Pela terceira vez escrevo sobre um livro de Alberto S. Santos. Desde “A Escrava de Córdova”, uma das melhores surpresas de sempre, que aguardo, com alguma expetativa cada novo título do autor.
No mínimo interessante, “O Segredo de Compostela” aguçou a minha curiosidade por um período histórico do qual sei pouco, principalmente no que refere ao território Ibérico. Século IV. Império Romano. “Luta religiosa” entre paganismo e o Cristianismo emergente. Este é o palco da história de Prisciliano, que conheci em criança e cujo fantástico percurso de vida me foi oferecido neste Romance Histórico.
Confesso que ao início tive dificuldade em reter todos os nomes dos protagonistas, não me familiarizei facilmente com os nomes romanos. A quantidade de informação histórica presente no princípio do livro também não é simples de assimilar, talvez por me ter deparado pela primeira vez com algumas destas temáticas. Contudo, apesar de por vezes a escrita elaborada do autor me fazer desejar frases mais simples, depressa fiquei presa à narrativa e ansiosa por saber o segredo de Compostela. Ou pelo menos saber qual o segredo que Alberto S. Santos descobriu após tão minuciosa e interessante pesquisa histórica.
O amor entre Prisciliano e Egéria prende desde o instante em que se conhecem, ainda crianças. Se afastados de início por diferenças religiosas, os seus percursos acabam por se cruzar e adensar à medida que Prisciliano descobre um novo caminho de peregrinação interior. O crescimento físico de Prisciliano é acompanhado por um forte crescimento espiritual, a possibilidade de viajar e de aprender fazem dele um ser que procura saber sempre mais, que busca constantemente o seu caminho. É um “buscador”, expressão utilizada no livro e que muito me agrada por todas as possibilidades que abarca; pela procura incansável da verdade.
Prisciliano converte-se ao Cristianismo e vê, na vida de Jesus, o caminho a seguir. Liberta o seu corpo de todos os vícios e interpreta os evangelhos de uma forma inovadora. Mas a verdade é que no século IV as “inovações” facilmente se confundiam com bruxaria, e os chamados então de Priscilianistas, à medida que convertiam fiéis à sua causa, semeavam discórdia e cultivavam inimigos. Demasiado à frente do seu tempo, Prisciliano, considerava que todos os seres humanos eram iguais, incluindo mulheres e escravos. Mas por muito que tais filosofias lhe tivessem precipitado o fim, a verdade é que foi uma intriga antiga que toda a vida assombrou Prisciliano e lhe ditou o fim comum a todos os profetas. A incrível atualidade desta situação fez-me pensar como hoje em dia muitas lutas se ganham e perdem por motivos que nada têm a ver com as causas.
O amor de Prisciliano e Egéria é, desde sempre, uma pedra no sapato de Ithacio Claro, que toda a vida promove a vingança por ter perdido a sua prometida. Ithacio usa de todas as suas artimanhas e influências para prejudicar Prisciliano e os seus seguidores.
Um grupo diferente que defende a comunhão com a natureza, a vida longe de excessos, a amizade, a bondade e uma total dedicação à religião. No contexto desta corrente religiosa Prisciliano e Egéria desenvolvem um amor diferente, longe dos desvarios carnais mas espiritualmente intenso, com uma grande componente mística e até telepática.
Decidi escrever este texto longo de propósito. Talvez não demasiado longo para quem goste de ler, mas certamente extenso para as velocidades do mundo virtual. Mas a verdade é que me encantei pelo percurso de Prisciliano, me deixei levar pelos seus princípios de vida tão simples e tão certos, em oposição à complexidade do dia-a-dia. Um livro delicioso, que relata uma história que deve mesmo ser contada, divulgada e partilhada.
Mais importante que saber quem secretamente está sepultado em Compostela, uma dúvida que só tem a importância que a fé de cada um lhe atribui, é conhecer o percurso de vida deste homem que só quis aprender e ensinar. Parabéns a Alberto S. Santos pela coragem de escrever sobre uma história que já estava escrita, que é toda verdade.
Lamentavelmente (ou não) só não gostei da capa. Altamente recomendado.
“Elpídio acompanhava a discussão com os olhos esbugalhados de interesse. Estava cada vez mais claro para Prisciliano que a viagem de Elpídio a Alexandria estava relacionada com uma intensa sede de sabedoria. E Prisciliano, um rapaz que todos consideravam brilhante, sentia-se cada vez mais insignificante ao contactar tais seres. Àquela hora da viagem já não era o mesmo Prisciliano que aportara no Eunostos, deslumbrado com a cidade desconhecida, acompanhando o tio Sabino na busca da cura. Agora, ele próprio se sentia doente. O verdadeiro doente. Sofria as dores da ignorância por assuntos debatidos pelas mais sábias pessoas do século. As questões ontológicas e metafísicas nunca haviam sido a sua prioridade. Mas o ar que respirava em Alexandria era diferente de tudo o que conhecia. Despertava-o interiormente para inquietações que não imaginaria existirem sequer. E estremecia por o acaso lhe ter concedido a benesse de o colocar entre gente tão sábia. Olhou para Elpídio e agradeceu-lhe intimamente por tudo o que estava a viver. A seguir, recordou Egéria. Sem perceber a razão, pressentiu uma corrente espiritual que o conectava com ela, ao mesmo tempo que um sobressalto interior.” (Pág. 164)
“Os lábios de Egéria tremelejaram e os olhos incharam. Abraçou Prisciliano, comovida. O silêncio apenas era cortado pelos difusos ruídos noturnos e pelos soluços femininos. Prisciliano continha as emoções, embora um torvelinho interior lhe gerasse fortes abalos. Sossegou a amada e convidou-a à meditação, como forma de comungarem as almas, naquele momento único e irrepetível. Fundidos num único enlaço, ela sentada no colo do amado, deixaram-se guiar por caminhos desconhecidos ao comum dos mortais. Na morada espiritual onde se encontravam, distantes do mundo físico, as almas arrebatadas encontraram o êxtase, o místico clímax que os fez estremecer interiormente. Quando terminaram o transe, pareceu-lhes ouvir um ruído exterior. Com a imaginação de um animal noturno nas redondezas, adormeceram em paz e cumplicidade, agarrados um ao outro.” (Pág. 322)
Sinopse
O dia 28 de janeiro de 1879 tinha tudo para ficar marcado na história da cristandade. Depois de dias suados de escavações na catedral de Compostela, foi encontrado o túmulo onde se acreditava que repousavam os ossos do santo apóstolo.
Mas... e se no destino final a que nos conduzem os místicos caminhos de Santiago se esconder um dos segredos mais bem guardados do Ocidente?
Prisciliano, líder carismático do século IV e pioneiro defensor da igualdade das mulheres e dos valores do Cristianismo primitivo, é a figura preponderante neste enigma secular. Comprometido com a força da sua espiritualidade, viveu no coração os sobressaltos de um amor proibido, envolto em ciúmes e intrigas.
Ainda que aclamado bispo pelo povo, Prisciliano tornou-se no primeiro mártir da sua Igreja, a quem a História ainda não prestou o devido reconhecimento.
Depois de extraordinárias revelações, descubra neste fascinante romance respostas às inquietações que atravessam os tempos:
Afinal, quem está sepultado no túmulo?
Qual o sentido atual das peregrinações a Santiago de Compostela?
Porto Editora, 2013