Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

planetamarcia

planetamarcia

Março 26, 2017

A Serpente do Essex - Sarah Perry - Opinião

serpente_frente.jpg

A Serpente do Essex é um livro com uma atmosfera muito particular. A sua leitura levou-me para uma Inglaterra nebulosa e fria do século XIX. Tal como o clima, extraordinariamente descrito, esta história é feita de nuances que se parecem com as zonas pantanosas do Essex.

Gostava de começar por destacar o naipe de personagens que compõe esta narrativa, pela sua admirável construção e verosimilhança. O livro tem algumas situações que se podem considerar pouco credíveis, (e como não, se é sobre uma serpente mítica?), mas as personagens, e a forma como se movimentam, interagem, ganham presença e força, é de uma cadência ponderada e estudada. São muitas, acho que já não lia um livro com tanta gente há algum tempo, e não me perdi nem as confundi (depois das páginas iniciais, claro).

Cora é a viúva que fica bem melhor depois do marido morrer. Não vale a pena estar com paninhos quentes, é assim que a coisa nos é dada, e é esse o encanto de Cora, uma senhora de bem que vai para o campo para andar mal vestida no meio dos pântanos à procura de uma serpente, não porque acredite que ela exista da forma como os habitantes da zona a descrevem (razão para todos os males que os enche de medos e superstições), mas porque quer descobrir (e provar) racionalmente as aparições testemunhadas por alguns dos locais.

A acompanhá-la, Martha, uma mulher de uma dureza pouco comum na época, suponho, pelo menos para uma espécie de dama de companhia. Martha toma também conta de Francis, o filho de Cora, uma criança especial que irá proporcionar momentos únicos na trama.

Senti bastantes vezes que a acção decorria na época actual, o que confere um cariz particular ao romance. Dei por mim a verificar a sinopse, onde se lê que estamos em 1893, mas de alguma forma não batia certo com o vestuário, as festas e, principalmente, a ousadia da relação que vai nascendo entre Cora e o Reverendo. Tratar-se-á, possivelmente, de uma forma de aproximar Cora do século XX, já que ela é de facto uma mulher à frente do seu tempo. Assim como Martha, pelo seu cariz revolucionário e ideais políticos.

Senti-me sempre dentro de uma viagem no tempo, mesmo sabendo que tudo acontece no mesmo ano, não pude evitar a sensação de proximidade com um estilo de vida actual, ao mesmo tempo que aterrava no nebuloso século XIX, cheio de superstições e crendices que a medicina vai tentando explicar e apaziguar. E curar.

Na verdade, para mim, a serpente (ou a hipótese da sua existência) foi perdendo importância ao longo da leitura. Foquei-me muito mais na interacção das personagens e nos seus encontros e desencontros. Encantaram-me as cartas trocadas entre Cora e o Reverendo, assim como entre Cora e Luke, o cirurgião seu eterno apaixonado, e todas as outras cartas que, mais ou menos, todas as personagens vão enviando. É uma forma de comunicar que me encanta e que trouxe, sem qualquer margem para dúvida, uma magia especial ao livro.

Sarah Perry escreve de forma cuidada e com qualidade. A história resvala algumas vezes para o campo da fantasia, mas sem exageros. Lê-se de forma célere e com gosto. Quanto à serpente…terão de ler para saber…

17362088_1262198810515823_3359982844375722989_n.jp

A Serpente do Essex é a primeira aposta da nova chancela do Grupo Almedina, a Minotauro. Agradeço o convite para participar na apresentação deste livro, que decorreu de modo informal no dia 23 de Março, na Livraria Almedina do Atrium Saldanha. Acompanharam-me nesta aventura as bloggers Célia Marteniano, Cristina Delgado e Cris Rodrigues. A moderar a sessão esteve a editora Sara Lutas. Devido a um imprevisto de última hora A Cris Rodrigues não esteve connosco fisicamente.

Foto Minotauro.

Fiquem atentos que a Minotauro promete!

Sinopse

“Londres, 1893. Quando o marido de Cora Seaborne morre, a viúva inicia uma nova vida marcada ao mesmo tempo por alívio e tristeza.
Não teve um casamento feliz e ela própria nunca se adequou ao papel de mulher da sociedade. Acompanhada pelo filho, Francis - um rapaz curioso e obsessivo -, troca a cidade pelo campo de Essex, onde espera que o ar fresco e os grandes espaços lhe proporcionem o refúgio de que necessita.
Quando se instalam em Colchester, chegam-lhe aos ouvidos rumores de que a Serpente do Essex, conhecida por em tempos ter percorrido os pântanos na sua avidez de colher vidas humanas, regressou à aldeia de Aldwinter. Cora, naturalista amadora sem interesse por superstições ou questões religiosas, fica empolgada com a ideia de que aquilo que as pessoas da região tomam por uma criatura sobrenatural possa, na realidade, ser uma espécie ainda por descobrir. Quando decide iniciar a sua investigação é apresentada ao vigário de Aldwinter, William Ransome. Tal como Cora, Will sente uma desconfiança profunda em relação aos boatos, que considera um fenómeno de terror de caráter moral e um desvio da verdadeira fé. Enquanto Will procura tranquilizar os paroquianos, inicia-se entre ele e Cora uma relação intensa; apesar de os dois não concordarem a respeito de nada, são atraídos e afastados um do outro inexoravelmente, a ponto de isso modificar a vida de ambos de formas inesperadas.
Escrito com uma delicadeza e uma inteligência cheias de requinte, este romance é sobretudo uma celebração do amor e das muitas formas que ele pode assumir.”

Minotauro, 2017

Tradução de Helena Ramos e Dila Gaspar

Março 22, 2017

D. Quixote - A Construção do Vazio, de Patrícia Reis

A Construção do Vazio.jpg

Sofia é uma menina-tesoura que sobrevive a uma relação de violência e abuso e cresce com a convicção de que a maldade supera tudo.

Será possível atenuar a dor?

Como se resiste ao fantasma real da infância?

Que decisões partem dessa memória e podem limitar a vida?

Sofia abriga-se na amizade de três homens, Eduardo, Jaime e Lourenço, e vive sem desejo, sem vontade, de construção em construção, sendo o vazio o objectivo final.

Esta personagem surge pela primeira vez no livro Por Este Mundo Acima (2011) e faz parte do território ficcional da autora que, com A Construção do Vazio, termina um ciclo de três narrativas independentes iniciado em 2008, com o romance No Silêncio de Deus.

Já nas livrarias!

Março 19, 2017

Minotauro - Rapariga em Guerra, de Sara Nović

rapariga.jpg

 A Minotauro soma e segue! Rapariga em Guerra é a sua segunda aposta.

Uma saga de guerra, um relato da passagem à idade adulta, uma história de amor e de memória, Rapariga em Guerra percorre todas estas facetas e revela-se um romance de estreia ao mesmo tempo perturbador e cheio de esperança, escrito com a força da verdade.
Zagreb, 1991. Ana Juric é uma menina de dez anos com um espírito descontraído, que vive com a sua família na capital da Croácia. Mas, nesse ano, a Jugoslávia é abalada pela guerra civil, destruindo a infância idílica de Ana. A paz do dia a dia é manchada pelo racionamento, pelos constantes raids aéreos e os jogos de futebol são substituídos pelo fogo das armas. Os vizinhos começam a desconfiar uns dos outros e a sensação de segurança começa a desvanecer-se. Quando a guerra lhe bate à porta, Ana tem de encontrar um novo caminho num mundo perigoso.
Nova Iorque, 2001. Ana é agora uma estudante universitária em Manhattan. Apesar de todas as tentativas para deixar o passado para trás, não consegue escapar às recordações de guerra e aos segredos que guarda até dos que lhe são mais próximos. Perseguida pelos acontecimentos que lhe roubaram a família para sempre, regressa à Croácia depois
de uma década de ausência, na esperança de fazer as pazes com o lugar a que um dia chamou casa. Enquanto enfrenta o passado, procura reconciliar-se com a história difícil do seu país e com os acontecimentos que lhe interromperam a infância, há tantos anos.
Avançando e recuando no tempo, este livro é um retrato franco e generoso de um país devastado pela guerra, mostrando-nos, com uma escrita brilhante, a impossibilidade de separar a história de um país e a história do indivíduo.
Sara Novic revela destemidamente o impacto da guerra numa menina e o seu legado em todos nós. É a estreia de uma escritora que olhou para o passado recente e encontrou uma história que ressoa ainda hoje.

Março 16, 2017

Minotauro - A Serpente do Essex, de Sarah Perry

serpente_frente.jpg

Partilho convosco a primeira aposta da Minotauro, uma nova chancela do Grupo Almedina. A Serpente do Essex está quase a chegar às livrarias.

Só para vos abrir o apetite:

Londres, 1893. Quando o marido de Cora Seaborne morre, a viúva inicia uma nova vida marcada ao mesmo tempo por alívio e tristeza.
Não teve um casamento feliz e ela própria nunca se adequou ao papel de mulher da sociedade. Acompanhada pelo filho, Francis - um rapaz curioso e obsessivo -, troca a cidade pelo campo de Essex, onde espera que o ar fresco e os grandes espaços lhe proporcionem o refúgio de que necessita.
Quando se instalam em Colchester, chegam-lhe aos ouvidos rumores de que a Serpente do Essex, conhecida por em tempos ter percorrido os pântanos na sua avidez de colher vidas humanas, regressou à aldeia de Aldwinter. Cora, naturalista amadora sem interesse por superstições ou questões religiosas, fica empolgada com a ideia de que aquilo que as pessoas da região tomam por uma criatura sobrenatural possa, na realidade, ser uma espécie ainda por descobrir. Quando decide iniciar a sua investigação é apresentada ao vigário de Aldwinter, William Ransome. Tal como Cora, Will sente uma desconfiança profunda em relação aos boatos, que considera um fenómeno de terror de caráter moral e um desvio da verdadeira fé. Enquanto Will procura tranquilizar os paroquianos, inicia-se entre ele e Cora uma relação intensa; apesar de os dois não concordarem a respeito de nada, são atraídos e afastados um do outro inexoravelmente, a ponto de isso modificar a vida de ambos de formas inesperadas.
Escrito com uma delicadeza e uma inteligência cheias de requinte, este romance é sobretudo uma celebração do amor e das muitas formas que ele pode assumir.

Março 04, 2017

A Avó e a Neve Russa - João Reis - Opinião

aavoeaneverussa.jpg

Como não querer ler este livro? Um menino que nos fala (como um menino) da sua visão do mundo e dos planos para salvar a avó doente.

É um menino que, na verdade, já é um homenzinho. Que sabe tantas coisas, tantas, da História do mundo e das pessoas em seu redor. Sabe da solidão da doença e da certeza de que a avó, apesar da exposição aos ventos atómicos, não pode morrer. Nem que para isso, seja ele próprio a salvá-la.

Tinha alguns receios acerca desta leitura, nomeadamente que a verosimilhança (ou falta dela) atraiçoasse a ideia (brilhante) de colocar todas as palavras deste livro na boca de uma criança. Um trabalho de estofo, diria eu, manter o leitor crédulo no pequeno (de quem nunca sabemos o nome) que nos conta tantas coisas da história da sua própria família, e revela uma aprendizagem alargada e deliciosa de tantos acontecimentos mundiais.

O seu olhar sério sobre a escola, a vizinhança, tudo o que observa e o faz, não só pensar, mas colocar em causa ou interrogar-se sobre questões pertinentes que podem começar pela saúde debilitada da avó devido acidente nuclear de Chernobyl, mas que avançam sem controlo para reflexões sobre xenofobia (ou xenofilia num dos vários admiráveis equívocos), ou pelas mais variadas injustiças do mundo.

E sim, acreditei até à última página que este menino me falava, que os seus olhos me davam uma perspectiva infantil com a qual me deliciei tanto de felicidade como de tristeza, que quis ficar triste com a morte iminente da Babushka, mas que a crença do neto na cura me arrancava fé de onde eu não sabia que tinha. Uma fé que durou um livro. Pouco para alguns. Muito para mim. A escrita de João Reis tem a competência de fazer sonhar, infelizmente dentro de limites, mas sonhar. Tem o dom do sorriso, mesmo que misturado com a tristeza da racionalidade que não nos deixa, e que talvez por isso, permite uma beleza feita de tanta simplicidade.

Eu gostava que todos o lessem.

“Os avós paternos do Matt estiveram num acampamento de concentração dos Nazis do Senhor Hitler, e os seus pais eram ainda crianças pequeninas e ficaram escondidos em Varsóvia porque cabiam em todos os armários. A avó do Matt morreu num desses acampamentos de concentração do Senhor Hitler; comia pouco e ficou magra até morrer, e depois carbonizaram-na para que não ficasse a ocupar espaço e enviaram-na para as caldeiras, já que moravam muitas pessoas naqueles acampamentos e não havia o aquecimento que temos hoje em dia. O avô do Matt sobreviveu, porque fazia serviços no campo e falava alemão e algum francês, foi isso que o salvou. Deram-lhe comida suficiente para não comer de menos e ficar magro até morrer. Porém, ele acabou por se matar, ainda o Matt era uma criança; não aguentou a pressão da sociedade que cai sobre um sobrevivente e o esmaga, acordava a meio da noite em terrores vivos, a chorar.” Pág. 95/96;

“E as árvores envelhecem e mantêm-se de pé e aumentam o tronco, mas as pessoas encolhem e encolhem até desaparecerem pressionadas pela idade que têm em cima do corpo; porém, as árvores não se podem mexer e ficam presas à terra e não conseguem fugir, e nisso são parecidas com a Babushka, deitada na cama do hospital, tão pequena, pequenina, se não fosse pelos cabelos brancos quase seria um bebé da maternidade. Pobre Babushka: escapar aos ventos fulminantes para estar assim, arruinada numa cama, e só uma planta a pode ajudar, um cato.” Pág. 105;

Sinopse

“Babushka está doente. Esta russa idosa, emigrante no Canadá, sobreviveu ao acidente nuclear de Chernobyl. Esconde no peito a doença que a obriga a respirar a contratempo e lhe impõe uma tosse longa e larga e comprida e sem fim — um mal que a faz viver mergulhada nas memórias do seu passado luminoso, a neve pura da Rússia, recordação sob recordação.
Na fronteira com a realidade caminha o seu neto mais novo, de dez anos, um menino que não desiste de puxar o fio à meada e de tentar devolver a avó ao presente. Para ajudar Babushka, precisa de encontrar uma solução para os seus pulmões destruídos, sacos rasgados e quase vazios — mesmo que isso o obrigue a crescer de repente e partir em busca de uma planta milagrosa, o segredo que poderá salvar a família e completar a matriosca que só ele vê.
Narrado na primeira pessoa e escrito a partir da perspetiva de uma criança, A Avó e a Neve Russa é um livro feito da inocência e da coragem com que se veste o deslumbramento das infâncias. Romance simples e emotivo sobre a força da memória e da abnegação, relata a peregrinação de um neto através da esperança, do Canadá ao México, para encontrar a possibilidade de um final feliz.”

Elsinore, 2017