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planetamarcia

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Junho 10, 2017

Casa das Letras - Seja feita a tua vontade, de Paulo M. Morais

Seja Feita a Tua Vontade.jpg

Um médico octogenário, cansado de lutar contra os bichos que imagina devorarem-lhe o corpo, decide que não quer continuar a viver. Metódico e informado, prepara a sua morte: ocupa um quarto da casa, comunica à família as suas intenções e deixa, pura e simplesmente, de se alimentar. Apesar do choque inicial que a notícia provoca, um dos netos resolve ajudá-lo a cumprir a sua última vontade. Visita-o diariamente, e as horas que passam juntos a rememorar o passado e a conversar sobre os tempos que se aproximam constituem uma terna despedida, uma espécie de luto pacificado.

Mas eis que, numa reviravolta inesperada, o médico acorda um dia com uma súbita vontade de viver… E essa atitude intempestiva, em lugar de representar um alívio, abala a já conquistada serenidade, dando lugar a uma convulsão em que mesmo o afeto é posto em causa.

Num momento em que a eutanásia e a qualidade de vida dos mais velhos estão na ordem do dia, o autor constrói neste romance uma narrativa fulgurante que nos leva a pensar como a família – e a sociedade – se deve estruturar para lidar com a morte próxima de um dos seus elementos.

Nas livrarias a 13 de Junho

Setembro 11, 2016

Uma Parte Errada de Mim - Paulo M. Morais - Opinião

Uma Parte Errada de Mim.jpg

Tenho o hábito de começar a ler vários livros ao mesmo tempo. Não me incomoda começar um livro sem ter terminado outro(s), acho mesmo que é uma forma de fazer uma triagem. Há os que me levam a lê-los até ao fim e há os que ficam pelo caminho.

Curiosamente, e por estar a gostar tanto de uma das leituras que tinha em curso, no dia em que este livro chegou até mim, decidi (achava eu) que lhe pegaria quando terminasse o outro. Mas apenas por curiosidade (ou fraqueza) decidi ler o prefácio. Enfim, mais duas páginas da introdução não fariam mal nenhum. Dei uma olhada no primeiro capítulo só para ver como começava a coisa. Quando me apercebi o primeiro capítulo estava lido. Mantive, mesmo assim a decisão de o guardar para mais tarde, até porque o primeiro capítulo me foi um pouco doloroso de ler. Ou seja, refreei-me para não passar a noite agarrada ao livro (sim, gosto de leituras dolorosas), de modo a poder dedicar-me, no dia seguinte, a coisas mundanas, como trabalhar.

Mas o bichinho ficou lá. O Javier Cercas que me perdoe.

Acompanhei os ciclos deste livro na altura em que aconteceram, através das redes sociais. Nunca consegui tecer comentários. Confesso que a exposição do Paulo sempre me impressionou. Não sei se lhe chame coragem ou loucura, mas fiquei sempre com uma sensação estranha de me estar a intrometer em algo muito pessoal. Não acho bem nem mal, simplesmente sentia algum desconforto por ler coisas demasiado íntimas. Mas acompanhei. E preocupei-me. Nunca entendi o que o levou a tal exposição. Este livro ajudou-me a perceber.

Bom, mas para quem não sabe nada sobre o livro nem leu os posts (haverá alguém?), este é o percurso de um homem a quem foi diagnosticado um linfoma (grande e agressivo). É o relato dos oito ciclos de quimioterapia. É uma profunda reflexão de vida que vai muito para além da doença, mas que, se calhar, foi possível porque uma série de acontecimentos (incluindo este terrível diagnóstico) proporcionaram essa viagem, não de descoberta, mas talvez, de aceitação.

Ficam já a saber que o livro não é nada lamechas nem propício a choradeiras. Não terá leitores pelo apelo ao sentimento, mas sim pelo racionalismo com que expõe os factos de uma vida em forma de viagem. Sim, profundas viagens ao passado. Algumas até à infância, numa busca de causas ou motivos para ser como é. Outras mais próximas, já na vida adulta, a mesma procura de respostas. Também não é um livro de auto-ajuda. Não aponta o certo nem o errado, nem pretende defender teorias.

É uma descoberta e é a partilha dessa descoberta. É um relato sem medo e de uma lucidez admirável, que se lê de uma penada. Com a sua escrita limpa e fluída o Paulo levou-me rapidamente até à última página, obrigando-me, com a sua acutilância e capacidade de levantar questões, a pensar no meu próprio percurso, a questionar, como ele, o significado que as grandes mudanças (as que aparecem de surpresa e que não escolhemos) podem ter naquilo que somos ou iremos ser.

Profundamente libertador por mostrar com a mesma sinceridade a tristeza e a felicidade, é um livro honesto que se dá a ler sem se preocupar que gostem dele. Exige de quem lê, mas dá em troca, dá muito, eu senti-me claramente a ganhar pelo que ficou comigo depois de o ler.

Impressionou-me a capacidade de resiliência. Ficam comigo os momentos de grande ternura entre pai e filha, a chegada do amor da Isabel, a avó Nana, e a forma carinhosa com que o Paulo se refere aos amigos. E os livros claro, que não há melhor que ter um cancro para se receber pilhas de livros. Não sei se referi o humor negro… uma especialidade!

É um livro de uma luz intensa. Leiam-no!

Sinopse

“Em meia dúzia de meses, Paulo M. Morais ficou sem trabalho, terminou um relacionamento de doze anos e viu-se obrigado a vender a casa. Embora derrotado pelas circunstâncias, queria estar à altura dessa nova etapa de vida e concentrou-se na missão de cuidar da filha pequena e reatar os laços com a avó centenária que o criara. Sobreveio, então, um estranho cansaço, uma exaustão que a médica de família inicialmente atribuiu às pressões de um ano atípico. Podia ser. E, porém, depois de vários sustos e vinte horas nas Urgências do hospital, a verdade veio ao de cima: tinha um linfoma.

Durante o tratamento de oito ciclos de quimioterapia, começou a escrever sobre a sua experiência.

Mas este livro, embora inclua dados sobre os exames, os internamentos ou os efeitos secundários da medicação, está longe de ser um diário da doença; é, antes, uma reflexão magistral sobre a condição humana, escrita com a beleza e a cadência de um romance no qual se aguarda um final feliz.”

 

Casa das Letras, 2016

Setembro 08, 2016

Casa das Letras - Uma Parte Errada de Mim, de Paulo M. Morais

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Em meia dúzia de meses, Paulo M. Morais ficou sem trabalho, terminou um relacionamento de doze anos e viu-se obrigado a vender a casa. Embora derrotado pelas circunstâncias, queria estar à altura dessa nova etapa de vida e concentrou-se na missão de cuidar da filha pequena e reatar os laços com a avó centenária que o criara. Sobreveio, então, um estranho cansaço, uma exaustão que a médica de família inicialmente atribuiu às pressões de um ano atípico. Podia ser. E, porém, depois de vários sustos e vinte horas nas Urgências do hospital, a verdade veio ao de cima: tinha um linfoma.

Durante o tratamento de oito ciclos de quimioterapia, começou a escrever sobre a sua experiência.
Mas este livro, embora inclua dados sobre os exames, os internamentos ou os efeitos secundários da medicação, está longe de ser um diário da doença; é, antes, uma reflexão magistral sobre a condição humana, escrita com a beleza e a cadência de um romance no qual se aguarda um final feliz.
Nas livrarias a 13 de Setembro

Novembro 23, 2014

Estrada de Macadame - Paulo M. Morais - Opinião

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Impossível não associar de imediato Paulo M. Morais a “Revolução Paraíso”, editado no ano passado. Mas na verdade, Estrada de Macadame, agora publicado, foi escrito primeiro.

Gostei muito do “Revolução”, é um livro marcante, pedaço da nossa História, documento real e ficcional numa mistura única e bem conseguida. Mas gostei mais de percorrer esta Estrada, de sentir esta escrita emocional sobre pessoas que perderam e estão perdidas, que buscam o caminho para chegar a qualquer lugar onde deixe de haver dor.

“Estrada de Macadame” é um livro de pedaços de gente. Gente estilhaçada que anda a apanhar os cacos das perdas, que faz tudo mal porque há momentos em que é impossível saber o que é certo.

Nenhum pai deve sobreviver a um filho. Daniel e Gina perdem a filha, Mariana. Como um elo que se parte entre eles e os afasta irremediavelmente, por não saberem como suportar tanta dor. Separam-se pelo espaço de diferentes continentes. Não deixam por isso de sentir as feridas a sangrar. Daniel viaja para a Índia mas não encontra paz. Regressa com a sua dor e as dores das misérias a que assiste. Gina envolve-se com Adolfo, septuagenário viúvo e analfabeto, que se consola no álcool, juntos começam a beber logo pela manhã.

Com Luís, o mais jovem dos quatro, temos o quarteto vencedor das histórias tristes. E lá vão eles pela Estrada de Macadame com a desculpa de assistir a um funeral. Fisicamente, no Datsun de Gina, também conhecido por Rocinante, de outra forma mais profunda e emocional, pelo tempo, pelas histórias de cada um.

Um livro inevitavelmente triste e de uma profundidade humana que me abalou e comoveu. Seria muito fácil resvalar para uma história de gente desgraçada (ou mesmo desgraçadinha) mas neste ponto o autor soube habilmente criar o limite e nunca passar para o lado do lenço ao nariz.

Vidas de pessoas, contadas de forma crua, palavras que por vezes assentam como um soco no estômago. Extremamente real, eu também segui nesta estrada e fiquei a saber tudo. Fui confidente do que naquela viagem se contou. Senti a necessidade de redenção mas não sei se, ainda hoje, algum deles chegou ao fim desse caminho.

Inevitavelmente destaco a qualidade da escrita de Paulo M. Morais, que me soube agarrar nesta longa história triste, mas que consegue, ao mesmo tempo, umas notas de humor particular em momentos inesperados. Na tasca do Jaime acontece sempre algo que acaba por me fazer rir.

“O café do senhor Jaime é um império de tranquilidade. Nas horas mortas, o sossego parece ser o responsável pelas fissuras nas paredes e nos tampos de mesa. O tempo escoa-se, em silêncio, por aquelas rachas minúsculas enquanto o senhor Jaime se entretém a mastigar palitos atrás do balcão corrido de mármore. O dono do estabelecimento é um homem sovina; só quando um palito começa a esfarelar-se na língua é que se dá ao luxo de trocá-lo por um novo.

Há anos que a clientela habitual do café não passa de três homens sentados à mesa da entrada. (…) Quando Adolfo entrou porta dentro pela primeira vez, o senhor Jaime torceu o nariz ao trabalho adicional.” (Capítulo 6)

“Estrada de Macadame” é editado pelo Coolbooks e infelizmente não o temos em versão livro físico, nem é um e-book que possa ser lido em qualquer e-reader. Com esta espécie de “limitação” perde o autor mas garanto-vos que perdem muito mais os leitores. Por isso, independentemente do formato, leiam e não deixem escapar esta viagem.

Muito bom.

Sinopse

“Estrada de Macadame é a história do encontro improvável de quatro personagens com percursos de vida bastante distintos. A uni-los, a dificuldade de ultrapassar a dor provocada pela morte de alguém amado. 
Gina e Daniel separam-se quando percebem que procuram formas diferentes de superar a perda da filha: Daniel decide viajar para a Índia à procura do sentido da vida, Gina decide ficar e refugiar-se na rotina do quotidiano conhecido.
Adolfo, um sexagenário aprendiz de impressor numa gráfica que se tornou perito em afogar a memória da falecida esposa em copos de uísque, é um dos alunos do projeto de alfabetização de adultos em que Gina é professora. Apesar da diferença de idades, os ecos de vida semelhantes levam Gina e Adolfo a envolverem-se. E quando Daniel, obrigado a regressar da Índia, procura recuperar o seu casamento, Gina mostra-se confusa e dividida. 
A morte de um dos clientes habituais da tasca frequentada por Adolfo marcará o início de uma viagem catártica. Gina propõe-se conduzir o seu aluno até ao funeral, juntamente com Luís, um jovem que se tornou confidente de Adolfo. Ao pedir a Daniel que também a acompanhe na expedição até uma distante aldeia alentejana, uma mulher une de forma inesperada os destinos de três homens de diferentes gerações.”

Coolbooks, 2014

Dezembro 28, 2013

Revolução Paraíso - Paulo M. Morais - Opinião

 

Os comentários lidos e ideias partilhadas na Roda dos Livros não me tinham preparado para a excelência de “Revolução Paraíso”. As expectativas eram elevadas e antevi que o tema, bem explorado, poderia permitir uma leitura diferente sobre uma época falada mas raramente alvo de um escrutínio “mais à séria”. Talvez por se tratar de uma época recente, por haver pouco conhecimento e pouco interesse, ou talvez pouco interesse por haver pouco conhecimento.

A verdade é que quem desconhece a época “quente” e conturbada que medeia o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, ou a desconheça completamente e não tenha interesse em investigar (como eu fiz várias vezes, que sou interessada e curiosa mas já nasci em democracia), vai sentir que a História lhe passa ao lado, vai perder brilhantes requintes de ironia e de um humor de alto nível que Paulo M. Morais proporciona a quem se entrega a esta leitura.

Personagens fiéis à época, pelo que consigo imaginar pois as minhas recordações não chegam tão longe, que falam, agem e vivem uma constante revolução, tempos loucos de uma liberdade que se aproveitava sofregamente mesmo não sabendo, algumas vezes, o que fazer com ela. Uma banda sonora das músicas que todos conhecemos, a intervenção nas ruas e a vida de todos os dias com muitas cores. Por vezes um bocado louco, a antítese da opressão vivida até então que, muitas vezes, leva a extremos pouco recomendáveis. Retrato de um país sem rumo, num risco real de guerra civil, que se desenvolve dentro da habitual bandalheira que caracteriza o nosso povo e na qual, aliás, continuamos a viver.

Retrato não só de uma época mas dos portugueses passados e presentes, com tudo o que de bom e mau nos caracteriza. Difícil escolher uma personagem favorita, pelo menos das reais, traçadas e descritas com uma qualidade tão boa que até assusta, Paulo M. Morais até mete nervos de tão bem que escreve. Para atazanar ainda mais qualquer aspirante a escritor ainda se sai com aquelas fabulosas tiradas Queirosianas. Um trabalho exemplar que deve ser lido e reconhecido. Excelente.

Sinopse

“Alternando realidade e ficção, um romance que nos transporta aos agitados dias da pós-revolução: o retrato de um país que, entre o PREC e as eleições livres, procura um novo rumo.
Enquanto nas ruas se decide o futuro de um país, na tipografia de Adamantino Teopisto vive-se um misto de enredo queirosiano, suspense de um policial e ternura de uma novela: com sabotagens, amores proibidos e cabeças a prémio; tudo num ambiente de revolução apaixonado.
O rebuliço generalizado tem repercussões no alinhamento do jornal e no dia a dia das gentes de São Paulo e do Cais do Sodré.
A revolução é o tópico das conversas nas tascas, nas ruas, no prédio da Gazela Atlântica, contribuindo para o exacerbar das tensões latentes entre o patrão Adamantino e os funcionários. A vivacidade de uma estagiária, as manigâncias de um ex-PIDE foragido, os comentários de um taberneiro e as intromissões de um proxeneta e de uma prostituta, agravam ainda mais a desordem ameaçadora que paira no ar.
Nada foi igual na vida dos portugueses após a Revolução dos Cravos. Nada foi igual na vida da "família" Gazela Atlântica após o 25 de Abril.”

Porto Editora, 2013