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planetamarcia

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Abril 13, 2014

Os Memoráveis - Lídia Jorge - Opinião

 

Muitas vezes digo que há livros que me deixam sem palavras. Mas depois, mal ou bem, escrevo sempre alguma coisa sobre o que li.

Desta vez há o receio de não estar mesmo nada à altura (ainda mais do que das outras vezes), e a reverência perante uma escritora brilhante, que me boqueia a mão e tolda o pensamento.

Quarenta anos depois dessa grande aventura que aconteceu antes da minha chegada, mas da qual ouvi tanto nas palavras do meu pai ao longo de toda a minha vida, tive o prazer imenso de ler um livro sobre aqueles que deram tudo de si pelo colectivo, para devolver a Liberdade ao nosso país.

Talvez temendo o fracasso mas mesmo assim avançando, apesar dos riscos, que seja devolvida a glória aos Capitães que, num dia pacífico e colorido com flores, nos abriram uma porta para podermos pensar, falar e agir sem medo.

Discutível é se temos feito, como povo, por merecer essa honra, mas que seja atribuída a todos o distinto lugar nas nossas memórias.

Eles são “Os Memoráveis”. Os portugueses de Abril.

“Eu próprio não lucrei nada. Eu sou um transformador, e o verdadeiro transformador nunca lucra, luta para dar lucro aos outros, se possível para dar lucro a todos. Só nessa medida eu lucrei. Olhai. Lucrei porque sou um entre milhares, dez milhões e tal, que melhoraram as suas vidas passando a viver em liberdade.” (Pág. 103)

Sinopse

“Em 2004, Ana Maria Machado, repórter portuguesa em Washington, é convidada a fazer um documentário sobre a Revolução de 1974, considerada pelo embaixador americano à época em Lisboa como um raro momento da História. Aceitado o trabalho, regressa, contrata dois antigos colegas, e os três jovens visitam e entrevistam vários intervenientes e testemunhas do golpe de Estado, revisitando os mitos da Revolução. Um percurso que permite surpreender o efeito da passagem do tempo não só sobre esses "heróis", como também sobre a sociedade portuguesa, na sua grandeza e nas suas misérias.
Transfiguradas, como se fossem figuras sobreviventes de um tempo já inalcançável, as personagens de Os Memoráveis tentam recriar o que foi a ilusão revolucionária, a desilusão de muitos dos participantes e o árduo caminho para uma Democracia.
Paralela a esta acção decorre uma outra, pessoal e íntima: a história do pai da protagonista, António Machado, que retrata em privado o destino que se abate sobre todos os outros. Todos vivem na Democracia, uma espécie de lugar de exílio. Mas um dia, todas as misérias serão esquecidas, quando se relatar o tempo dos memoráveis.”

D. Quixote, 2014

Janeiro 13, 2014

A Noite das Mulheres Cantoras - Lídia Jorge - Opinião

 

Depois de várias tentativas de ler “A Costa dos Murmúrios”, não sei explicar porquê nunca avancei na leitura, finalmente li um livro de Lídia Jorge e pude encantar-me com a sua escrita.

Partindo de um estrutura original mas não inédita, a autora traça o percurso de um grupo de mulheres que tem o sonho de cantar. Fazendo lembrar alguns grupos pop dos anos 80 com canções festivaleiras, coreografias exuberantes e um guarda-roupa cheio de folhos, brilhos e cores, entrei na garagem dos ensaios e, acima de tudo, entrei nos mistérios algo densos de um grupo liderado por Mimi, a maestrina.

Mimi, ou Gisela Baptista, é arrebatadora e determinada, a líder que as outras seguem muitas vezes sem razão lógica. Simplesmente porque há pessoas assim, que nos impelem a segui-las tomando nossas as suas vontades. Gisela decide tudo, ultrapassando a esfera do grupo, devassando as vidas privadas das colegas; é de uma força tão bem caracterizada e descrita que a amamos e odiamos conforme Lídia Jorge muito bem lhe apetece. Sim, senti-me uma marioneta nas palavras deste livro, perdi completamente o comando e deliciei-me a sujeitar-me às suas ordens.

Mimi é a personagem mais forte mas a voz é Solange, letrista do grupo. Solange, figura fulcral, vinte anos na sombra, é apresentada no primeiro capítulo como uma estrela. Mas isso é porque se trata da “Noite Perfeita”. Um começo cheio de brilhos e felicidade que é o fim de um percurso. Na verdade, na segunda vez que li o primeiro capítulo (depois de chegar ao fim) e revisitei a “Noite Perfeita” já não achei assim tão perfeita, tanto brilho sugeriu-me alguma decadência e nostalgia, talvez alguma saudade de um passado que as mulheres cantoras construíram mas que compõe um retrato de muitas peças. Peças tristes, peças duras, peças que não encaixam na “Noite Perfeita”.

Passado numa Lisboa dos anos 80, que eu não conheci mas pude criar, “A Noite das Mulheres Cantoras” é um romance que me revelou finalmente a Lídia Jorge que eu já há muito queria conhecer.

Sinopse

“Há uma pergunta que percorre este romance de Lídia Jorge, da primeira à última página: Quantas vítimas se deixa pelo caminho para se perseguir um objectivo? A acção do romance decorre no final dos anos 80 do século XX e invoca um tema de inesperada audácia - o da força da idolatria e a construção do êxito - visto a partir do interior de um grupo, narrado 21 anos mais tarde, na forma de um monólogo. 
Como é habitual na obra da autora, a questão social é relevante - a força do todo e a aniquilação do indivíduo perante o colectivo são temas presentes neste livro. Mas aqui, tratando-se de um grupo fechado e dominado pela música, a parábola social submerge perante a descrição de um ambiente de grande envolvimento humano e de densidade poética. 
Servido por uma narrativa ao mesmo tempo rude e mágica, A Noite das Mulheres Cantoras propõe a quem o lê a história de seis figuras que passam a viver para sempre no nosso imaginário. 
A história de amor comovente que une as duas personagens principais, Solange de Matos e João de Lucena, é, por certo, um daqueles episódios que iluminam a realidade e tornam indispensáveis a grande literatura sobre a vida de hoje, com os ingredientes próprios da cultura dos nossos dias.”

D. Quixote, 2011

Lido através da Roda dos Livros – Livros em Movimento.