro, As Serviçais tem sido admirado por clubes de leitura e bloggers que não param de recomendá-lo aos amigos.
O fenómeno
O que explica porque As Serviçais - que alguns entusiastas têm comparado ao livro To Kill a Mockingbird de Harper Lee - tem mantido tenazmente a sua posição nos tops de várias listas de best-sellers, apesar de uma das mais fortes temporadas com grandes nomes. Entre best-sellers de Dan Brown, Michael Connelly, Patricia Cornwell e Nicholas Sparks, Kathryn Stockett manteve-se no top 5 da lista de ficção em hardcover do New York Times desde Agosto.
“Continua a vender e vai continuar a vender”, diz Vivienne L. Jennings, co-proprietária do Rainy Day Books, uma livraria independente em Fairway, Kan.
De acordo com a Nielsen Bookscan, que monitoriza cerca de 70% das vendas a retalho, As Serviçais vendeu 445.000 cópias em capa dura. Na Barnes & Nobles, a maior cadeira de livrarias no país, Sessallee Hensley, uma compradora de ficção dessa cadeia, diz que o número de cópias vendidas por semanas tem crescido regularmente desde Agosto. “Penso que é completamente baseado no passa palavra”, diz ela.
A editora, Amy Einhorn Books, uma chancela do grupo Penguin USA, adiou a publicação do livro em formato capa mole de Fevereiro de 2010 para Junho. “Realmente atingiu um nervo”, diz Amy Einhorn, cuja chancela se estreou precisamente com As Serviçais, “Os leitores demonstram grande paixão por este livro”.
O enredo
O romance tem três narradoras. Duas são criadas afro-americanas, Aibileen e Minny, que trabalham para famílias brancas em Jackson; a terceira é Skeeter, uma jovem rapariga branca que aspira a ser escritora e libertar-se das expectativas das suas amigas de infância (uma delas emprega Aibileen) e a sua mãe rígida. Skeeter quer desesperadamente impressionar um editor em Nova Iorque com uma ideia para um livro, e gradualmente consegue persuadir as criadas a falarem acerca do seu trabalho para as famílias brancas numa época em que contar a verdade podia colocá-las enormemente em perigo.
Com os seus retratos intimistas das relações das criadas com as patroas e os seus filhos, As Serviçais apela aos leitores que sentem estar a obter um vislumbre nos bastidores de um período negro na história dos Estados Unidos. “Não conseguia acreditar como ficava tão exaltada enquanto o lia”, disse Melissa Vasquez, mãe de três em Ingleside, Tex.
A autora
Kathryn Stockett, 40 anos, uma nativa de Jackson, diz que a ideia para o romance lhe surgiu após os ataques do 11 de Setembro, quando vivia em Nova Iorque. A autora, que tinha outro romance na gaveta que um formador de escrita criativa lhe afirmara ser péssimo, disse que sentia saudades de casa e “tentei confortar-me escrevendo com as vozes das pessoas de que tinha saudades”.
A primeira voz a surgir-lhe foi a de Demetrie, a criada afro-americana que trabalhou para a avó da autora em Jackson nos anos 70 e 80. “Ela acabou por se tornar a voz de Aibileen”, diz Kathryn Stockett numa entrevista por telefone da sua casa em Atlanta. “Alguns meses mais tarde voltei a ela e descobri que Aibileen tinha algumas coisas a dizer que não lhe pertenciam, e foi assim que surgiu a Minny.”
Acrescentou Skeeter, disse ela, porque preocupou-se que os leitores não confiassem nela se escrevesse apenas sobre personagens negras. “Pensei que assim o livro nunca seria permitido entrar numa prateleira, por isso criei Skeeter e senti-me melhor, porque estava também a mostrar a perspectiva branca.”
A autora enviou submissões a mais de 45 agentes antes de Susan Ramer da Don Congdon Associates ler o manuscrito. Susan Ramer diz que foi imediatamente cativada pelas “vozes, o sentido de humor e a autenticidade delas”, e fez de imediato um contrato com a autora. Vendeu o manuscrito à Amy Einhorn no Outono de 2007.
O livro recebeu em geral fortes críticas positivas, com Janet Maslin do New York Times a considerá-lo um “romance vencedor”, embora a crítica apontasse para os riscos potenciais de um livro “por uma autora branca natural do Sul a recriar as vozes de criadas afro-americanas num forte dialecto local”.
A controvérsia
De facto, alguns leitores sentem-se perturbados com a identidade da autora por descrever personagens negras. “Os autores têm a liberdade de se tornarem naquilo que quiserem tornar-se” disse Melissa McCurdy, uma mãe de 3 filhos, que descreveu o romance como racista no seu blogue, Gerbera Daisy Diaries “Mas eu quero ler a versão afro-americana de As Serviçais, diz ela.
Alguns leitores afro-americanos dizem que As Serviçais lida com estereótipos familiares. “Muito frequentemente, quando há algo que capta uma voz em particular ou um período de tempo em particular onde afro-americanos são subservientes, acaba por encontrar um vasto público receptivo”, diz a agente literária Faith Childs. “Mas há muita revolta neste livro. Seria errado, errado, errado assumir que estas mulheres negras são pessoas confortáveis e acomodadas”, diz Karen Grigsby Bates, correspondente nacional do National Public Radio que adorou As Serviçais. Tiffinee Armstrong, coordenadora do Enlightened ConNexTions, um grupo livreiro, diz que ficou surpreendida ao descobrir que a autora era branca. Mas depois de ler o livro, Armstrong, que é negra, disse “penso que ela captou muito bem o dialecto e descreveu bem muitas coisas que se passam no Mississippi. Além disso, é definitivamente uma leitura viciante.”
Karla F. C. Holloway, professora de Inglês e Direito na Duke University, elogiou imenso o romance, descrevendo- o como “belissimamente escrito”, e diz que “Kathryn Stockett tem claramente consciência da corda bamba racial sobre o qual está a caminhar”.
Mas Holloway, que é negra, diz que a identidade de Kathryn Stockett aponta para um dilema mais vasto no mundo da edição e na cultura em geral. “Quem é que acaba por contar estas histórias de uma forma que ganha a atenção do público? Parece-me que isto reflecte o nosso preconceito sobre em quem nós confiamos como contador de histórias.”