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planetamarcia

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Outubro 23, 2016

Uma dor tão desigual - Vários Autores - Opinião

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Para quem, como eu, gosta de Contos e vive num país em que pouca (ou nenhuma) importância se dá a este género, a publicação de um livro como Uma dor tão desigual é uma felicidade.

Por isso, e por ter Contos de alguns dos autores que mais admiro, iniciei a leitura com bastante entusiasmo. Importa referir que “este livro resulta de um desafio feito a oito autores portugueses para que explorassem as fronteiras múltiplas e ténues que definem a saúde psicológica e o que dela nos afasta” (contracapa). Uma dor tão desigual é uma chamada de atenção, uma forma de sensibilizar para a saúde mental, diminuindo o estigma e incitando a que quem precisa de ajuda, ou seja próximo de quem precise de ser ajudado, procure o apoio necessário.

Por tudo isto, não podia deixar de ler. E, apesar das expectativas elevadíssimas, que tantas vezes acabam por me fazer sentir enganada, este livro não desiludiu e esteve à altura da minha desejada previsão.

São oito Contos, todos diferentes, e cada um vai crescendo em volta de um distúrbio. Há personagens, que acreditamos que são pessoas, com vidas que podiam ser a nossa, a de um amigo ou a do vizinho do lado. Há famílias, há solidão, há caminhos que qualquer um poderia percorrer. Quero apenas dizer que as histórias deste livro são bastante verosímeis, e com facilidade se acredita que são reais. Penso que esse é o ponto crucial na sensibilização da saúde mental como preocupação de todos, pois qualquer um de nós pode precisar de ajuda.

O trabalho dos autores é extraordinário e este livro merece ter muitos leitores. Procurem-no, leiam-no, e participem no enorme passo que é preciso dar na desmistificação dos problemas mentais. Não é preciso sofrer em silêncio.

Não me vou alongar no que refere à qualidade dos Contos. Estamos a falar de Afonso Cruz, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo M. Tavares, Joel Neto, Maria Teresa Horta, Nuno Camarneiro, Patrícia Reis e Richard Zimler. É preciso dizer mais alguma coisa? Nenhum deles consegue escrever mal.

Parabéns à Ordem dos Psicólogos e à Leya por esta parceria. www.encontreumasaida.pt

Sinopse

“Este livro resulta de um desafio feito a oito autores portugueses para que explorassem as fronteiras múltiplas e ténues que definem a saúde psicológica e o que dela nos afasta. Em estilos muito diferentes, um leque extraordinário de escritores brinda-nos com textos que mostram como qualquer um de nós pode viver momentos difíceis e precisar de ajuda.
Estas são histórias de perda, solidão, fraqueza e delírio, mas também de esperança e humanidade. São relatos de gente que podíamos conhecer e talvez conheçamos, histórias íntimas e ricas de homens e mulheres como nós.
A área da saúde psicológica está ainda sujeita a muitos preconceitos, que dificultam a procura de ajuda profissional e estigmatizam quem sofre. Pretende-se com este livro combater esses preconceitos, despertar consciências e ajudar a encontrar uma saída.”

Teorema, 2016

Outubro 16, 2016

Eu Sou a Árvore - Possidónio Cachapa - Opinião

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“Todas as Árvores caminham sobre o Tempo, sobre a passagem das estações, porque nenhum outro movimento lhes resta. Existem, simplesmente, dividindo-se entre o corpo visível que se estende à luz e o corpo inferior que vive de forma encoberta.

Os seus frutos, contudo, são esperanças perdidas, Verão após Verão. Imagens do desejo de poder ser mais do que braços a estender-se ao céu, ao vento, à impiedade dos pássaros. Da vontade que todo o corpo, o poderoso corpo, pudesse sair da terra, com duas pernas móveis, e a fizesse estremecer de medo quando uma delas voltasse a pousar na superfície.

“Toma os meus frutos, com os meus filhos dentro, que são eu, na forma primitiva, e faz de mim um ser que corre”, pedem as árvores aos deuses, na sua súplica.” (Pág. 15).

Fica-me, de alguma forma, pouco para dizer depois da leitura de Eu Sou a Árvore. É um livro forte, muito bem estruturado e com personagens intensas, humanas, cheias de lugares sombrios visitadas por alguns rasgos de luz.

Os anos passam por Samuel e pela sua família. A mulher Jude e os três filhos seguem o sonho do homem que deseja viver da terra. Deixam a cidade e permitem que o campo lhes molde os passos e condicione as decisões. Mais do que falar ou escrever sobre este livro, guardo as reflexões a que me obriga o percurso das personagens. O amor será sempre suficiente para seguir os sonhos do nosso par, mesmo que os nossos não sejam compatíveis e tenham de ficar, necessariamente, para trás? Ou poderemos tornar nossos os sonhos do outro? Como se pode viver sem haver lugar para os nossos desejos?

Pode o próprio Samuel, que vive as suas escolhas, ser plenamente feliz com uma família que o segue, mas não partilha dos seus entusiasmos? E poderá este grupo, esta família, manter a coesão ao longo dos anos? Ou, ao contrário, irá delapidar-se nos silêncios do que fica por dizer (mas não por sentir)?

Os anos cruzam-se ao longo das páginas, como se o passado e o futuro fossem pistas. Não para adivinhar o final, mas para pensar, refletir muito, quer o livro esteja aberto durante a leitura, quer esteja fechado e não nos liberte os pensamentos.

A força de Samuel fica. Persiste. Não cede a ventos ou temporais. É como a árvore que não sai do lugar, com o bom e o mau que essa determinação pode trazer. Porque os homens não são árvores. E só podem abrigar junto a si quem quer viver o mesmo sonho.

Eu Sou a Árvore é realista e por vezes cruel. Eu diria mesmo que é incómodo, que choca e que revolta. Mas é construído na medida certa, com a ponderação inteligente de quem sabe dosear o horror e a beleza, a violência e a ternura, a subtileza e o pragmatismo.

Um livro que permanece.

Sinopse

“Entre os homens e as árvores há tanto em comum que por vezes não se sabe onde começam uns e acabam outros.

Samuel acredita que lhe basta um solo fértil para ser feliz e, sendo-o, permitir que todos o sejam tanto como ele. Mas mulher sonha longe, os filhos guardam segredos, e a força brutal dos seus gestos de patriarca deixa marcas inesperadas naqueles que ama.

No seu esperado regresso ao romance, Possidónio Cachapa colhe um livro onde a Natureza e o Homem vivem misturados, moldando-se e afeiçoando-se mutuamente, enquanto o tempo se some como um carreiro de água em terra seca.”

Companhia das Letras, 2016

Outubro 15, 2016

Topbooks - A Célula Adormecida, de Nuno Nepomuceno

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Deixo-vos a sinopse e o book trailer do novo livro de Nuno Nepomuceno, A Célula Adormecida, que está mesmo a chegar. Já o podem comprar online e a partir do dia 26 de Outubro nas livrarias.

Por aqui as expectativas são altas. O tema é actual e o Nuno já nos habituou a emoções fortes. Estou muito curiosa com este novo trabalho.

Em plena noite eleitoral, o novo primeiro-ministro português é encontrado morto. Ao mesmo tempo, em Istambul, na Turquia, uma jornalista vive uma experiência transcendente. E em Lisboa, o pânico instala-se quando um autocarro é feito refém no centro da cidade. O autoproclamado Estado Islâmico reivindica o ataque e mostra toda a sua força com uma mensagem arrepiante.

O país desperta para o terror e o medo cresce na sociedade. Um grande evento de dimensão mundial aproxima-se e há claros indícios de que uma célula terrorista se encontra entre nós. Todas as pistas são importantes para o SIS, sobretudo quando Afonso Catalão, um reputado especialista em Ciência Política e Estudos Orientais, é implicado.
De antecedentes obscuros, o professor vê-se subitamente envolvido numa estranha sucessão de acontecimentos. E eis que uma modesta família muçulmana refugiada em Portugal surge em cena.
A luta contra o tempo começa e a Afonso só é dada uma hipótese para se ilibar: confrontar o passado e reviver o amor por uma mulher que já antes o conduziu ao limiar da própria destruição.

Com uma escrita elegante e o seu já tão característico estilo intimista e sofisticado, inspirado em acontecimentos verídicos, Nuno Nepomuceno dá-nos a conhecer A Célula Adormecida. Passado durante os 30 dias do Ramadão, este é um romance contemporâneo, onde ficção e realidade se confundem num estranho mundo novo e aterrador que a todos nós nos perturba. Um thrillerpsicológico de leitura compulsiva, inquietante, negro e inquestionavelmente atual.

Outubro 10, 2016

Oficina do Livro - A Escada de Istambul, de Tiago Salazar

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Em Istambul, confluência de mundos, uma estranha escada desperta a atenção do autor deste romance, que decide ir atrás da sua história. Ela confunde-se, porém, com a saga dos seus construtores. Conhecidos como os «Rothschild do Oriente», os judeus Camondo erraram pela Europa até se instalarem em Istambul, onde viriam a tornar-se banqueiros do sultão e grandes filantropos. Abraham-Solomon, o patriarca, era o judeu mais rico do Império Otomano e combateu a maldição do judaísmo na Turquia fundando escolas que respeitavam todos os credos e legando ao filho e aos netos a importância da caridade e do mecenato.

Já em Paris, o seu bisneto Isaac, amigo dos pintores impressionistas, doaria ao Museu do Louvre mais de cinquenta quadros de Monet, Manet e Degas; e o seu primo Moïse, devastado pela morte do filho na Primeira Guerra Mundial, abriria um museu que ainda hoje pode ser admirado e visitado na capital francesa. E, porém, apesar do seu poder e da sua influência, poucos conhecem a história desta família magnânima.

A Escada de Istambul marca a estreia de Tiago Salazar no romance.
Nas livrarias a 30 de Outubro

Outubro 05, 2016

Velocidade Pessoal - Rebecca Miller - Opinião

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Não é fácil explicar o que me atraiu nos Contos de Velocidade Pessoal, mas a verdade é que houve sempre algo que me fez voltar a este livro, mesmo tendo várias leituras em curso. À semelhança do que se passa com livros maiores, que nos prendem, e pedimos inconscientemente, a nós próprios, “só mais uma página”, dei por mim a pedir “só mais um Conto” de cada vez que terminava cada uma destas histórias curtas.

São sete Contos, sobre sete mulheres, cada um com o nome da mulher que é personagem principal. Histórias isoladas, excepto em dois casos, o Julianne e Bryna que, completando-se, oferecem uma visão diferente e interessante deste tipo de histórias.

Rebecca Miller foi-me conquistando com a sua linguagem simples e crua. Talvez tenham sido as personagens banais, daquelas com quem convivemos e que se podem cruzar connosco na rua, que me convenceram. São mulheres a quem atribuímos um rosto, não só pela sua construção e caracterização admiráveis, mas também pela proximidade que vão ganhando junto de quem lê este livro.

Uma leitura fácil e envolvente, mas que vai muito além do simples entretenimento. Gostei bastante.

Sinopse

Livro de contos, que constitui a estreia literária de Rebecca Miller (n. 1962, filha do escritor Arthur Miller), e o jornal Washington Post classificou como o melhor livro de 2001. São sete histórias, quase todas retratos de mulheres de meia idade, histórias que acabam por se ligarem entre si, completando-se.

Relógio d’Água, 2004

Tradução de Nuno Bon de Sousa

Uma leitura Roda dos Livros – Livros em Movimento

Outubro 02, 2016

A Partir de Uma História Verdadeira - Delphine de Vigan - Opinião

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Normalmente não escrevo sobre os livros de que gosto menos. A verdade é que não costumo prosseguir uma leitura que não me entusiasma, e daí não fazer sentido comentar livros que não terminei.

Neste caso o livro foi lido até ao fim. Apesar de me entediar em algumas partes, a expectativa de um final imprevisto e fascinante manteve-me crente de que valeria a pena prosseguir com a leitura.

Foi-me muito recomendado, as estrelas do Goodreads brilham sem parar, e são frases como estas (contracapa) que me fazem acreditar que há livros que podem fazer uma grande diferença:

“Thriller diabolicamente perverso. Vertiginoso mise en abyme psicanalítico.”

Uma pessoa até esfrega as mãos antes de se atirar ao livro.

Mas na verdade, e infelizmente (para mim), foram quase quatrocentas páginas de uma história que é uma cópia descarada de muitas outras. Ou deverei dizer que tem influências? Só para não parecer tão mal… Menciono apenas três, que foram as que comigo permaneceram durante toda a leitura em flasbacks constantes. Temos diversas cenas do filme Jovem procura companheira, numa versão fraquinha que até mete dó. Há frequentes tentativas de “passear” pelo O Escritor Fantasma, de Zoran Zivkovic, e o mais descarado pastiche (mal feito) vai para Misery, de Stephen King. Até a situação do pé partido é igual.

Bom, mesmo assim continuei. Sempre à espera do grandioso e surpreendente final. À medida que vejo passar as últimas páginas e o texto vai reduzindo para o inevitável fim, apercebo-me que não vai haver espaço para qualquer reviravolta. E assim cheguei à última página, certa de que me teria escapado alguma coisa. Li o final três vezes. Era mesmo só aquilo.

Deixo aqui a sinopse só por piada.

Sinopse

“A história é contada na primeira pessoa, com Delphine, a narradora, como uma das duas personagens. Todos os nomes são de pessoas reais: o da autora/narradora, o dos filhos, do namorado… A história é aparentemente autobiográfica e, no entanto, torna-se a certa altura um jogo de espelhos, em que é difícil discernir entre realidade e ficção. Nada previsível, cheio de surpresas, com um suspense crescente (chega a ser atemorizante), mantém o leitor literalmente agarrado até ao fim(*). Delphine crê que a sua incapacidade de escrever terá coincidido com a entrada de L. na sua vida. L. é a mulher perfeita que Delphine gostaria de ser: muito bonita, impecavelmente cuidada, de uma grande sofisticação e inteligência. L. está também ligada à escrita - é escritora-fantasma. L. insinua-se lenta mas inexoravelmente na vida de Delphine: lê-lhe os pensamentos, adivinha-lhe os desejos e necessidades, termina-lhe as frases, torna-se totalmente indispensável - é a amiga ideal. Mas, aos poucos, sabemos que ela conseguiu isolar Delphine (afastando toda a gente), que lhe lê os diários, a correspondência, que se faz passar por ela! E quer demover Delphine de escrever o livro que esta está a preparar, obrigando-a a escrever a obra que ela (L.) quer: Introduz-se, assim, na vida da amiga de forma insidiosa, permanente, por fim violenta, controlando tudo. É aqui que há um volte-face na intriga - até aí muito perto do real - e uma possibilidade autobiográfica. O fim é maravilhosamente surpreendente.”

Quetzal, 2016

Tradução de Sandra Silva

Uma leitura Roda dos Livros – Livros em Movimento

Outubro 02, 2016

Os Malaquias - Andréa del Fuego - Opinião

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Eu estava de saída para o Folio, no dia 22 de setembro, quando num impulso, voltei atrás e tirei Os Malaquias da estante.

Já o tenho há três anos e, apesar da curiosidade, foi ficando para trás, preterido por outras leituras. Já desconfiava que seria um óptimo livro, foi vencedor do Prémio José Saramago 2011, sendo que os prémios nem sempre são indicativos seguros de que um livro me vai agradar. Mas a verdade é que gostei muito. E quando assisti à sessão, no dia 23, com Andréa del Fuego e Afonso Cruz (moderação de João Paulo Sacadura), sobre o lugar do fantástico na literatura lusófona actual e a criação de universos imaginários, já ía a meio do livro.

Os Malaquias foi o meu companheiro do Folio (falamos de livros, entenda-se), e foi uma excelente opção. Durou exactamente os dias que tive disponíveis para o festival, e ficará sempre associado ao evento.

Em relação à história e à escrita, posso dizer-vos que são ambas surpreendentes. O início do livro é de ficar sem pinga de sangue, e basta ler a primeira página do segundo capítulo para saber que o argumento tem um potencial incrível, e que Andréa tem um estilo único (e espectacular). Não resisto a deixar-vos aqui a dita página, para que se impressionem (espero eu).

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Esta é a premissa, três crianças sozinhas numa casa onde os pais morreram fulminados por um raio. Desafio-vos a lerem este livro, a deixarem-se levar por um realismo que não sei se é mágico, mas que é de uma irrealidade incrível e estranhamente verosímil. Acredito nas palavras de Andréa. Acredito numa aldeia que desapareceu debaixo de água, mas que, mesmo assim, continuou a acolher habitantes. Acredito que um homem pode desaparecer dentro de um bule, através do passador. Acredito em todas as histórias que me fazem ficar presa a um livro até o terminar e que, já agora, me proporcionam uma viagem de fazer esquecer o que está ao redor.

Gostei ainda mais do Folio por me ter feito, finalmente, descobrir Os Malaquias.

Sinopse

“Serra Morena. Um raio esturrica o casal, em luz e carne. Os filhos ficam órfãos, com destinos diferentes. Antônio, o menino que não cresce. Nico, o patriarca engolido por um bule de café. Júlia, a menina em fuga permanente. Um lugar onde as sombras da terra e da água convivem. Onde a morte e a vida são o mesmo mundo. Um poema seco à humanidade de cada um de nós.
Uma escrita áspera mas poética, desenhada com a vertigem das memórias da família Malaquias, e que evolui como tributo pessoal da autora aos seus antepassados.
Transcendental e mágico, este romance do insólito revela-se uma leitura para o coração.
Um livro forte, aclamado, invulgar.

Vencedora do Prémio Literário José Saramago 2011
Finalista do Prémio São Paulo de Literatura e do Prémio Jabuti, na categoria romance, ambos em 2011.”

Porto Editora, 2012