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planetamarcia

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Maio 01, 2017

A Construção do Vazio - Patrícia Reis - Opinião

A Construção do Vazio.jpg

Poucos são os livros que me proporcionam uma total queda na história. Habitualmente os meus sentidos estão atentos a várias coisas, como o vocabulário, figuras de estilo, ritmo e encadeamento da narrativa, construção de personagens. Contudo, neste caso, alheei-me dessas observações. Bebi a história de Sofia em choque, aterrada e completamente envolvida nas poderosas descrições.

Todas essas coisas que aprecio durante uma leitura foram de certa forma esquecidas aqui, não que não existam ou não mereçam o meu escrutínio (ao contrário), mas porque dei a tal queda (ou salto sem rede ou bungee jumping) em cheio na vida de Sofia, a menina-tesoura que me fez esquecer que estava a ler um livro. Vivi a história sem relativizar e sem questionar, aceitando a crueldade descrita e sofrendo (muito) com ela. Parando muitas vezes para respirar. A análise ficou para depois. Depois de fechar a última página, mas ainda com a voz de Sofia na cabeça.

Senti-me tão atordoada pela história que tive de a viver de modo intenso. Demasiado intenso talvez, pois vi-me completamente enredada nas dores da personagem e, principalmente, na sua infância aterradora, que a condicionou à total descrença na sua própria felicidade. Como é viver com a certeza de não ser merecedora daquilo a que todos aspiram? É essa a dura viagem que este livro oferece.

Meditando um pouco sobre tudo isto, dado que já li o livro há algum tempo, e esperando que este modo de “cair” não signifique um retrocesso no meu sentido crítico, e sabendo (tendo a certeza, vá) que a escrita da Patrícia Reis continua irrepreensível (acho que até melhorou), A Construção do Vazio só pode significar um outro patamar. Para a autora sem dúvida. Para mim, como leitora, de certeza.

Uma experiência inesquecível. Talvez o meu livro preferido de Patrícia Reis. Uma chapada na cara (várias na verdade).

Sinopse

“A história de Sofia, uma menina-tesoura que sobrevive a uma relação de violência e abuso e cresce com a convicção de que a maldade supera tudo. 
Será possível atenuar a dor? 
Como se resiste ao fantasma real da infância? 
Que decisões partem dessa memória e podem limitar a vida? 
Sofia abriga-se na amizade de três homens, Eduardo, Jaime e Lourenço, e vive sem desejo, sem vontade, de construção em construção, sendo o vazio o objectivo final. 
Esta personagem surge pela primeira vez no livro Por Este Mundo Acima (2011) e faz parte do território ficcional da autora que, com A Construção do Vazio, termina um ciclo de três narrativas independentes iniciado em 2008, com o romance No Silêncio de Deus.”

D. Quixote, 2017

Março 22, 2017

D. Quixote - A Construção do Vazio, de Patrícia Reis

A Construção do Vazio.jpg

Sofia é uma menina-tesoura que sobrevive a uma relação de violência e abuso e cresce com a convicção de que a maldade supera tudo.

Será possível atenuar a dor?

Como se resiste ao fantasma real da infância?

Que decisões partem dessa memória e podem limitar a vida?

Sofia abriga-se na amizade de três homens, Eduardo, Jaime e Lourenço, e vive sem desejo, sem vontade, de construção em construção, sendo o vazio o objectivo final.

Esta personagem surge pela primeira vez no livro Por Este Mundo Acima (2011) e faz parte do território ficcional da autora que, com A Construção do Vazio, termina um ciclo de três narrativas independentes iniciado em 2008, com o romance No Silêncio de Deus.

Já nas livrarias!

Outubro 23, 2016

Uma dor tão desigual - Vários Autores - Opinião

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Para quem, como eu, gosta de Contos e vive num país em que pouca (ou nenhuma) importância se dá a este género, a publicação de um livro como Uma dor tão desigual é uma felicidade.

Por isso, e por ter Contos de alguns dos autores que mais admiro, iniciei a leitura com bastante entusiasmo. Importa referir que “este livro resulta de um desafio feito a oito autores portugueses para que explorassem as fronteiras múltiplas e ténues que definem a saúde psicológica e o que dela nos afasta” (contracapa). Uma dor tão desigual é uma chamada de atenção, uma forma de sensibilizar para a saúde mental, diminuindo o estigma e incitando a que quem precisa de ajuda, ou seja próximo de quem precise de ser ajudado, procure o apoio necessário.

Por tudo isto, não podia deixar de ler. E, apesar das expectativas elevadíssimas, que tantas vezes acabam por me fazer sentir enganada, este livro não desiludiu e esteve à altura da minha desejada previsão.

São oito Contos, todos diferentes, e cada um vai crescendo em volta de um distúrbio. Há personagens, que acreditamos que são pessoas, com vidas que podiam ser a nossa, a de um amigo ou a do vizinho do lado. Há famílias, há solidão, há caminhos que qualquer um poderia percorrer. Quero apenas dizer que as histórias deste livro são bastante verosímeis, e com facilidade se acredita que são reais. Penso que esse é o ponto crucial na sensibilização da saúde mental como preocupação de todos, pois qualquer um de nós pode precisar de ajuda.

O trabalho dos autores é extraordinário e este livro merece ter muitos leitores. Procurem-no, leiam-no, e participem no enorme passo que é preciso dar na desmistificação dos problemas mentais. Não é preciso sofrer em silêncio.

Não me vou alongar no que refere à qualidade dos Contos. Estamos a falar de Afonso Cruz, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo M. Tavares, Joel Neto, Maria Teresa Horta, Nuno Camarneiro, Patrícia Reis e Richard Zimler. É preciso dizer mais alguma coisa? Nenhum deles consegue escrever mal.

Parabéns à Ordem dos Psicólogos e à Leya por esta parceria. www.encontreumasaida.pt

Sinopse

“Este livro resulta de um desafio feito a oito autores portugueses para que explorassem as fronteiras múltiplas e ténues que definem a saúde psicológica e o que dela nos afasta. Em estilos muito diferentes, um leque extraordinário de escritores brinda-nos com textos que mostram como qualquer um de nós pode viver momentos difíceis e precisar de ajuda.
Estas são histórias de perda, solidão, fraqueza e delírio, mas também de esperança e humanidade. São relatos de gente que podíamos conhecer e talvez conheçamos, histórias íntimas e ricas de homens e mulheres como nós.
A área da saúde psicológica está ainda sujeita a muitos preconceitos, que dificultam a procura de ajuda profissional e estigmatizam quem sofre. Pretende-se com este livro combater esses preconceitos, despertar consciências e ajudar a encontrar uma saída.”

Teorema, 2016

Abril 25, 2016

Gramática do Medo - Maria Manuel Viana e Patrícia Reis - Opinião

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Mais um para o grupo dos livros que me deixa no vazio das palavras. Contudo os sentimentos que vivi ao lê-lo são reais, e é através deles que espero chegar às palavras.

Senti muito amor e muito medo. O amor de Sara e Mariana enche todas as páginas, um amor sincero e familiar, da família que a vida oferece, normalmente de forma casual, como aconteceu com elas. Um amor que escolhe e acolhe, e que as fez escolher uma à outra.

E depois o medo. O medo começa na capa, como um aviso de sombras, um alerta aos sentimentos mais belos, pois nem esses dão imunidade ao sofrimento. Mesmo sem saber do que havia de ter medo, já tinha, porque ele está sempre lá, até nas descrições dos sorrisos e confidências das amigas, esperamos que chegue, o medo, se calhar já na próxima página.

Por vezes deixava o marcador do livro, esquecido, ao meu lado. Imagem da capa focada na intensidade dos olhares de duas mulheres. São parecidas. Talvez como Sara e Mariana, que se misturam, e confundem, passando uma pela outra devido, possivelmente, a uma parecença feita do conhecimento mútuo e profundo. A força da imagem fazia-me virar o marcador ao contrário. É uma capa extraordinariamente bem conseguida, a arte tem de incomodar.

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Mariana desaparece. Depressa chega a prometida página do medo.

A história tem de ser lida, por isso não me alongo por aqui com ela. Comigo ficou a força de um livro escrito de forma hábil por duas mulheres que admiro e de quem acompanho o trabalho. Maria Manuel Viana e Patrícia Reis não desiludem, escrevem com a força das mulheres que sabem o que querem, sobre mulheres que assumem o medo, sabendo que não havendo medo (mesmo que só um pouco) não haveria coragem.

“Só que o elemento primordial, o que aqui está em causa, não é tanto o ser e a sua essência, o ente e a existência, a radicalidade da questão ontológica, o jogo de linguagem, mas a palavra fundamental, medo, o medo que tudo cobre, porque ela sabe que no princípio está o medo e no fim, quem poderá sabê-lo?” Pág. 113.

Sinopse

“Amigas inseparáveis, Mariana e Sara partilham tudo desde que se conhecem (um curso de teatro e cinema, uma carreira difícil, amigos, ex-namorados, dinheiro e um quotidiano nem sempre fácil), até ao dia em que uma delas desaparece, misteriosamente, durante um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Poucas são as pistas que deixa atrás de si mas, numa demanda que a irá levar a correr mais de metade da Europa, Sara tenta encontrá-la. O que vai descobrindo leva-a a perceber que, afinal, há muita coisa na vida da amiga que desconhece. Porque desapareceu Mariana, que fantasmas a perseguiam, do que quis fugir? Numa viagem simultaneamente interior e geográfica, esta é também a história do desaparecimento do sujeito na civilização actual, da dissociação da vida comum, da fragmentação da memória e da ténue fronteira entre ficção e realidade.”

D. Quixote, 2016

Conheçam aqui o trabalho de Dino Valls, autor da imagem da capa.

Março 26, 2013

contracorpo - patrícia reis - opinião

 

Morte. Solidão. Silêncio.

Contracorpo é um livro marcante. Aparentemente sobre a morte mas no fundo sobre a recuperação, sobre quem sobrevive à morte.

Este livro tem uma escrita inesperadamente suave tendo em conta o tema, é algo difícil de explicar mas que me transmitiu calma e alguma serenidade. Li com prazer e apreciei (mais uma vez) a forma como a Patrícia Reis enche as palavras de emoções, cria frases que fazem meditar, com que muitas vezes me identifiquei e levei comigo depois de fechar o livro.

Não vivi a experiência de perder o pai ou o marido mas é-me muito próxima uma história de um pai que parte deixando mulher e dois filhos, um deles ainda criança e outro pré-adolescente. Tentamos entender e apoiar aqueles que amamos e eu pensei que talvez pudesse compreender e aceitar que acontecem coisas más a pessoas boas, que basta um instante para tudo mudar radicalmente. Continuo sem entender a morte. A dor da morte. A estupidez de interromper uma vida, deixando marcas profundas que os anos não aliviam.

Perder o pai na juventude/infância condiciona todo o futuro. Significa uma perda irrecuperável e incompreensível, que gera revolta e faz um filho perder o chão, desinteressar-se, desintegrar-se, nunca mais aceitar…a morte.

É aqui que Maria marca a diferença da história que eu conheço. A mãe salva ao filho e, ao mesmo tempo, procura a sua salvação. Quer encontrar de novo o eixo da sua vida, não sabe como mas parte até descobrir.

Partem os dois, mãe e filho, Maria e Pedro, numa viagem que é uma fuga e uma busca, um deixar cair e um correr atrás. Não sei onde encontra Maria vontade de viver ou se simplesmente inventa essa vontade para se convencer que a tem. Mas sabe que já perdeu o marido e não quer perder o filho, não quer que o silêncio lhe ganhe terreno e lhe leve Pedro para longe, mesmo estando ao seu lado.

Sabemos o que importa na vida. Sabemos defender valores supremos. Mas conseguiremos realmente discernir o que importa nas alturas mais duras? Saberemos escolher? Deixar para trás materialismos, dinheiro, emprego, correndo o risco de regressar e não ter nada mas apostar tudo em não perder um filho?

Maria arriscou.

“Maria hesita em continuar a falar. Cala-se. De repente sente medo. O filho despe a camisola, as calças, vai à casa de banho. Ouve-o, os tais gestos que adivinha, todos os detalhes, mesmo os mais pequenos, como se os estivesse a ver. Era tão pequeno. E agora? Quase um homem. Quando Pedro regressa ao quarto, deita-se a medo. A cama é curta. E estreita. Maria sorri e fecha o livro.

Dorme bem.

Boa noite mãe.

Na escuridão do quarto, Pedro continua de olhos abertos. Há uma luz que vem da janela, por vezes passa um carro e o barulho vem de longe, aproxima-se afasta-se. De repente pergunta

Tens medo de quê mãe?

Ah, do escuro, de aranhas, que vos aconteça alguma coisa. Não sei. E tu, Pedro?

Às vezes acho que não tenho medo de nada, tento não pensar nisso. Outras vezes tenho medo dos dias a seguir. Do futuro.

Sabes, uma das coisas que aprendi é que não vale a pena pensar no futuro. A vida troca-nos as voltas.

Pois. Boa noite mãe.

Boa noite.” (pág. 106)

Recomendo sem qualquer reserva.

Sinopse

“Uma mulher fica viúva com dois filhos. Alguns anos depois da morte do marido, a vida não se refez e o filho mais velho, agora adolescente, cresce contra a mãe, num silêncio obstinado que só quebra nas histórias que se conta para adormecer e nos desenhos que faz de forma compulsiva. Com o anúncio do chumbo escolar, a mãe decide, sem grandes reflexões, fazer uma viagem com este filho, deixando o pequeno com os avós. Não se trata de uma viagem com destino, mas antes uma procura. Contracorpo é um livro contra o silêncio e sobre o silêncio. É uma história de procura de identidades distintas - da mulher e do quase- homem -  e ainda de descobertas. Uma mãe nunca é o que se espera. Um filho é sempre uma surpresa. O encontro dá-se enquanto procuram caminhos, de Lisboa a Roma, num jogo de claro escuro. Como se tudo fosse uma imagem.”

D. Quixote, 2013

Fevereiro 28, 2013

Novidade D. Quixote - contracorpo, de Patrícia Reis

 

Uma mulher fica viúva com dois filhos. Alguns anos depois da morte do marido, a vida não se refez e o filho mais velho, agora adolescente, cresce contra a mãe, num silêncio obstinado que só quebra nas histórias que se conta para adormecer e nos desenhos que faz de forma compulsiva. Com o anúncio do chumbo escolar, a mãe decide, sem grandes reflexões, fazer uma viagem com este filho, deixando o pequeno com os avós. Não se trata de uma viagem com destino, mas antes uma procura.

Contracorpo é um livro contra o silêncio e sobre o silêncio. É uma história de procura de identidades distintas – da mulher e do quase-homem – e ainda de descobertas.

Uma mãe nunca é o que se espera. Um filho é sempre uma surpresa. O encontro dá-se enquanto procuram caminhos, de Lisboa a Roma, num jogo de claro-escuro. Como se tudo fosse uma imagem.

Nas livrarias a 12 de Março

Janeiro 06, 2013

No Silêncio de Deus - Patrícia Reis - Opinião

Nada. Não escrevo nada. Não me lembro de tal me acontecer. De um livro me deixar sem palavras.

A minha opinião é muito positiva mas não sai. Acho que por ser tão abrangente como este livro não encontro forma de começar. Um pouco como Deus, se existe e é infinito por onde se começa a ter fé? Durante anos tenho acumulado dúvidas a respeito de Deus e tenho tanta dificuldade em falar sobre Ele como em escrever sobre este livro.

Fé e morte. Procura e busca. As palavras que estavam constantemente na minha cabeça durante esta leitura.

Não sei falar sobre este livro mas sei o que senti. Senti que pertencia, que entendia, que todos os mistérios, apesar de inexplicáveis, batiam certo. Que todas as procuras, mesmo viagens cujo sentido só se entende depois do regresso, tinham um propósito.

Que mesmo a morte nos pode levar a percorrer um caminho que, apesar de não ter volta, vale pelo percurso.

Tudo isto senti e vivi, explorei e meditei. Continuo descrente. Talvez menos descrente. Ou mais crente? Não sei explicar. Não sei nada. Será isto a fé?

Patrícia Reis tem “No Silêncio de Deus” uma escrita sublime. Desenvolve de uma forma colossal o talento de escrever pequenas frases com um mundo de ideias, uma imensidão de possibilidades, brinca entre o passado e o presente, coloca ideias profundas e dissertações metafísicas de forma hábil em simples conversas de café. Usa as personagens como um veículo de pensamentos e ideias de modo extraordinário.

Não há muito a dizer sobre as personagens ou as suas histórias de vida.

Vida, dor e morte. Comuns a qualquer existência.

O que conta é a forma como chega a nós, leitores. Muito bom.

Sinopse

“Um escritor descobre que está a morrer. Uma jornalista tenta desvendá-lo. Ambos procuram a redenção. Encenam uma fuga à realidade. Três cidades: Lisboa, Jerusalém, Amesterdão. E ainda uma prostituta, um barman, um médico homeopata. A possibilidade da salvação e a procura da humanidade. As falhas de cada um. O passado como identidade. Um fado. Vários livros. Dor e consternação. No fim, sem medo, uma ideia melhor.”

Dom Quixote, 2008

Maio 22, 2011

Por Este Mundo Acima - Patrícia Reis - Opinião

 

Poucas foram as vezes em que um livro me deixou sem palavras. Normalmente fecho a última página cheia de vontade de falar, opinar e discutir. “Por Este Mundo Acima” fez-me pensar em tantas coisas enquanto o li, mas não me permitiu ter uma opinião imediata. Se calhar é um livro a digerir com calma, eu sinto que ainda o estou a “mastigar”.

Difícil é imaginar no que se pode tornar a nossa vida após uma catástrofe. Neste livro é-nos descrito o mundo depois de um “acidente” do qual nunca sabemos pormenores, apenas sabemos que tudo está destruído, que a maioria das pessoas desapareceu, e as que restam procuram caminhos. Caminhos que são percursos do passado, vividos de lembranças e pensamentos, e modos de viver o presente.

Pode parecer estranho mas este livro sugere-me uma palavra: “Tempo”. O tempo que perdemos nas nossas vidas sempre a correr, e o tempo que sobra, com o qual não sabemos lidar nem como preencher quando tudo muda.

Eduardo foi editor e agora vagueia pelos destroços deste mundo desfeito. Procura alimentos, medita sobre todas as coisas que se perderam, na vida que viveu, no carinho dos amigos ausentes. E porque quem procura acaba sempre por encontrar, descobre pistas do passado das pessoas que conheceu, das suas vidas ocultas, das coisas que nunca imaginou porque se calhar nunca olhou para os outros sem ser na correria dos percursos que se cruzam, muitas vezes por acaso. Porque sabemos que nas nossas vidas pouco tempo temos para nós e para os outros, vivemos a pensar no que temos para fazer e no pouco tempo que temos para fazer tudo o que queremos ou nos é imposto. Será preciso uma tragédia para termos tempo para pensar? Para meditar sobre o que perdemos? Será uma lição? Aprender a ter tempo? Aprender a viver verdadeiramente? Concluir que habitamos um planeta super-povoado mas não conhecemos verdadeiramente ninguém?

Nesta fase de desolação Eduardo descobre “O Livro”! Aquele que nunca editou mas que é o melhor de sempre, o que deveria ter chegado a toda a gente. Curiosamente um livro que esteve muito tempo consigo mas que ainda não tinha lido, e agora? Será tarde demais?

Gostei da relação que se desenvolve entre Eduardo e Pedro, um rapazinho que cresce neste cenário de destruição, a quem Eduardo ensina, orienta, pode dizer-se que, dadas as circunstâncias, educa. Passam-se anos assim, tantos que me questiono porque não se reconstruiu tudo? Porque continuam as personagens deste livro a errar no vazio sem sinais de recuperação? Que é feito do poder de recuperação do ser humano?

Bom, um livro que me faz pensar e que me acompanha depois de o ter terminado (mesmo já tendo iniciado outro). Gostei de me deixar levar pela (imensa) criatividade da autora, viajei e vivi nesse lugar, seja lá onde for.

Sem dúvida um ponto de partida para conhecer os restantes trabalhos de Patrícia Reis. Bastante recomendado! Marcante!

Sinopse

“Um cenário de terrível desastre assola Lisboa. Poderia ser em qualquer outro lugar do mundo. Os escombros passam a ser paisagem, a cidade e as relações humanas transformam-se vertiginosamente. Entre os sobreviventes há um homem, um velho editor. Procurando amigos e amores desaparecidos encontra um manuscrito e um rapaz e, neles, a porta para uma outra dimensão da vida.”

Dom Quixote, 2011