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planetamarcia

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Julho 22, 2013

A Trégua - Mario Benedetti - Opinião

 

Martín espera pela reforma. Aguarda os dias de lazer sem planos, com o tempo todo para si. Imagina como será deixar de ir para o escritório, deixar de ter as diárias relações profissionais com os colegas. Medita sobre o futuro. Anseia por esses tempos de liberdade mas ao mesmo tempo receia não saber o que fazer com todo o tempo que terá disponível.

“A Trégua” é uma profunda reflexão sobre o tempo. O que já vivemos, o que temos para viver, e o tempo que, inevitavelmente, sentimos que nos escapa.

Martín, à beira dos 50 anos, sente que já viveu mais do que tem pela frente. Este livro é o seu diário de angústias, a sua colecção de medos sobre o futuro e os seus pensamentos acerca do que viveu.

Escrito em tom confessional, fez-me sentir mais do que uma leitora, uma espécie de confidente ou quase testemunha do seu percurso de vida. Um livro que li num dia como um segredo que tinha de saber, ou um desabafo que não se podia mais conter.

Uma escrita bonita e bem conseguida, com uma espécie de sonoridade e ritmo musicais, pautaram a minha viagem pela vida de Martín. Desde o seu primeiro casamento, à relação (por vezes atribulada) com os filhos, a viuvez, a solidão que lhe permite pensar e atingir algumas brilhantes conclusões sobre a vida diária.

O trabalho, por ser o local onde (ainda) permanece mais tempo, pauta grande parte dos seus pensamentos. Martín absorve o ambiente em redor, transmite as suas conclusões e as suas observações de forma especial, com espírito crítico mas, ao mesmo tempo, com uma suavidade que só a beleza da escrita da Mario Benedetti pode permitir.

Então apaixona-se. De forma inesperada encontra o amor, no local de trabalho. Curiosamente ela é muito mais nova, como se fosse mais um lembrete do tempo. Surgem os receios. Medo da velhice, de ser um estorvo, de a desgostar, de a perder. De ter pouco tempo. Com ela.

Comete algumas loucuras. Renasce. Faz coisas que já não pensava fazer. É correspondido. É feliz. Encontra alguma paz que precisava. Que lhe faz bem.

Rejuvenesce e sente que ganha anos, que a felicidade o acorda e faz desejar a imortalidade. Mas sabe que não é possível. Não quer lembrar-se mas sabe. É o tempo que o lembra. Mais uma vez o tempo cruel que cumpre o seu desígnio: passa e esgota-se.

“Se alguma vez me suicidar, será num Domingo. É o dia mais desalentador, o mais anódino. Eu quereria ficar na cama até tarde, pelo menos até às nove ou às dez, mas às seis e meia acordo sozinho e já não consigo fechar os olhos. Às vezes penso naquilo que farei quando toda a minha vida for Domingo.” (pág.21)

“Nos escritórios não há amigos; há tipos que se vêem todos os dias, que embirram juntos ou separados, que dizem piadas e se riem delas, que trocam queixas e transmitem os seus rancores entre eles, que murmuram sobre a administração em geral e adulam cada director em particular. A isto chama-se convivência, mas só por miragem é que a convivência pode chegar a parecer amizade.” (Pág.94)

“Hoje, em vários momentos do dia, pensei “cinquenta anos”, e a alma caiu-me aos pés. Estive em frente ao espelho e não pude evitar um pouco de piedade, um pouco de comiseração para com aquele tipo enrugado, de olhos cansados, que nunca chegou nem nunca chegará a nada. O mais trágico não é ser medíocre mas inconsciente dessa mediocridade; o mais trágico é ser medíocre e saber que se é assim e não se conformar com esse destino que, por outro lado (e isso é o pior), é de estrita justiça. Então, quando estava a ver-me ao espelho, apareceu sobre o meu ombro a cabeça de Avellaneda. Ao tipo enrugado, que nunca chegou nem chegará a nada, acenderam-se os olhos e durante duas horas e meia esqueceu-se de que tinha feito cinquenta anos.” (Pág. 147)

Uma leitura Roda dos Livros – Livros em Movimento.

Sinopse

“«A trégua» é considerado o romance emblemático da literatura sul-americana e uma das histórias de amor mais comoventes da literatura moderna. 
Em Buenos Aires, dois amantes vivem um amor que transgride todas as convenções sociais. 
Martín Santomé é viúvo há mais de vinte anos e praticamente criou os filhos sozinho. Confidencia ao seu diário que se sente cansado de um quotidiano sedentário no escritório e que de dia para dia agravam-se os conflitos geracionais com os seus filhos. O seu único alento é a reforma, para a qual faltam seis meses e vinte e oito dias. 
Tudo muda quando surge uma nova colega, Laura Avellaneda, num escritório contíguo ao seu - "o seu corpo, a sua boca grande, as suas pernas lindas" - e só assim se atenua a obsessão de Martín centrada nos vinte e oito dias. Martín descobre pela primeira vez o amor com a jovem e vigorosa Laura. 
Superando todos os convencionalismos e transgredindo as circunstâncias impostas pela diferença de idades, os dois amantes revitalizam sentimentos e enfrentam os riscos dessa relação amorosa: Martín e Laura vivem profundamente o seu momento no qual se inscreve o sentido da eternidade. 
Romance emblemático dos anos 60, que continua vivo e a ser um testemunho psicológico e social comovente.”

Cavalo de Ferro, 2007