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planetamarcia

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Novembro 23, 2014

Estrada de Macadame - Paulo M. Morais - Opinião

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Impossível não associar de imediato Paulo M. Morais a “Revolução Paraíso”, editado no ano passado. Mas na verdade, Estrada de Macadame, agora publicado, foi escrito primeiro.

Gostei muito do “Revolução”, é um livro marcante, pedaço da nossa História, documento real e ficcional numa mistura única e bem conseguida. Mas gostei mais de percorrer esta Estrada, de sentir esta escrita emocional sobre pessoas que perderam e estão perdidas, que buscam o caminho para chegar a qualquer lugar onde deixe de haver dor.

“Estrada de Macadame” é um livro de pedaços de gente. Gente estilhaçada que anda a apanhar os cacos das perdas, que faz tudo mal porque há momentos em que é impossível saber o que é certo.

Nenhum pai deve sobreviver a um filho. Daniel e Gina perdem a filha, Mariana. Como um elo que se parte entre eles e os afasta irremediavelmente, por não saberem como suportar tanta dor. Separam-se pelo espaço de diferentes continentes. Não deixam por isso de sentir as feridas a sangrar. Daniel viaja para a Índia mas não encontra paz. Regressa com a sua dor e as dores das misérias a que assiste. Gina envolve-se com Adolfo, septuagenário viúvo e analfabeto, que se consola no álcool, juntos começam a beber logo pela manhã.

Com Luís, o mais jovem dos quatro, temos o quarteto vencedor das histórias tristes. E lá vão eles pela Estrada de Macadame com a desculpa de assistir a um funeral. Fisicamente, no Datsun de Gina, também conhecido por Rocinante, de outra forma mais profunda e emocional, pelo tempo, pelas histórias de cada um.

Um livro inevitavelmente triste e de uma profundidade humana que me abalou e comoveu. Seria muito fácil resvalar para uma história de gente desgraçada (ou mesmo desgraçadinha) mas neste ponto o autor soube habilmente criar o limite e nunca passar para o lado do lenço ao nariz.

Vidas de pessoas, contadas de forma crua, palavras que por vezes assentam como um soco no estômago. Extremamente real, eu também segui nesta estrada e fiquei a saber tudo. Fui confidente do que naquela viagem se contou. Senti a necessidade de redenção mas não sei se, ainda hoje, algum deles chegou ao fim desse caminho.

Inevitavelmente destaco a qualidade da escrita de Paulo M. Morais, que me soube agarrar nesta longa história triste, mas que consegue, ao mesmo tempo, umas notas de humor particular em momentos inesperados. Na tasca do Jaime acontece sempre algo que acaba por me fazer rir.

“O café do senhor Jaime é um império de tranquilidade. Nas horas mortas, o sossego parece ser o responsável pelas fissuras nas paredes e nos tampos de mesa. O tempo escoa-se, em silêncio, por aquelas rachas minúsculas enquanto o senhor Jaime se entretém a mastigar palitos atrás do balcão corrido de mármore. O dono do estabelecimento é um homem sovina; só quando um palito começa a esfarelar-se na língua é que se dá ao luxo de trocá-lo por um novo.

Há anos que a clientela habitual do café não passa de três homens sentados à mesa da entrada. (…) Quando Adolfo entrou porta dentro pela primeira vez, o senhor Jaime torceu o nariz ao trabalho adicional.” (Capítulo 6)

“Estrada de Macadame” é editado pelo Coolbooks e infelizmente não o temos em versão livro físico, nem é um e-book que possa ser lido em qualquer e-reader. Com esta espécie de “limitação” perde o autor mas garanto-vos que perdem muito mais os leitores. Por isso, independentemente do formato, leiam e não deixem escapar esta viagem.

Muito bom.

Sinopse

“Estrada de Macadame é a história do encontro improvável de quatro personagens com percursos de vida bastante distintos. A uni-los, a dificuldade de ultrapassar a dor provocada pela morte de alguém amado. 
Gina e Daniel separam-se quando percebem que procuram formas diferentes de superar a perda da filha: Daniel decide viajar para a Índia à procura do sentido da vida, Gina decide ficar e refugiar-se na rotina do quotidiano conhecido.
Adolfo, um sexagenário aprendiz de impressor numa gráfica que se tornou perito em afogar a memória da falecida esposa em copos de uísque, é um dos alunos do projeto de alfabetização de adultos em que Gina é professora. Apesar da diferença de idades, os ecos de vida semelhantes levam Gina e Adolfo a envolverem-se. E quando Daniel, obrigado a regressar da Índia, procura recuperar o seu casamento, Gina mostra-se confusa e dividida. 
A morte de um dos clientes habituais da tasca frequentada por Adolfo marcará o início de uma viagem catártica. Gina propõe-se conduzir o seu aluno até ao funeral, juntamente com Luís, um jovem que se tornou confidente de Adolfo. Ao pedir a Daniel que também a acompanhe na expedição até uma distante aldeia alentejana, uma mulher une de forma inesperada os destinos de três homens de diferentes gerações.”

Coolbooks, 2014