Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

planetamarcia

planetamarcia

Dezembro 18, 2016

A Escada de Istambul - Tiago Salazar - Opinião

A Escada de Instambul.jpg

A verdade é que este livro não se revelou nada do que eu estava à espera.

Começo por confessar que nunca tinha ouvido falar da família Camondo. A ignorância nem sempre é uma coisa má (principalmente quando é ultrapassada), e a descoberta do percurso dos judeus Camondo tornou esta leitura muito especial.

A originalidade da narrativa surpreendeu-me. Apesar de conseguir encontrar o Tiago Salazar viajante nas páginas deste livro, até porque nele participa como personagem que viaja (pois claro), descobri o romancista que conta uma história verdadeira (assumo eu devido à ignorância já referida) de forma ficcional. Confusos? Também eu, mas vou tentar deslindar isto.

Contar a história de uma família ao longo de mais de cem anos, por muito interessente que seja (e é), e por muitos feitos que haja a revelar, pode resultar num livro de História igual a tantos outros. Mas não é isso que acontece n’A Escada de Istambul, e ainda bem. Neste livro temos o tal viajante (que por acaso é o autor) que, em deambulações por Istambul, encontra uma escada. Sobe e desce, desce e sobe, e instala-se a curiosidade, e desejo imenso, enfim, a necessidade de saber a história da escada. A casualidade leva-o a encontrar Mehte, um turco que vive numa casa no cimo da dita escadaria. O viajante é convidado para a casa do novo amigo e, ao mesmo tempo que Mehte vai desembrulhando o novelo de uma história que são muitas, a família Camondo vai sendo revelada, entre conversas e raki, num leque de personagens que, imagino eu, viveram com o autor até serem páginas deste romance. E, talvez, até depois disso.

A estreia de Tiago Salazar no romance é, a meu ver, bem sucedida. Apreciei muito a forma como a narrativa se desenvolve na casa de Mehte, mantendo sempre presente o contador da história e o viajante seu ouvinte. Mas ao mesmo tempo, e com uma habilidade admirável, o leitor é transportado para o passado, para o seio da família Camondo, como se efectivamente estivesse na europa de outros tempos, na casa (ou casas) desta família de negociantes, banqueiros, filantropos e amantes do saber e das artes. Não é um relato ou uma descrição do que aconteceu, é um romance à séria, com personagens que convencem, envolvem, e que se tornam maiores do que o narrador.

Para mim representa uma descoberta e uma aprendizagem, lido com o prazer que um romance bem pensado e bem escrito proporciona. Recomendo.

Sinopse

“Em Istambul, confluência de mundos, uma estranha escada desperta a atenção do autor deste romance, que decide ir atrás da sua história. Ela confunde-se, porém, com a saga dos seus construtores.
Conhecidos como os «Rothschild do Oriente», os judeus Camondo erraram pela Europa até se instalarem em Istambul, onde viriam a tornar-se banqueiros do sultão e grandes filantropos. Abraham-Solomon, o patriarca, era o judeu mais rico do Império Otomano e combateu a maldição do judaísmo na Turquia fundando escolas que respeitavam todos os credos e legando ao filho e aos netos a importância da caridade e do mecenato. Já em Paris, o seu bisneto Isaac, amigo dos pintores impressionistas, doaria ao Museu do Louvre mais de cinquenta quadros de Monet, Manet e Degas; e o seu primo Moïse, devastado pela morte do filho na Primeira Guerra Mundial, abriria um museu que ainda hoje pode ser admirado e visitado na capital francesa. E, porém, apesar do seu poder e da sua influência, poucos conhecem a história desta família magnânima. O mistério explica-se: sobre a dinastia Camondo abateu-se uma fatalidade - a sua fortuna e o seu sangue eclipsaram-se nos campos de extermínio de Auschwitz.
Em A Escada de Istambul, Tiago Salazar resgata do esquecimento várias gerações desta família e compõe, a partir de factos e documentos reais, uma ficção na qual ele próprio deambula como personagem.”

Oficina do Livro, 2016

Dezembro 11, 2016

Sete Anos Bons - Etgar Keret - Opinião

seteanosbons.jpg

Há livros que nos levam a outros livros. E há amigos que seguem essas pistas e nos contam, com a pompa que uma grande descoberta merece, que não podemos deixar de ler Etgar Keret.

Obrigada, Renata, por teres partilhado a descoberta. Apesar disso, só peguei na tradução brasileira de “Sete Anos Bons”, que já tinha, quando soube que a tradução portuguesa estava prestes a sair pela Editora Sextante. Foi uma leitura surpreendente e muito compensadora. Que, apesar de dar ares de superficialidade pela forma como aborda alguns temas, comove pela força com que arranca alguns ais.

Com uma ironia e um sentido de humor surpreendentes, Etgar Keret, levou-me em reflexões profundas sobre temas polémicos, com a velocidade e incisão dos seus contos curtos.

Adoro contos. Adoro a capacidade de síntese e o poder de exprimir um mundo de coisas num texto curto. Acho que é uma forma inteligente de deixar uma marca profunda. Keret coloca o dedo na ferida com meia dúzia de palavras e ainda deixa em quem lê um sorriso nos lábios. Citando o autor, o sentido de humor é a única arma dos mais fracos. A capacidade de comover, fazer pensar e, ao mesmo tempo, arrancar umas gargalhadas, não está ao alcance de todos.

São sete anos em que o autor partilha experiências pessoais. Sete anos que medeiam o nascimento do filho e a morte do pai. Sete anos bons por ter sido pai e filho ao mesmo tempo. Mesmo num país (Israel) constantemente debaixo de fogo. Como é que se convive com o medo constante e se remetem os receios para debaixo do tapete, vivendo o dia a dia profissional e familiar de modo “normal”? Como é que se escreve (tão bem), viaja pelo mundo, passa por cima das dificuldades e, acima de tudo, nunca se desiste de ser feliz? Há condicionantes que a maioria de nós, por não saber o que é viver toda a vida num país em guerra, pode sequer imaginar.

Não sei se o sentido de humor de Keret é genético ou se existe à venda em farmácias. Mas é uma forma admirável de abrir os olhos para o mundo todos os dias.

Espero que continue a ser traduzido em Portugal. Caso não seja, não será por isso que não lerei tudo o que estiver publicado.

Procurem-no e leiam. Em qualquer língua. Volto a referir que Sete Anos Bons já tem tradução portuguesa.

Sinopse (da tradução brasileira)

“Para sobreviver no olho do furacão, Keret, um "Judeu estressado", filho de poloneses sobreviventes do Holocausto, construiu um mundo de palavras, imaginação e inteligência. Sob sua pena afiada, a vida se desenrola como num teatro, entre seu pequeno filho Lev, um esperto manipulador, sua esposa, uma mulher, "imoral"; sua irmã ultraortodoxa; ou Uzi, o melhor amigo, idealizador de atividades imobiliárias um pouco suspeitas. Tudo de torna uma desculpa para sorrir: as longas viagens para apresentar leituras diante de cadeiras vazias, passeios de táxi assustadores, a emoção de ter o passaporte carimbado na Polônia e até o suposto arsenal nuclear iraniano. Que anos bons!”

Rocco

Tradução de Maira Parula

Dezembro 10, 2016

Uma Terra Prometida, Contos sobre refugiados - Vários autores - Opinião

umaterraprometida.jpg

Gostava apenas de deixar algumas linhas sobre este livro. Poucas, para não correr o risco de escrever demais, dado que o tema a isso se proporciona.

Acima de tudo quero dizer, mais uma vez, que me agrada ver publicados livros de contos de autores portugueses. São poucos, para já, mas acredito (ou gosto de acreditar) que surjam mais.

Gosto bastante deste tipo de antologias que reúnem várias vozes em redor de um tema comum. Gosto de ler várias perspectivas de uma mesma situação, ou descobrir novas visões de um mesmo tema.

O tema dos refugiados dá pano para mangas e este livro é disso demonstrativo. Actualmente pensamos de imediato, e inevitavelmente, na situação da Síria, mas qualquer um de nós pode, a dada altura, precisar de refúgio*.

*Espaço físico que oferece condições de segurança e estabilidade.

Desafio-vos a ler este livro. Não é muito conhecido, nem teve a merecida divulgação, mas existe. E ainda bem.

Não gosto muito de me pronunciar sobre contos preferidos, ainda por cima com uma panóplia de autores fabulosos, como é o caso, mas tenho de destacar o conto da Cristina Carvalho. Encheu-me as medidas.

Sinopse

“A IN apresenta a sua primeira recolha de contos, dedicados à temática dos refugiados e da autoria de: Afonso Cruz, Ana Margarida de Carvalho, Carlos Vaz Ferraz, Cristina Carvalho, Filomena Marona Beja, José Fanha, Miguel Real, Nuno Camarneiro, Sérgio Luís de Carvalho. Nove histórias que nos conduzem pelas galerias subterrâneas do medo e do desespero, sobre a fuga e a perda, o caminho e o perigo, sobre o recomeço, ou o fim definitivo. Histórias que, por nos falarem dos limites do humano, muito além dos laços culturais, geográficos ou religiosos, poderiam, afinal, ser sobre qualquer um de nós.”

IN Edições, 2016

Uma leitura Roda dos Livros - Livros em Movimento

Dezembro 08, 2016

Adoração - Cristina Drios - Opinião

Adoração.jpg

Depois de Os Olhos de Tirésias, uma das minhas melhores leituras de 2015, Adoração esperava-me com elevada expectativa. O desejo de voltar a uma narrativa envolvente, e a um estilo literário que eu já colocara (bem) acima da média era enorme. É fácil, como nós leitores bem sabemos, esta ser uma premissa para a desilusão. E, por isso, iniciei a leitura com cautela, embora sinceramente esperasse nada menos do que uma superação do livro anterior.

Gostei bastante deste Adoração. Revela uma evolução e um nível de maturidade literária que me surpreendeu. Cristina Drios evoluiu de modo colossal, fazendo-me emaranhar de prazer nas frases cuidadas, apreciando as palavras escolhidas com esmero. Um deleite, só vos digo, o que foi ler este livro lentamente, saboreando a linguagem cuidada e o vocabulário rico, contudo bastante acessível. Uma escrita palavrosa, porém, descomplicada. Sem definições desconhecidas ou termos complexos. Nada presunçoso, porém, erudito. Ou a caminho disso, digo eu.

A história é excepcional e merece que a descubram. Não me perderei em considerações sobre o enredo ou as personagens, pois admito que Adoração me encantou sobretudo pela escrita. Além disso é uma história misteriosa, não se encaixará exactamente no rótulo do policial, apesar de começar com um crime. Também não sei se será um romance histórico, dado que uma parte acontece num passado muito recente. É um romance cheio de segredos, com cadência ponderada. Um livro pensado. Muito bem pensado. Deixo-vos a sinopse para se entusiasmarem.

Agradeço à Cristina ter-me tirado da ignorância no que toca a Caravaggio e ao seu percurso, que conhecia de forma muito superficial. A internet ajudou-me a ver a luz na escuridão dos seus trabalhos. Fica o desejo de me maravilhar “olhos nos olhos”.

Gostei imenso, recomendo sem reservas, mas não posso deixar de admitir que a trama de Os Olhos de Tirésias me marcou de modo diferente e especial.

Sinopse

“Descrito pelo duque de Nottetempo, seu contemporâneo, como «um brigão, um arruaceiro», o pintor Caravaggio passou uma curta temporada na Sicília em 1609, aguardando o indulto papal para um crime de sangue que cometera em Roma. Nesse período, pintou uma tela que ficaria conhecida por A Adoração e que esteve no Oratório de S. Lourenço, em Palermo, até ser roubada em 1969, ano em que nasceria Antonia Rei.
É essa mesma Antonia que, em 1992, testemunha um homicídio perpetrado pela máfia numa praça da cidade, onde é interrogada pelo comissário Salvatore Amato, que acaba por contactar alguns dias mais tarde. Mas não é curiosamente sobre o assassínio que lhe quer falar, antes sobre o roubo do famoso quadro. Oscilando entre épocas afastadas no tempo, entre a história fascinante da pintura d’A Adoração e a da investigação de Salvatore Amato num dos mais violentos períodos da acção da máfia, este romance recorre aos jogos de espelhos que Caravaggio usava nas suas pinturas para atrair ao mesmo vórtice de luz e trevas as vidas de um leque de personagens cativantes, mortas ou vivas, mas todas misteriosamente condenadas ao desencontro.”

Teorema, 2016