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planetamarcia

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Setembro 21, 2014

A Mulher Comestível - Margaret Atwood - Opinião

 

Este livro, escrito em 1965, quando Margaret Atwood tinha 26 anos, surpreendeu-me por já conter tanto do que encontro nos seus livros mais recentes. Descobri Margaret Atwood há pouco tempo, o que é francamente tarde. Tarde, porque o tipo de livros que nos abrem os olhos, devem começar a fazer o seu trabalho o mais cedo possível.

“A Mulher Comestível” surpreendeu-me por vários motivos e deixou em mim uma opinião positiva e negativa. Vou começar pela parte negativa para arrumar o assunto. A tradução é deplorável. Pronto já está. É uma pena que grandes romances continuem a ser arrasados desta forma implacável, com erros crassos de construção de frases. Verdadeiramente assustador.

Fazendo um exercício de me desligar dos problemas da tradução (francamente difícil), posso dizer que me fui surpreendendo a cada página com a forma como uma mulher na casa dos vinte, nos anos sessenta, já olhava para uma sociedade doentiamente machista de uma forma tão analítica, sem cair no extremo oposto da superioridade feminista.

Marian tem uma vida banal, trabalha numa empresa de estudos de mercado e divide casa com uma amiga. A partir do momento que decide casar com Peter, o namorado, tudo no seu dia-a-dia se começa a alterar. Desde o emprego à família, passando pela própria relação com Peter e com os amigos, tudo parece conspirar à sua volta para Marian se tornar uma digna senhora casada. De forma quase imediata é dispensada do emprego, Peter comporta-se como seu dono e os amigos estão felizes por finalmente a verem assentar. E então assistimos à divisão de Marian entre o socialmente aceite e o que deseja para si. Sendo que não sabe exactamente o que deseja e passa a sofrer diariamente de sintomas físicos provocados pela angustia. Ao longo do livro os sintomas agudizam-se e privam-na de relacionamentos sociais ditos normais. Desde ataques de pânico que a fazem fugir a correr, até deixar de comer por não tolerar os alimentos, muitos são os avisos simbólicos inconscientes.

“Mulher Comestível” é uma espécie de sátira subtil ao casamento, à família, e ao lugar da mulher servil numa sociedade de machos pouco inteligentes. Marian vive rodeada de sinais de alerta, sente que o seu caminho é outro, e mesmo assim vai-se deixando esmagar pelos rituais sociais.

Um livro que está aquém da mais recente obra da autora, mas que impressiona por tudo aquilo que Atwood, tão nova, já trazia dentro de si. Uma mulher que desde cedo questiona, denuncia e procura o seu caminho. Fascinante.

“Um tipo não pode andar indefinidamente aos caídos. E, a longo prazo, também será muito melhor na minha profissão, visto que os clientes gostam de saber que temos uma esposa; (…) Começava a sentir as ferroadas do instinto de propriedade. Portanto aquele objecto pertencia-me.” (Pág. 112 e 113)

“- Então ela também andou na Universidade. Eu devia ter percebido. É então essa a nossa paga – disse, de forma desagradável – por darmos uma educação às mulheres. Ficam com toda a espécie de ideias ridículas.” (Pág. 193);

“Quanto tempo demoraria a adquirir aquele ar de dona de casa com rendimento médio/baixo, aquele ar desgastado e miserável, e a ter as roupas puídas nos punhos e em volta dos botões pelas bolsas de pele falsa? Quanto tempo seria necessário para ter a quele trejeito de boca e aquele olhar que media tudo e todos? E, acima de tudo, aquela cor invisível semelhante a um odor de tapeçarias bolorentas e linóleo gasto que, ao contrário de si, as tornava legítimas naquele leilão de cave?” (Pág. 259)

“Penso que as coisas são mais difíceis para ela do que para a maioria das mulheres; penso que são mais difíceis para qualquer mulher que tenha andado na universidade. Ficam com a ideia de que possuem uma mente, os professores prestam atenção ao que têm para dizer e tratam-nas como seres humanos; esse núcleo é invadido quando se casam…” (Pág. 287)

Sinopse

“Marian é uma mulher deliberadamente vulgar, que espera casar-se mais dia menos dia. Gosta do seu trabalho, da amiga quase ninfómana com quem partilha o apartamento, do seu noivo excessivamente fleumático. Ao princípio tudo parece correr bem. Mas Marian não contou consigo mesma, com aquilo que é na realidade: uma mulher que deseja um pouco mais do que aquilo que tem, que inconscientemente vai sabotando os seus próprios planos, a sua rotina, a sua digestão. E Marian descobre, por fim, que há coisas que não suporta...”

Livros do Brasil, 2002

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