Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

planetamarcia

planetamarcia

Janeiro 04, 2014

À Espera de Moby Dick - Nuno Amado - Opinião

 

Nem sempre um livro lido é adequado ao que vai na nossa cabeça. Por isso podemos, em determinada altura, achar um livro excelente e noutra deixá-lo passar por nós sem grandes marcas.

Não sei se estou à espera de Moby Dick. Que procuro algo isso é certo. Se vou encontrar o que necessito já não sei. Enquanto busco e espero fico feliz quando livros como este se atravessam no meu caminho e me chamam para os ler.

“À Espera de Moby Dick” é um livro extraordinário que me agarrou antes mesmo de o ter. De facto as formas que hoje em dia temos à nossa disposição para divulgar cultura, gratuita e desinteressadamente, são a maior arma para não deixar que o prazer da leitura se perca e, ao invés disso, aumente, se difunda, e provoque opiniões, que de tão diferentes ou semelhantes levem à discussão, ao debate, ao pensamento. O pensamento, essa fabulosa arma contra a ignorância e que todos podemos usar.

Obrigada à Inesbooks que tenho seguido no Youtube e no Facebook, pelos seus vídeos de alta qualidade para uma amadora (mas leitora profissional). Um dia cheguei a este vídeo. Passados dois dias estava a ler o livro.

Um homem tem um segredo, uma dor que o consome, um acontecimento do passado. Isola-se numa ilha dos Açores, é a forma que encontra de lidar com o sofrimento que mudou para sempre a sua vida.

De estrutura epistolar, este livro vai sendo desconstruído através de cartas. Cartas que escreve a um amigo a quem conta o seu dia-a-dia a começar de novo, forma que encontra de exorcizar os seus demónios e manter um ténue contacto com a sua realidade, o que vai demonstrando que não se isolou para acabar com a própria vida mas para se encontrar. Demonstra esperança, desejo de superar, mesmo que o próprio ainda não o saiba.

Outras cartas são enviadas, estas de cariz mais hilariante. A quem nunca apeteceu enviar cartas para o Instituto Nacional de Estatística ou para uma qualquer publicação quando nos indignamos ou não concordamos com algo? Certamente libertador, apesar de termos consciência da sua inutilidade.

Depois há as outras estranhas personagens suas vizinhas na ilha. Todas com vidas misteriosas e atitudes enigmáticas. Mas se calhar não são todas as pessoas misteriosas antes de as conhecermos realmente?

Uma escrita limpa sem artifícios, como eu gosto. Pois que um livro com este tema exige simplicidade, o leitor tem de se focar no percurso da personagem, sem análises da possível riqueza ou pobreza literária. O livro está bem escrito e pronto. Chega. Fiquei realmente presa e em suspense pelo desfecho. Identifiquei-me e compreendi que há sempre um caminho, mas nem sempre se acerta no percurso.

Não há lições mas há conclusões. A solidão não cura a dor mas por vezes perfeitos estranhos podem mudar a nossa vida.

Apesar de escrito por um psicólogo não é um livro de auto-ajuda. É um romance bem pensado sobre a cura. A cura quando nos dói a alma.

“Aperceber-me da infinitude do mundo e da finitude do amor, ir percebendo que existiam demasiadas coisas imperdíveis à face da terra, que existiam demasiadas possibilidades de amar para que alguns amores ficassem por viver, fez nascer em mim, como um cancro no pulmão, retirando-me cada vez mais ar, e levando-me quase ao sufoco, a ideia de que o tempo passa. De que passa e nunca pára, que é como uma locomotiva sem travões. Tal fez-me viver a minha juventude em urgência, consciente, demasiado consciente da passagem do tempo, como se um relógio enorme pairasse sobre a minha cabeça fazendo ribombar cada segundo como um trovão mitológico. Vivi esses anos batalhando contra o tic-tac, contra as páginas esvoaçantes dos calendários. Sedento de vida, procurei-a por todo o lado. Por vezes fui estúpido, outras ousado, preferi cair no ridículo a sucumbir a uma vida que não fosse tudo o que podia ser, que não contivesse tudo o que pudesse conter, que não fosse incandescente, incrível, feérica. Mas toda esta irrequietude, toda esta procura afastou-me muitas vezes do agora, de viver o momento no momento. Só com o passar dos anos é que fui aprendendo a não estar em urgência, a não olhar para o minuto seguinte como mais uma batalha.” (Pág. 169)

Sinopse

“Um desgosto avassalador leva um lisboeta a refugiar-se numa enseada perdida dos Açores para cumprir um velho sonho: avistar baleias. Enquanto espera pela chegada dos gigantes marinhos, ocupa os dias naquele lugar dominado pelo ruído do oceano a tentar reencontrar-se e a escrever cartas para o seu melhor amigo, contando-lhe o fio dos seus dias no exílio, mas também para destinatários tão improváveis como o Instituto Nacional de Estatística, o boxeur português com mais derrotas acumuladas ou um guru de auto-ajuda de sucesso planetário.
À medida que o tempo passa, consegue vencer a solidão absoluta que impôs a si próprio e estabelece contacto com os seus poucos vizinhos, como um alemão bem-humorado, que todos os dias sai sozinho para o mar, e um casal de reformados oriundo do continente, que recebe cartas do filho dos mais variados lugares do mundo. Depressa descobre que, naquela enseada, todos têm qualquer coisa a esconder e nada é exactamente o que parece.
À Espera de Moby Dick é um romance grandioso e envolvente que nos fala do amor, da perda e da extraordinária capacidade de regeneração do ser humano perante as maiores adversidades.”

Oficina do Livro, 2012

6 comentários

Comentar post