Quando vi informação no site escritores.online acerca do livro de Rute Simões Ribeiro fiquei de imediato muito curiosa. Uma obra finalista do Prémio Leya (o que inevitavelmente lhe confere um selo de qualidade) em edição de autor não se vê todos os dias. Fiz alguma pesquisa e encontrei o livro na amazon, curiosamente nesse dia o ebook estava disponível para download gratuito e eu não hesitei. E (talvez) porque nestas coisas dos livros acontecem coincidências engraçadas, passados um ou dois dias recebi um e-mail da autora a sugerir-me a leitura de um exemplar físico e uma opinião honesta.
Troco sempre, excepção feita aos calhamaços, uma leitura digital pelo prazer de sentir o livro nas mãos. Quando o livro chegou fiquei muito satisfeita, não sabia que a kindle fazia livros tão bonitos e agradáveis ao toque. A paginação pareceu-me mesmo muito boa e a cor das páginas perfeita. Sim, eu estava impressionada.
Iniciei a leitura. Senti grande semelhança com José Saramago. Animei-me com a perspectiva distópica da narrativa. Embalei-me na história e segui caminho. Rute Simões Ribeiro escreve de forma bastante madura e segura, tem uns apontamentos de humor algo inesperados que muito me agradaram. É incisiva nessas “farpas” que lança à sociedade e requer alguma atenção por parte do leitor, o que não é difícil pois o livro impõe entrega desde a primeira página.
Não me alongo na descrição do enredo pois para isso deixo-vos a sinopse, mas adianto que uma ordem vinda não se sabe de onde exige aos cidadãos a escolha de apenas um sentido em vez dos cinco até então disponíveis (foi reconhecido pelo júri do Prémio Leya como “Os Cegos e os Surdos”). Apesar de nunca nos ser dada orientação geográfica a cronológica, para mim a acção poderia muito bem passar-se em Portugal, na actualidade. Acho muito interessante a opção imposta aos cidadãos (para efeitos literários, claro está) e a forma como o estado os “acompanhou” na escolha do sentido, opção essa tomada sempre considerando o papel de cada um na sociedade, ou seja, como é apanágio de qualquer estado (distópico) sempre em prol do bem comum. Como daqui se vai ali, e das dificuldades nascem forças, a tendência das pessoas acaba por ser a de se unirem de novas formas, como que criando um prolongamento de si próprias apoiando-se nos sentidos disponíveis uns dos outros. Uma ideia bonita, sem dúvida, não fosse esse apoio necessário para consumir as novidades à disposição destas pessoas des-sensoriadas (perdoem-me a invenção, não resisti).
Em suma, um livro com uma ideia bem esgalhada, apoiada em José Saramago, é certo, mas que prova ter pernas para andar sozinha. O desenvolvimento do tema é admirável. Li com constante interesse e espanto. Não é que uma edição de autor tem uma revisão bem melhor do que muitos livros das melhores editoras?
Leiam-no. É só clicar aqui.
Sinopse
“Os cidadãos do mundo inteiro são chamados a tomar uma decisão por uma entidade desconhecida. Têm de escolher um sentido apenas, «a saber», pode ler-se na misteriosa mensagem, «visão, audição, olfacto, tacto, paladar, com exclusão do apelidado sexto sentido, dado que, neste último caso, é o sentido que escolhe o portador, em caso algum podendo ocorrer o inverso». Receando o impacto da escolha livre na organização da sociedade, o governo decide obrigar os cidadãos eleitores a escolherem o sentido determinado em conselho de ministros, sob pena de penalização no rendimento, chamando as pessoas, em nome da nação, ao exercício de um dever colectivo de reorganização após a «extracção dos sentidos». Perante a ordem do governo, os partidos da oposição apresentam moções de censura e os auto-apelidados «guerrilheiros da liberdade» formam «brigadas dos sentidos», ainda que acabando estas por «forçar as pessoas a serem livres». Três personagens principais entrecruzam-se na história, um primeiro-ministro, um guerrilheiro da liberdade e uma mãe, partilhando, de algum modo, sentimentos de dever e de vigilância constante. Após a instituição de novos hábitos, ajustados à nova «ordem de sentidos», o primeiro-ministro depara-se com um inusitado e perturbador pedido do país vizinho, em nome de um antigo acordo a que está vinculado.”
Kindle Edition, 2017