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planetamarcia

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Janeiro 13, 2014

A Noite das Mulheres Cantoras - Lídia Jorge - Opinião

 

Depois de várias tentativas de ler “A Costa dos Murmúrios”, não sei explicar porquê nunca avancei na leitura, finalmente li um livro de Lídia Jorge e pude encantar-me com a sua escrita.

Partindo de um estrutura original mas não inédita, a autora traça o percurso de um grupo de mulheres que tem o sonho de cantar. Fazendo lembrar alguns grupos pop dos anos 80 com canções festivaleiras, coreografias exuberantes e um guarda-roupa cheio de folhos, brilhos e cores, entrei na garagem dos ensaios e, acima de tudo, entrei nos mistérios algo densos de um grupo liderado por Mimi, a maestrina.

Mimi, ou Gisela Baptista, é arrebatadora e determinada, a líder que as outras seguem muitas vezes sem razão lógica. Simplesmente porque há pessoas assim, que nos impelem a segui-las tomando nossas as suas vontades. Gisela decide tudo, ultrapassando a esfera do grupo, devassando as vidas privadas das colegas; é de uma força tão bem caracterizada e descrita que a amamos e odiamos conforme Lídia Jorge muito bem lhe apetece. Sim, senti-me uma marioneta nas palavras deste livro, perdi completamente o comando e deliciei-me a sujeitar-me às suas ordens.

Mimi é a personagem mais forte mas a voz é Solange, letrista do grupo. Solange, figura fulcral, vinte anos na sombra, é apresentada no primeiro capítulo como uma estrela. Mas isso é porque se trata da “Noite Perfeita”. Um começo cheio de brilhos e felicidade que é o fim de um percurso. Na verdade, na segunda vez que li o primeiro capítulo (depois de chegar ao fim) e revisitei a “Noite Perfeita” já não achei assim tão perfeita, tanto brilho sugeriu-me alguma decadência e nostalgia, talvez alguma saudade de um passado que as mulheres cantoras construíram mas que compõe um retrato de muitas peças. Peças tristes, peças duras, peças que não encaixam na “Noite Perfeita”.

Passado numa Lisboa dos anos 80, que eu não conheci mas pude criar, “A Noite das Mulheres Cantoras” é um romance que me revelou finalmente a Lídia Jorge que eu já há muito queria conhecer.

Sinopse

“Há uma pergunta que percorre este romance de Lídia Jorge, da primeira à última página: Quantas vítimas se deixa pelo caminho para se perseguir um objectivo? A acção do romance decorre no final dos anos 80 do século XX e invoca um tema de inesperada audácia - o da força da idolatria e a construção do êxito - visto a partir do interior de um grupo, narrado 21 anos mais tarde, na forma de um monólogo. 
Como é habitual na obra da autora, a questão social é relevante - a força do todo e a aniquilação do indivíduo perante o colectivo são temas presentes neste livro. Mas aqui, tratando-se de um grupo fechado e dominado pela música, a parábola social submerge perante a descrição de um ambiente de grande envolvimento humano e de densidade poética. 
Servido por uma narrativa ao mesmo tempo rude e mágica, A Noite das Mulheres Cantoras propõe a quem o lê a história de seis figuras que passam a viver para sempre no nosso imaginário. 
A história de amor comovente que une as duas personagens principais, Solange de Matos e João de Lucena, é, por certo, um daqueles episódios que iluminam a realidade e tornam indispensáveis a grande literatura sobre a vida de hoje, com os ingredientes próprios da cultura dos nossos dias.”

D. Quixote, 2011

Lido através da Roda dos Livros – Livros em Movimento.

Janeiro 12, 2014

Um Ano de Roda dos Livros

 

Em 12 de Janeiro de 2013 a Roda dos Livros reuniu pela primeira vez na Biblioteca dos Olivais, em Lisboa. Desde então, uma vez por mês, é sempre esse o espaço que acolhe as nossas tertúlias.

Desde há um ano que a minha forma de olhar os livros mudou, deixei de ler livros sozinha, não leio um livro sem pensar sempre em cada um de vós, meus queridos amigos da Roda.

Porque leio a pensar sobre o que poderei dizer no próximo encontro, imagino quem se identificará mais com determinada personagem, começo a imaginar o que cada um de vocês poderá achar do mesmo livro, quem vai adorar ou achar um lixo, e na forma como o dizemos sem preconceitos nem receios. Porque existe empatia mesmo nas nossas opiniões mais antagónicas, porque nos divertimos quando o mesmo livro tem efeitos tão diferentes, e porque seguramente nos realizamos quando alguém sente exactamente o mesmo que nós.

Quero agradecer a todos vós por terem feito de 2013 um grande ano. Eu que não faço balanços, e que acho que o melhor livro é sempre o próximo, tenho pela primeira vez vontade de olhar para trás e recordar os nossos grandes momentos do ano. Que foram todos aqueles em que estivemos juntos.

Obrigada pela vossa companhia nesta fantástica viagem e, principalmente, pela vossa amizade.

Um obrigado muito especial à equipa da Biblioteca dos Olivais que nos acolheu desde o primeiro dia de uma forma que não julgávamos possível.

E claro, aos nossos convidados, que enriqueceram algumas das nossas sessões e os nossos imaginários de uma forma que só nós, leitores compulsivos, conseguimos entender. Obrigada Nuno Camarneiro, Romana Petri, Luís Ricardo Duarte e Afonso Cruz.

Da minha parte já muitas ideias para 2014 que anseio partilhar com todos. Até ao próximo encontro.

Janeiro 04, 2014

À Espera de Moby Dick - Nuno Amado - Opinião

 

Nem sempre um livro lido é adequado ao que vai na nossa cabeça. Por isso podemos, em determinada altura, achar um livro excelente e noutra deixá-lo passar por nós sem grandes marcas.

Não sei se estou à espera de Moby Dick. Que procuro algo isso é certo. Se vou encontrar o que necessito já não sei. Enquanto busco e espero fico feliz quando livros como este se atravessam no meu caminho e me chamam para os ler.

“À Espera de Moby Dick” é um livro extraordinário que me agarrou antes mesmo de o ter. De facto as formas que hoje em dia temos à nossa disposição para divulgar cultura, gratuita e desinteressadamente, são a maior arma para não deixar que o prazer da leitura se perca e, ao invés disso, aumente, se difunda, e provoque opiniões, que de tão diferentes ou semelhantes levem à discussão, ao debate, ao pensamento. O pensamento, essa fabulosa arma contra a ignorância e que todos podemos usar.

Obrigada à Inesbooks que tenho seguido no Youtube e no Facebook, pelos seus vídeos de alta qualidade para uma amadora (mas leitora profissional). Um dia cheguei a este vídeo. Passados dois dias estava a ler o livro.

Um homem tem um segredo, uma dor que o consome, um acontecimento do passado. Isola-se numa ilha dos Açores, é a forma que encontra de lidar com o sofrimento que mudou para sempre a sua vida.

De estrutura epistolar, este livro vai sendo desconstruído através de cartas. Cartas que escreve a um amigo a quem conta o seu dia-a-dia a começar de novo, forma que encontra de exorcizar os seus demónios e manter um ténue contacto com a sua realidade, o que vai demonstrando que não se isolou para acabar com a própria vida mas para se encontrar. Demonstra esperança, desejo de superar, mesmo que o próprio ainda não o saiba.

Outras cartas são enviadas, estas de cariz mais hilariante. A quem nunca apeteceu enviar cartas para o Instituto Nacional de Estatística ou para uma qualquer publicação quando nos indignamos ou não concordamos com algo? Certamente libertador, apesar de termos consciência da sua inutilidade.

Depois há as outras estranhas personagens suas vizinhas na ilha. Todas com vidas misteriosas e atitudes enigmáticas. Mas se calhar não são todas as pessoas misteriosas antes de as conhecermos realmente?

Uma escrita limpa sem artifícios, como eu gosto. Pois que um livro com este tema exige simplicidade, o leitor tem de se focar no percurso da personagem, sem análises da possível riqueza ou pobreza literária. O livro está bem escrito e pronto. Chega. Fiquei realmente presa e em suspense pelo desfecho. Identifiquei-me e compreendi que há sempre um caminho, mas nem sempre se acerta no percurso.

Não há lições mas há conclusões. A solidão não cura a dor mas por vezes perfeitos estranhos podem mudar a nossa vida.

Apesar de escrito por um psicólogo não é um livro de auto-ajuda. É um romance bem pensado sobre a cura. A cura quando nos dói a alma.

“Aperceber-me da infinitude do mundo e da finitude do amor, ir percebendo que existiam demasiadas coisas imperdíveis à face da terra, que existiam demasiadas possibilidades de amar para que alguns amores ficassem por viver, fez nascer em mim, como um cancro no pulmão, retirando-me cada vez mais ar, e levando-me quase ao sufoco, a ideia de que o tempo passa. De que passa e nunca pára, que é como uma locomotiva sem travões. Tal fez-me viver a minha juventude em urgência, consciente, demasiado consciente da passagem do tempo, como se um relógio enorme pairasse sobre a minha cabeça fazendo ribombar cada segundo como um trovão mitológico. Vivi esses anos batalhando contra o tic-tac, contra as páginas esvoaçantes dos calendários. Sedento de vida, procurei-a por todo o lado. Por vezes fui estúpido, outras ousado, preferi cair no ridículo a sucumbir a uma vida que não fosse tudo o que podia ser, que não contivesse tudo o que pudesse conter, que não fosse incandescente, incrível, feérica. Mas toda esta irrequietude, toda esta procura afastou-me muitas vezes do agora, de viver o momento no momento. Só com o passar dos anos é que fui aprendendo a não estar em urgência, a não olhar para o minuto seguinte como mais uma batalha.” (Pág. 169)

Sinopse

“Um desgosto avassalador leva um lisboeta a refugiar-se numa enseada perdida dos Açores para cumprir um velho sonho: avistar baleias. Enquanto espera pela chegada dos gigantes marinhos, ocupa os dias naquele lugar dominado pelo ruído do oceano a tentar reencontrar-se e a escrever cartas para o seu melhor amigo, contando-lhe o fio dos seus dias no exílio, mas também para destinatários tão improváveis como o Instituto Nacional de Estatística, o boxeur português com mais derrotas acumuladas ou um guru de auto-ajuda de sucesso planetário.
À medida que o tempo passa, consegue vencer a solidão absoluta que impôs a si próprio e estabelece contacto com os seus poucos vizinhos, como um alemão bem-humorado, que todos os dias sai sozinho para o mar, e um casal de reformados oriundo do continente, que recebe cartas do filho dos mais variados lugares do mundo. Depressa descobre que, naquela enseada, todos têm qualquer coisa a esconder e nada é exactamente o que parece.
À Espera de Moby Dick é um romance grandioso e envolvente que nos fala do amor, da perda e da extraordinária capacidade de regeneração do ser humano perante as maiores adversidades.”

Oficina do Livro, 2012

Janeiro 01, 2014

No tempo em que éramos adultos - Anne Tyler - Opinião

 

A minha última leitura de 2013 foi este romance muito simples e agradável. Por vezes apetece descontrair de temas mais duros, que exigem mais de nós. Assim, despedi-me de um ano em que li livros fabulosos, conheci novos autores e principalmente novos leitores, de forma tranquila e muito positiva.

Saboreei e li com gosto este livro que começa com alguma confusão, durante um piquenique em que conhecemos praticamente todas as personagens. Um pouco violento para quem aprecia o sossego, confesso, cansativo só de imaginar uma família tão numerosa e absorver logo tantos detalhes. Penso que Anne Tyler quis dar ao leitor uma visão da vida caótica de Rebecca, e dar também a ela motivos para questionar a sua existência e os passos que a levaram ao local onde está hoje.

Rebecca, viúva, dedica-se à família e gere o negócio que já era do marido quando se conheceram. O cansaço e a rotina fazem-na questionar as suas opções, nomeadamente o casamento e a grande mudança que se deu na sua vida quando se apaixonou por um homem mais velho já com três filhas. Renunciou a uma vida calma, aos seus estudos e ao namorado de juventude. Foi corajosa, seguiu os seus sonhos e o amor apaixonado, mas agora, emocionalmente solitária, responsável por uma família que não parou de crescer, questiona se a vida que tem é aquela que sonhou e o que poderia ter acontecido se tivesse seguido o caminho que todos (ela incluída) esperavam.

O pensamento atormenta e perturba Rebecca. A tomada de consciência que poderia estar melhor se tivesse tomado outras opções persegue-a, e quanto mais ela quer manter a estabilidade mais sucumbe a pensar e se? E se tivesse casado com Will, o namorado de faculdade, como era esperado? Se não o tivesse deixado um dia na biblioteca com um “adeus” que só mais tarde o rapaz percebeu ser definitivo? Onde está Will agora? O que faz? Esqueceu Rebecca?

Will está próximo. Rebecca vai resistir a saber como poderia ter sido?

Um romance envolvente, divertido e muito positivo, que lida com temas sérios com uma descontracção desarmante. Porque na realidade a vida quer-se simples, e muitas respostas estão dentro de nós antes mesmo de termos feito as perguntas.

Gostei muito.

Sinopse

“Trinta anos depois de ter tomado as grandes decisões da sua vida, Rebecca é apanhada de surpresa pela questão da sua verdadeira identidade. A forma como lhe dá resposta - como tenta recuperar o seu eu da juventude, da adulta dignificada que em tempos foi - é a história contada neste romance divertido e profundamente comovente. O que teria acontecido se ela tivesse casado com o seu namorado louro dos tempos de faculdade, quando ambos eram jovens e sérios e tinham tantas certezas de tudo? Poderá alguma vez recuperar-se a pessoa que se deixou para trás - e poder-se-ia gostar dessa pessoa? Com uma pontaria certeira, Anne Tyler explora estas questões perturbadoras sobre o amor e a perda, sobre a identidade e a família, avançando com uma certeza avassaladora entre a desilusão e a hilaridade, entre a ternura e a observação aguçada, num romance que gostaríamos que nunca acabasse.”

Bertrand, 2010

Janeiro 01, 2014

A Velocidade dos Objectos Metálicos - Tiago R. Santos - Opinião

 

Uma das últimas leituras de 2013 e que ficou aquém das expectativas. Não me oferece muitos comentários pois a verdade é que não tive particular prazer ao ler este livro.

Não que esteja mal escrito, mas na verdade não me trouxe nada de novo. Um livro muito cru, corrosivo até, sobre o dia-a-dia de algumas pessoas, que se calhar são a maioria das pessoas… descrições bastante exactas acerca da sociedade actual, a decadência da juventude, a pobreza de espírito dos adultos, vidas familiares doentias e sem laços que sustentem e unam os seus membros, com certeza a base do vazio de toda uma sociedade triste, doente e sem rumo.

Vários testemunhos daquilo que já se sabe. Drogas, álcool, sexo e relacionamentos sem significado, sentido ou lógica, só porque existem corpos e os seus donos não encontram um caminho, antes vagueiam entre rotinas semanais e fins-de-semana de excessos.

Não que me considero puritana ou impressionável, mas valorizo vidas com objectivos. Ler sobre almas à deriva, apesar de espelhar bem uma realidade, não acrescentou nada à minha vida. Enriquecimento zero.

“Não é que o rapaz seja mau miúdo. Até há uns anos antes, ele conseguia sorrir e servia para levar à feiras. Quando era bebé, todos lhe queriam pegar ao colo. Mas agora, com esta idade, o que é que eu faço com ele? Ainda por cima, é daqueles que querem salvar a Terra e os animais e nem sequer come carne e os dentes dele estão piores, amarelados, acho que deve ser por isso mesmo, os homens são feitos para devorar os animais, foi assim que Deus nos criou. Mas que pessoas são estas? Leucemia. Isso é que era. Ou qualquer outra doença grave. Se o rapaz estivesse numa batalha épica contra a morte, anos a enfrentar médicos e hospitais sem nunca perder a esperança, crises repentinas e comas temporários, bem, se fosse esse o caso, aposto que eu chegava a primeiro-ministro.” (Pág.43)

“As pessoas preferem estar em casa a jantar, sentadas junto de mesas ou nos sofás com as suas televisões ligadas e os miúdos no chão enquanto fazem os trabalhos de casa. Todos eles a morrerem de cancro da alma e do coração sem nunca o desconfiarem, sem sintomas, e penso na sorte que tenho porque o meu corpo é inundado de dor e sinto-me um sábio, o detentor de um segredo que mais ninguém conhece, e eu sei o que é que são as sombras negras e rasteiras e o meu coração, mesmo ferido de morte com todas estas revelações, ainda bate.“ (Pág.58)

Sinopse

“Este é um livro intenso e surpreendente que questiona os valores do mundo em que vivemos. Partindo do universo repressivo de um Colégio de Lisboa, o livro segue a vida de alunos e professores, onde o passado e as experiências da adolescência estão sempre presentes, como tatuagens que nunca precisam de ser retocadas.
Este é um mundo em que a violência gratuita, o medo, a tentação do abismo e a amizade se manifestam de formas inesperadas. Deuses e homens procuram uma ordem, mas boicotam-se a eles próprios. Existências marcadas por encontros fortuitos entre pessoas tão estranhas que poderiam ser qualquer um de nós.”

Clube do Autor, 2013

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