Agosto 27, 2016
O Livro dos Camaleões - José Eduardo Agualusa - Opinião
Ler Agualusa é sempre aquela aposta certeira. Não há risco. Até agora saí sempre a ganhar.
É a primeira vez que leio Contos do autor e quero, definitivamente, descobrir os outros livros de histórias curtas. São só fantásticos. Os mais curtos são ainda melhores, na minha opinião. Cheguei ao fim de cada um deles deliciada pela qualidade da narrativa e surpreendida pela forma como se pode escrever tanto em duas ou três páginas.
Bons para ler numa tarde de Verão, deixando que as palavras acompanhem o clima quente, e nos envolvam numa dormência que embala no limiar do esquecimento. Para ler como quem sonha. Sonhos bons.
Histórias de abrir os olhos e atravessar rios, sem medo do que não se conhece, na ansia de sentir. De viver.
Todos podemos ser camaleões.
“Subitamente alguém apagou as luzes e fez-se um grave silêncio. Quem apagara a luz tinha, no mesmo gesto, apagado o ruído. Seria bom possuir um aparelho capaz de criar silêncios, pensou Sombra. Algo semelhante ao comando de uma televisão. Assim, poderíamos atravessar o tumulto cheio de espinhos de uma grande cidade como se navegássemos à vela na vasta paz de um oceano.” A boneca cantora. Pág. 40.
“A televisão não tinha som. Sofia gostava de assistir aos telejornais em silêncio. Via as imagens e esforçava-se por imaginar o contexto. Assim, de uma certa forma, era ela quem criava as notícias. Não se limitava a ser uma simples expectadora.” A última noite. Pág. 104.
A maior surpresa foi o Conto Flamantes flamingos, flamengos e flamboyants, este não tão curto, escrito no âmbito do projecto de continuação do romance Os Maias, de Eça de Queiroz (Expresso). Estranhei e tive medo. A sério? “Brincar” com Os Maias? Correu-lhe bem. Confirmem.
Sinopse
“Uma seleção de contos inéditos em livro, marcada pela prodigiosa arte de contar do escritor angolano, pela sua notável galeria de personagens, bem como pelo seu sentido de humor e de sensibilidade tão presentes em Um Estranho em Goa, A Vida no Céu ou A Rainha Ginga.
Um ditador africano, muito respeitado em Portugal, escreve a sua biografia. Um famoso marinheiro maltês visita São Tomé, depois de passar por um lugar onde o tempo não passa. Um antropólogo descobre-se nu e indefeso diante de uma mulher. Uma zebra persegue um escritor. Uma virgem perde a cabeça.
Neste O Livro dos Camaleões cruzam-se personagens em busca de uma identidade, ou em trânsito de identidade, atravessando diversas épocas, do século XIX aos nossos dias, e diversas geografias, das savanas do Sul de Angola às ruidosas ruas do Rio de Janeiro.
Algumas destas personagens são arrancadas à realidade ou inspiradas em figuras reais. Não se trata de saber onde termina a realidade e começa a ficção. Trata-se de questionar a própria natureza do real.”
Quetzal, 2015