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planetamarcia

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Junho 28, 2016

Morrer é mais difícil do que parece - Paulo Varela Gomes

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Não é um livro. É um texto. Foi publicado na Granta 5 (Falhar Melhor) e está disponível para leitura aqui.

É um texto brutal. Sim, foi escrito por um homem que sabia que iria morrer em breve, e não é melhor ou pior por isso. É uma história assustadora escrita com uma beleza ímpar.

Humano. Com as fragilidades isso implica e as forças inesperadas que, misteriosas, surpreendem nos momentos mais duros.

Não dá lições a ninguém nem ensina a aproveitar a vida. É uma descrição do fim.

Eu acho que o devem ler.

“A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome da vida, não me deixa morrer às primeiras: obriga-me a pensar nas pessoas, nos animais e nas plantas de quem gosto e que vou abandonar. Quando a vida manda mais em mim do que a morte, amo os que me amam, e cresce de repente no meu coração a maré da vida.”

Paulo Varela Gomes (1952-2016) foi professor dos ensinos secundário e superior até se reformar em 2012, autor de artigos e livros da sua área de especialidade (História da Arquitectura e da Arte), colaborador e cronista permanente de vários jornais e revistas, designadamente do «Público», autor e apresentador de documentários de televisão. Escreveu o livro de crónicas «Ouro e Cinza» e os romances «O Verão de 2012», «Hotel» (Prémio PEN Narrativa 2015), «Era Uma Vez em Goa» e «Passos Perdidos». Em 2015, publicou na revista Granta o texto «Morrer é mais difícil do que parece».

Junho 26, 2016

Ouro e Cinza - Paulo Varela Gomes - Opinião

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Por vezes tenho a sorte de ler livros que ficam comigo muito tempo. Não só depois de os terminar, o que acontece frequentemente, e ainda bem, mas enquanto os leio. É raro. Gosto de ler depressa. E muitas (demasiadas) vezes cometo o pecado de ler o final do livro já com a cabeça no próximo. Nenhum autor merece. Mas o leitor também não. Arrependo-me, mas não evito. Não corrijo. Reincido.

Mas quando um livro fica na mesinha de cabeceira alguns meses sem ser por me ter entediado dele, e o levo na mala mesmo sabendo que não terei tempo ou oportunidade de lhe pegar, sei que se entranhou o suficiente para ler umas linhas hoje e outras amanhã, protelando o final com desvios páginas atrás, adiando a distância à contracapa.

Mas esse dia chegou, e li todas as palavras de Ouro e Cinza. Algumas li várias vezes e sei que lerei muitas mais.

Do brilhantismo da escrita, à lucidez do autor, passando pelas paisagens que conheço, e olhando de espanto para aquelas que só vi nestas frases, tudo guardo.

Porque sabe bem pegar num livro de crónicas como este, todo lucidez, com um tratamento objectivo pelas coisas que se olham e, mesmo assim, deliciar o leitor como se fosse um romance. Nem sempre a verdade é bonita, por isso é que fugimos para a ficção. Mas um bom texto, aquele que nos ganha, pode ter cinco linhas e ser sobre o que se passa do outro lado da janela. Parece simples. Só é preciso saber escrevê-lo.

Sinopse

«São acerca de quê, estas páginas? Não sei como responder a esta questão. Sentimentos, sítios, ideias, objectos, imagens, climas, bichos, plantas.
Escrevi crónicas regulares para jornais e revistas durante trinta anos, desde 1984. Foram milhares e milhares de páginas. Habituei-me ao formato limitado, entre quinhentas e mil palavras por texto, mais coisa, menos coisa, e reparo hoje que, desde as primeiras crónicas, no "Blitz" e no "Jornal de Letras", encontrei uma certa facilidade nesse formato. O facto de serem poucas as palavras nunca evitou que dissesse asneiras, mas teve a grande vantagem de impedir que fossem muito graves. Por outro lado, poucas palavras implicam palavras certas. Aprendi a escolhê-las com cuidado.
Colaborei com o "Público" desde que este jornal apareceu, em 1990. Escrevi textos de variados géneros e, entre 2007 e 2013, crónicas regulares que se distribuíram por três séries: "Cartas de Cá" (mais de oitenta), "Cartas do Interior" (mais de cem) e "Cartas de Ver" (cerca de cinquenta). Foram muitas semanas e muita vida, muito ouro e muita cinza. Seleccionei para este livro algumas crónicas das duas primeiras séries, aquelas que ainda hoje me parecem bem, conjuntamente com alguns artigos mais longos, que saíram tanto no "Público" como em outras publicações. Espero que os leitores, tanto os que já conhecem estes textos como aqueles que nunca os leram, gostem da variedade do mundo observada em poucas palavras.» —PVG

Tinta da China, 2014

Junho 20, 2016

Uma Escuridão Bonita - Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Opinião

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Há livros que parecem ter poucas palavras. Mas depois de lidos sentimos que têm as palavras suficientes. Na verdade, quando as palavras são perfeitas parece que incham, engordando as páginas e obrigando o leitor a equilibrar as palavras dentro do livro, relendo.

Quando as palavras perfeitas se acomodam em ilustrações perfeitas, que as vestem no tamanho certo, tanta beleza parece querer sair para fora das páginas. E sai. É o leitor que a leva consigo. Pelo menos uma parte. A outra guarda dentro do livro para se maravilhar muitas mais vezes.

“Quando somos crianças o mundo fica bonito de repente. E simples. Parece um céu aberto com estrelas possíveis de serem apanhadas e guardadas numa gaiola sem paredes de fechar ninguém.” (Pág. 93)

No escuro da noite a luz do que se diz. E como ilumina o que fica por dizer.

Uma Escuridão Bonita, quando nos chega às mãos, tem menos palavras do que aquelas que julgamos ser necessárias. Mas não precisa de mais para ser eterno. Ficará comigo para sempre.

Sinopse

“Numa das muitas noites em que falta a luz em Luanda, dois adolescentes ensaiam o seu primeiro beijo, mas este primeiro beijo precisa de muitos ensaios, de muitos momentos de aproximação e afastamento, de certezas e de inseguranças... O ambiente ajuda e o pretexto surge: estão os dois na varanda da avó Dezanove, às escuras, à espera do cinema bu: um cinema que só acontece quando um carro passa com a velocidade e os faróis certos para projetar sombras/imagens nas paredes brancas das casas da rua escura. Esta é uma das mais comoventes estórias do narrador infantil do Ondjaki. Uma Escuridão Bonita integrou a seleção dos melhores livros de 2013 da revista Visão.”

Caminho, 2015

Junho 14, 2016

Síndrome de Antuérpia - João Felgar - Opinião

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Foi com bastante expectativa que iniciei a leitura de Síndrome de Antuérpia. Depois da surpresa de descobrir Terra de Milagres, no ano passado, tornou-se inevitável esperar, no mínimo, melhor.

Com este novo livro João Felgar continua a surpreender. A fórmula é idêntica em alguns pontos, na medida em que a leitura é rápida e de certa forma compulsiva. A escrita é, pois, fluída, agarrando o leitor.

A mim comoveu bastante a história deste livro, talvez mais do que a anterior. Apesar de não ser tão misteriosa, pois não me foi difícil deslindar a trama, é uma narrativa bastante densa e não raras vezes dura. O universo feminino continua a ser um foco de interesse, penso que Cassilda Alfarro é uma personagem extraordinária e muito bem construída, mas obviamente que a maior curiosidade e interesse cai sobre Célio, o rapaz que desapareceu da aldeia e passados vinte anos regressa com o corpo da mulher que sempre teve dentro de si.

Voltamos ao ambiente rural, o meio é pequeno e todos se conhecem. Amores, intrigas e lutas familiares. O passado sempre ao virar da esquina, como uma sombra ou um fantasma. Os Alfarro de um lado, família poderosa da terra, e o resto do povo do outro, quase como mero espectador de um dia-a-dia governado por quem pode mexer os cordelinhos. Interessante reflexão sobre a vida em comunidade e sobre quem controla o quê. Sobre o medo das coisas que não se controlam e que, inevitavelmente, o futuro leva à frente, sem piedade.

Quando Célio, agora conhecido como Castiça, a tola da aldeia, aparece morto na pedreira, há muito mais além do que aparenta haver. E o que fazer quando o que não podia ter acontecido é já um acto consumado? Poderá quem manda criar a verdade? Será sempre uma mentira para quem sabe o que realmente o que aconteceu.

Síndrome de Antuérpia não é uma lição sobre a tolerância, e penso que não pretende ser. É muitas outras coisas.

É uma viagem ao coração de uma família doente que já nem luta pelas aparências, por não ser preciso, pois cada um dos seus elementos é de uma transparência que não escapa aos anos de “convívio” entre a população. E mesmo não valendo a pena lutar contra a verdade, e o óbvio ser flagrante, continua a alimentar-se a imagem que Cassilda, agora a matriarca, decide que é a correcta.

É também, por exemplo, uma descrição sem paninhos quentes do caminho que Célio percorreu para ser por fora a mulher que sentia por dentro, numa época em que não havia qualquer acompanhamento médico, e só o moveu a vontade de ser feliz e de se aceitar quando se olhava ao espelho. As loucuras a que sujeitou o corpo, sem medo de experimentar, e as terríveis consequências foram uma tortura para si e também para quem lê as descrições do autor. Mas serão certamente uma ínfima parte das dores de tantos Célios. E é isso que na verdade custa – os pensamentos com que o leitor luta depois da leitura. Mas esta luta, quando permanece depois de fechada a última página, é o melhor prémio que um livro pode oferecer.

Síndrome de Antuérpia permanece. Dificilmente se esquece. Leiam-no!

O lançamento é já amanhã, dia 15 de Junho. Não percam a oportunidade de saber mais sobre este livro.

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 Sinopse

“No princípio tinha corpo e nome de homem. Depois partiu da aldeia, foi-se embora. Quando voltou era uma mulher, com um nome estranho e um passado de estrela dos palcos. Mas talvez fosse mentira. Por algum tempo foi atração de uma boîte de beira de estrada. Até à noite do incêndio, quando lhe deram o nome de Castiça, e se tornou a tola da aldeia. No primeiro sábado da Quaresma, Castiça aparece morta no fundo de uma pedreira abandonada. Traz vestida ainda a roupa que usara durante o corso e o baile de carnaval. Castiça era a doida da aldeia, cantava nas esquinas, bebia muito, e dizia asneiras alto. Mas não foi sempre assim, nem teve sempre esse nome.

Justiniano Alfarro é preso no próprio dia em que o corpo é descoberto, porque tudo indica, com uma clareza sem margem para dúvidas, que foi ele quem a matou. Seria tudo um logro, um embuste, porque Justiniano era o mais perfeito dos homens. Mas nenhuma voz se levantou quando o levaram, e todos aceitaram a notícia num silêncio cúmplice. Todos, menos as mulheres que o amaram. Antuérpia, sua filha, é uma dessas mulheres. Convencida de que enfrenta um conluio, prepara-se para repor a verdade procurando-a no passado do pai. Mas engana-se, porque a origem de tudo está no futuro da aldeia.”

Clube do Autor, 2016

Junho 12, 2016

As Viúvas de Dom Rufia - Carlos Campaniço - Opinião

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Não houve uma página deste livro que eu lesse sem um sorriso nos lábios. O início, lido ainda numa livraria, tal era a curiosidade com Dom Rufia, elevou a fasquia das expectativas e aguçou a vontade de o levar.

Senti este livro mais próximo de Os Demónios de Álvaro Cobra do que do anterior Mal Nascer, contudo As Viúvas de Dom Rufia é um livro diferente de qualquer um dos anteriores. Assenta num registo cómico muito bem conseguido, que não cansa, tendo também uma pitada bem jogada de malandrice. Dom Rufia, ou Firmino Pote, é uma personagem incrível que atravessa todo o livro com os holofotes na sua direcção. Um pantomineiro de bom coração, que pisca o olho ao leitor e lhe conquista a simpatia, apesar das mil e uma (ou mais) invenções para se tornar rico à custa das mulheres que vai enganado por várias localidades do Alentejo.

Dom Rufia, apesar de analfabeto, tanto se faz passar por médico como por advogado. Descontraído por natureza, sai em beleza das situações mais complicadas, encontrando sempre uma forma de deixar as mulheres (e as famílias, já agora) a seus pés. Nasceu para ser rico e tudo inventa para não ter de voltar ao trabalho duro dos campos. Procura ser visto em locais de prestígio, onde se relaciona com influentes homens de negócios que enrola nas suas patranhas. Firmino tem um enorme jogo de cintura, mantendo as suas mulheres felizes e apaixonadas, todas achando que são a única. O seu charme estende-se ao leitor que, sabendo de todas as suas falcatruas, se mantém ao seu lado, defendendo-o, mesmo sabendo que é inútil, pois a história começa no funeral de Firmino.

Mas mais do que a história encantou-me a escrita. Frases bonitas e criadoras de cenários imaginados, que reli até quase se desfazerem de sentido, tanto as fui desmanchando e repetindo. Senti que as personagens foram planeadas e criadas com esmero, evidenciando um romance pensado e estruturado. O interesse constante na história é mantido com deliciosas guloseimas para os sentidos, sempre com um sentido de humor inabalável.

Pessoalmente acho que é difícil ter graça, talvez por achar poucas coisas engraçadas e me fartar depressa da piada fácil. Valorizo muito quem consegue ser cómico sem cair no ridículo, e acho a comédia mais difícil do que o drama. Carlos Campaniço mostra a sua versatilidade, criando um romance diferente dos anteriores, mas mantendo o estilo que já conhecemos. Estão lá os regionalismos e as expressões de época (início século XX), conjugados com detalhes de vestuário, ambientes e tradições. As Viúvas de Dom Rufia oferece, não só horas de aprazível leitura, como uma verdadeira viagem no espaço e no tempo.

Recomendo sem qualquer reserva!

Sinopse

“Conhecido por Dom Rufia desde moço, Firmino António Pote, criado sem recursos numa vila alentejana, promete a si mesmo tornar-se rico. Negando-se à dureza do trabalho do campo, divide durante anos a sua sobrevivência entre o ócio e alguns negócios frugais. Mas, já nos trinta, munido de assombrosa imaginação, bonito como poucos e gozando de uma enorme capacidade de persuasão, sobretudo entre as mulheres, lobriga várias maneiras de alcançar o seu objectivo, fingindo continuamente ser quem não é. Para isso, porém, é obrigado a viver em vários lugares ao mesmo tempo, dando a Juan de los Fenómenos, um velho chileno em busca de proezas sobre-humanas, a ilusão da ubiquidade.
Quando o corpo sem vida de Dom Rufia é encontrado no meio do campo, a recém-empossada Guarda Republicana não imagina as surpresas que o funeral reserva. O aparecimento de uma estranha carta assinada pelo tio do morto é só o princípio da desconfiança de que ali há mão criminosa.
Depois do muito aplaudido Mal Nascer, finalista do Prémio LeYa em 2013, Carlos Campaniço regressa à ficção com um romance irresistível e cheio de humor, cuja acção decorre no início do século XX, num Alentejo onde pululam personagens fascinantes e inesquecíveis.”

Casa das Letras, 2016

Junho 09, 2016

O Escritor-fantasma - Zoran Živković - Opinião

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Continuo a descobrir a obra de Zoran Živković. Já o queria fazer há bastante tempo, mas confesso que foi a vinda do autor a Portugal, e o envolvimento da Roda dos Livros numa sessão de apresentação que me levou à leitura de A Biblioteca, O Livro e O Escritor-fantasma num curto espaço de tempo.

Recomendo a quem ainda não leu O Escritor-fantasma que não avance na leitura deste post. Eu sei que não é simpático para quem vem aqui à procura de sugestões de leitura, encontrar um texto cheio de spoilers, e eu acho que nunca o fiz, mas neste caso vai ter de ser, pois não consigo escrever sobre este livro sem começar pelo fim, pela mistura de surpresa e estranheza que me apanhou nas últimas páginas.

Despeço-me aqui dos que ainda não leram o livro, a quem apenas adianto que recomendo com algumas reservas, pois não faço a mínima ideia como é que vão reagir ao final. Desde um sorriso amarelo ao arremesso violento do livro, tudo é possível.

SPOILER

São pouco mais de cem páginas que se leem com a avidez de quem quer descobrir o final. Uma mistura de surrealismo e esquizofrenia, com uma grande dose de loucura. O Escritor, de quem nunca sabemos o nome, é cilindrado com dezenas de e-mails de várias origens. Após muita conversa virtual com os seus cinco correspondentes, em ritmo frenético, o Escritor percebe que, todos pretendem, cada um à sua maneira, que ele escreva para eles. Do admirador, que lhe pede claramente que seja escritor-fantasma do seu livro, à vizinha que lhe pede que lhe escreva um romance em homenagem ao cão que está a morrer, todos lhe querem “roubar” o talento e a originalidade.

No final (tcham tcham), quando o leitor percebe que não havia mais ninguém além do Escritor, e que todo o livro é uma manobra de diversão deste para superar um bloqueio, a sensação é a de quem vai aos apanhados!

A minha primeira reacção foi achar que não tinha percebido. No fundo entendi o que tinha acontecido, mas não quis acreditar que tinha sido tão bem enrolada. Preferi pensar “não pode ser isto”. Mas é. Li o livro com muito entusiasmo, até porque é bastante envolvente e de fácil leitura, mas no fim senti que um grande “tonta” me apareceu escrito na testa.

Uma leitura interessante, um exercício de escrita surpreendente e uma delícia para os apaixonados por gatos, que se vão perder de amores por Félix, o gato do escritor.

Quem leu até aqui sem ter lido o livro fez mal, mas eu avisei. Mesmo assim esperam-vos momentos deliciosos se se decidirem por esta leitura. Os outros, que já leram o livro, contem-me tudo. Também se sentiram um pouco… tontos?

Sinopse

“Um escritor, em plena crise de inspiração, senta-se à sua secretária para dar início a mais um dia de trabalho. A sua única companhia é Félix, o seu gato, cujas constantes exigências lhe tornam a vida bastante complicada. Mas, nessa manhã, defronte ao computador, um outro acontecimento contribui para perturbar a sua tranquilidade. Na sua caixa de correio electrónico encontra uma proposta feita por um admirador secreto, que pretende que o escritor lhe ceda a autoria do seu novo romance. Entretanto, outras mensagens começam a chegar-lhe, provenientes de outros quatro correspondentes anónimos. Todas elas com pedidos igualmente intrigantes. À medida que vai aumentando o ritmo dos e-mails trocados, vai-se adensando o mistério à volta da identidade e das verdadeiras intenções de todos eles. Tudo isto sob o olhar indiferente e entediado de Félix. O leitor deste livro é convidado, através das pistas que o autor vai deixando, a montar o puzzle e a descobrir a solução final para a história. Zoran Zivkovic, neste seu novo e divertido - por vezes hilariante - romance, revela as singularidades do mundo da escrita e dos escritores, conseguindo mais uma vez captar a atenção do leitor da primeira à última página.”

Cavalo de Ferro, 2012

Tradução de Maria João Freire de Andrade

Junho 08, 2016

Pena Capital - Robert Wilson - Opinião

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Já eram muitas as saudades de ler um bom policial. Pena Capital foi-me muito recomendado e esperava na estante há demasiado tempo.

Correspondeu exactamente às minhas expectativas, encontrei o esperado estilo sofisticado de Robert Wilson, a sua escrita cheia de classe que eleva o policial para outro patamar. Ler este livro foi um duplo reencontro, por um lado com um género que aprecio e que, por força de outras escolhas de leitura, tenho deixado para trás, por outro com um autor que admiro pela sua escrita envolvente e pela estrutura estudada dos seus romances.

Este não é um daqueles livros que escorre sangue, por isso talvez não seja o mais adequado para os fãs de histórias de psicopatas e serial killers, que procuram aquela adrenalina da leitura no limite. Pena Capital não é um page turner, não consome o leitor enquanto este não o termina. É antes um livro-companheiro a que desejamos voltar para seguir a história com atenção e aproveitar bons momentos de leitura.

Não se pode comparar ao fabuloso O Último Acto em Lisboa, do mesmo autor, que guardo como um dos meus policiais favoritos, nem o pretende ser, a meu ver. São tramas completamente diferentes, igualmente (e extraordinariamente) bem estruturadas. Contudo com propósitos distintos.

Em Pena Capital o leitor entra numa conspiração internacional a que vai puxando os fios a partir do rapto da filha de Frank D’Cruz, um actor/magnata/empresário indiano, e por onde se vai desenrolando um novelo de ligações a terrorismo, fraude e crime, descendo, por vezes, a locais muito negros da alma humana. Charles Boxer é um herói que mantém os leitores com os pés na terra, não tem atitudes de desenho animado e possui tantos defeitos como qualquer ser humano. Com um passado que merece ser descoberto, Boxer tem uma vida familiar desastrosa e profissionalmente é especialista em gestão e resolução raptos e resgates. Cabe-lhe a tarefa de garantir o regresso de Alyshia (a filha raptada) a casa, de preferência viva.

Logo no início Wilson oferece ao leitor português uma passagem (considerável e entusiasmante) numa zona conhecida de Lisboa, dando destaque e talvez uma pequena homenagem ao país que escolheu para viver (pelo menos da última vez que soube ele vivia em Portugal).

Este é o primeiro livro de uma trilogia, a que se segue Nunca me Encontrarão. No fim das quase quinhentas páginas de Pena Capital, e devido ao seu final habilmente suspenso, a vontade de passar ao livro seguinte é enorme. O meu está à espera na estante!

Sinopse

“Alyshia D’Cruz, filha do magnata indiano Francisco «Frank» D’Cruz, cresceu entre Londres e Mumbai, num meio privilegiado. Mas uma noite, depois de uma festa com muito álcool, Alyshia entra no táxi errado...
Charles Boxer, ex-militar e ex-polícia, encontrou a sua vocação na segurança privada. A sua especialidade: raptos e resgates. Mas é uma vida sem raízes, que não impressiona a filha adolescente, Amy, nem a mãe desta, a sargento-detetive Mercy Danquah.
Quando D’Cruz contrata Boxer para encontrar Alyshia, este percebe que o complicado império empresarial de Frank lhe valeu muitos inimigos. Apesar da imensa fortuna de D’Cruz, os raptores não querem dinheiro - preferem um jogo cruel e letal. Mas o governo do Reino Unido não quer que o seu novo grande investidor perca a filha no centro da capital. Agentes do MI6 na Índia seguem as pistas de Boxer e, quando o rasto se cruza com uma conspiração terrorista em Londres, depressa se torna aparente que não é apenas a vida de Alyshia que está em causa.
Para salvar Alyshia, Boxer tem de fintar fanáticos religiosos, mafiosos indianos e senhores do crime londrinos. Pena Capital é uma viagem arrepiante ao lado negro de pessoas e lugares que estão escondidos, à espera do momento certo para destruir uma vida.

D. Quixote, 2012

Tradução de Isabel Veríssimo

Junho 08, 2016

O Livro - Zoran Živković - Opinião

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O narrador do livro que se chama O Livro é um livro. Como é que alguém que adora livros pode não querer ler este livro?

E agora que já gastei o número de vezes que é razoável utilizar a palavra livro neste texto (e nos próximos), como é que vos poderei contar a aventura que foi esta leitura? Posso dizer que foi paixão à primeira frase.

“Não é fácil ser um livro.”

E assim começam os desabafos de um livro que sofre nas mãos dos leitores, esses abusadores (psicopatas, vá) que dobram cantos de páginas, escrevinham por todo lado, esquecem e abandonam livros de qualquer maneira, e mais uma série de pormenores deliciosos que desenham sorrisos na cara de quem os lê.

Uma sátira exagerada, mas inteligente. Carregada de ironia, que entretém, diverte e faz pensar, não poupando nada nem ninguém relacionado com o mundo dos livros.

Utilizando os seus conhecimentos do mundo editorial, e revelando uma lucidez admirável Živković, acorda o leitor romântico do seu sonho, criando um leque de personagens detestáveis a quem entrega a responsabilidade da criação de oferta literária. O leitor passa para o outro lado da página e observa um mundo terrível de falta de profissionalismo, em que o exagero funciona como uma lupa, aumentando o desmazelo de uma secretária que, enquanto pinta as unhas, revê manuscritos, cria títulos e faz as capas dos livros. Tudo perante o olhar atónito do autor.

Desde as mais diversas jogadas “debaixo da mesa” para promover livros, usando e abusando sem qualquer pudor da mentira e da invenção delirante, o editor esmaga a fantasia dos sonhadores dos livros, equiparando o objecto de paixão e culto a qualquer mercadoria. Sabemos que é assim, que no meio do novelo irónico há verdade, pior, há realidade. E os livros, a meu ver, mereciam ser melhor tratados. Afinal é verdade, não é fácil ser livro.

Li O Livro com bastante interesse, deixando-me envolver na teia criada pelo autor. Contudo, talvez a parte dedicada à criação do livro, em que há uma transferência de narrador, seja desnecessariamente extensa. Em alguns momentos, quando os livros são comparados às mulheres, pareceu-me ouvir uma vozinha machista. Mas admito que o propósito do autor se possa ter perdido na tradução, dado que livro é feminino em Sérvio. Fica a dúvida.

Deixando de parte a dúvida, que não é suficiente para deixar de apreciar a leitura, fica a (minha) certeza de que teremos sempre livros. Para mim, nenhuma das opções de substituição do objecto-livro são sequer alternativas, mas apenas recurso em caso de necessidade. Preciso de lhes tocar as páginas, de sentir os relevos das capas, de os folhear enquanto lhes inspiro o perfume. O livro não pode deixar de existir.

Sinopse

“Zoran Živkovic demonstra uma vez mais toda a sua imensa cultura livreira e, com muito humor, ironia e sátira, compõe um brilhante exercício de imaginação narrativa, onde é o próprio Livro que se assume como protagonista da sua própria história e se dirige em primeira pessoa ao seu leitor humano. Ambos, afinal, partilham muitos aspectos da sua existência e, porventura, o mesmo destino, ou não seria o Livro, mais do que um mero objecto impresso, um verdadeiro monumento à inteligência, ambição e vaidade humanas.”

Cavalo de Ferro, 2016

Tradução de Rita Carvalho e Guerra

Junho 01, 2016

À conversa com Zoran Živković na Bertrand do Chiado

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Na próxima segunda-feira, 6 de Junho, a Roda dos Livros vai estar à conversa com Zoran Živković na Bertrand do Chiado.

Aceitem o convite da Roda, da Cavalo de Ferro e da Bertrand, e juntem-se a nós numa conversa informal com o autor de A Biblioteca.

Zoran Živković, vencedor do World Fantasy Award, leva o leitor em viagens pelo universo dos livros. E mais não digo porque vocês merecem ser surpreendidos!