Conforme já tinha anunciado, o planetamarcia foi um dos blogues que teve acesso priveligiado a uma edição especial de pré-lançamento do romance “A Cabana” de WM. Paul Young. Apesar de muito conhecido e de ser já um sucesso em alguns países, eu confesso que desconhecia totalmente o autor ou a obra, o que foi bom pois permitiu-me partir para esta leitura sabendo muito pouco sobre este fenómeno.
Não sou uma pessoa religiosa e confesso as minhas sérias dúvidas sobre a existência ou não de Deus, pelo que, entregar-me a uma leitura que relata um fim-de-semana passado com Deus, e da qual se diz estar a mudar a vida de tantas pessoas que já leram, não podia ser um desafio maior ao meu cepticismo religioso.
“A Cabana” é uma viagem interior, é a história de Mack e da dor vivida por toda a família a partir do dia em que a filha mais nova, Missy, é raptada e assassinada. A partir dessa data Mack entra numa fase de profunda tristeza e desenvolve uma raiva que não cessa. Até que um dia recebe um bilhete de Deus para um encontro na cabana abandonada onde foi encontrado o último vestígio da pequena Missy.
Esta é a premissa para uma história que não é mais que um teste à fé de Mack e à sua capacidade de perdoar. Penso que a razão porque tantas pessoas se têm identificado com este livro passa pela forma como os sentimentos são descritos, pela forma como as dúvidas acerca da justiça do que aconteceu à filha de Mack são comuns a todos nós. No fundo, porque acontecem coisas más se Deus existe? Se Deus é bondade como pôde permitir a morte cruel de uma criancinha? Não tivémos todos já esta dúvida pelo menos uma vez?
Este encontro improvável de Mack com Deus, na pele de três personagens ainda mais improváveis, é um teste è resistência do leitor à entrada neste mundo de situações irreias e estranhas. Mas ao mesmo tempo é impossível não prosseguir, não querer saber o que vai acontecer, ou melhor, queremos saber afinal o que quer Deus de nós.
São exploradas questões como a independência e a forma como cada vez mais na sociedade actual dos desligamos um dos outros, como receamos a entrega e como desconfiamos da “bondade” alheia. A independência pela qual lutamos diariamente, utilizada como forma de defesa para assegurar o nosso dia-a-dia leva-nos à felicidade? E ainda, Deus quer que sejamos independentes? Ou antes que percamos os nossos receios de entrega e sigamos o caminho traçado por Ele? Confesso ter apreciado a forma como este livro me fez expôr todas estas questões mas nesta altura as minhas dúvidas ainda são superiores às certezas. Penso que este livro ficará em mim e tomará conta das minhas reflexões por uns tempos.
Mack tem dúvidas constantes sobre o que é real, se um fim-de-semana com Deus lhe está mesmo a acontecer. Em todo caso este fim-de-semana é a viagem de Mack na busca do perdão e da paz interior. Mas poderá ele perdoar o assassino da filha? Conseguirá aliviar a dor, libertar-se do ódio e sarar as feridas? Aceitar o que aconteceu sem colocar nada em causa? É isso a Fé?
Apesar da muitas dúvidas este livro oferece uma conclusão que é uma verdadeira dádiva: o segredo para a felicidade reside na simplicidade e devemos apostar na união em oposição à independência das vidas que levamos. Pelo menos eu interpretei desta forma mas acredito que cada leitor, mediante as suas convicções e crenças, poderá retirar diferentes conclusões e/ou ensinamentos.
Gostei particularmente da seguinte passagem que, apesar de extensa, não resisto a transcrever:
“- Por melhores que sejam as intenções, sabes que a máquina religiosa é capaz de triturar as pessoas? – disse Jesus, num tom de voz algo mordaz. – Há muitas coisas que são feitas em meu nome que nada têm a ver comigo e, muitas vezes, mesmo quando involuntárias, são muito opostas aos meus propósitos.
- Não és um grande apreciador da religião e das instituições, pois não? – Inquiriu Mack, sem saber ao certo se estava a fazer uma pergunta ou uma observação.
- Eu não crio instituições. Nunca criei nem nunca criarei.
- E a instituição do casamento?
- O casamento não é uma instituição. É um relacionamento – respondeu Jesus, fazendo uma pausa e retomando de seguida, com a voz firme e paciente: - Como disse, não crio instituições. Essa é uma ocupação dos que querem fazer papel de Deus. Nesse sentido, não, não sou um grande apreciador de religiões e também não gosto de política nem de economia.
Mais uma vez Jesus ficou notoriamente taciturno.
- E porque haveria do gostar? – prosseguiu – Este trio de horrores criado pelo ser humano é que assola a Terra e engana aqueles de quem eu gosto. Já viste a quantidade de tormentos e ansiedades, relacionados com um destes três aspectos, que as pessoas têm de enfrentar?
Mack hesitou. Não sabia o que dizer. Tudo parecia um pouco excessivo. Notando que os olhos de Mack estavam a ficar vidrados, Jesus baixou o tom:
- Falando de um modo simples, a religião, a política e a economia são instrumentos terríveis que muitos usam para sustentar as suas ilusões de segurança e controlo. As pessoas têm medo da incerteza e do futuro. Essas instituições, essas estruturas e ideologias, são um esforço inútil para criar alguma sensação de certeza e segurança, quando nada disso existe. É tudo falso! Os sistemas não podem garantir a segurança; só eu posso.
- Caramba! – Foi tudo o que veio à mente de Mack.
O panorama que ele e praticamente toda a gente que ele conhecia tinham idealizado para gerir e orientar a vida estava a ser reduzido a pouco mais que escombros.” (pág. 177 e 178).
Sinopse
“E se Deus marcasse um encontro consigo?
As férias de Mackenzie Allen Philip com a família na floresta do estado de Oregon tornaram-se num pesadelo. Missy, a filha mais nova, foi raptada e, de acordo com as provas encontradas numa cabana abandonada, brutalmente assassinada.
Quatro anos mais tarde, Mack, mergulhado numa depressão da qual nunca recuperou, recebe um bilhete, aparentemente escrito por Deus, convidando-o a voltar à malograda cabana.
Ainda que confuso, Mack decide regressar à montanha e reviver todo aquele pesadelo. O que ele vai encontrar naquela cabana mudará o seu mundo para sempre.”
Porto Editora, 2009